Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Marcos
(Mc
1, 12-15)

No Evangelho deste Domingo, assim como em todo 1º Domingo da Quaresma, Nosso Senhor vai para o deserto. À imitação de Cristo – e do povo de Israel, que, para entrar na Terra Prometida, permaneceu quarenta anos no deserto –, também nós precisamos passar por esta realidade, a fim de entrarmos no Amor.

A grande passagem de Cristo, porém, mais que o deserto, foram a Sua morte e ressurreição, que constituem o cume de Seu grande amor por nós. Na verdade, todo amor comporta uma certa morte. Diferentemente dos animais que, não tendo liberdade e agindo por mero instinto, são incapazes de se contrariar – e, por conseguinte, não podem amar –, o ser humano, mesmo com fome e tendo diante de si uma comida saborosa, é capaz de renunciar a isso por amor a alguém. As mães mesmo fazem atos desse tipo o tempo todo, por causa de seus filhos. O amor, pois, consiste justamente nisto: em contrariar-se, dizer “não” às próprias vontades, caprichos e veleidades, por causa do outro.

Infelizmente, esta realidade humana do amor foi degradada com a queda de nossos primeiros pais. A partir do pecado original, o ser humano foi colocado de cabeça para baixo. Deixando que os seus instintos animais o governassem e procurando a felicidade nos endereços errados, ele foi, de alguma forma, degradando a sua capacidade de amar.

Nesta Quaresma, o Senhor – que, por meio de Seu Filho, não só restaurou a humanidade, mas deu-lhe poder viver a caridade sobrenatural, isto é, o amor em Deus, por causa d’Ele – refaz a nós o convite do amor. É este, pois, o sentido dos jejuns, penitências e orações tão pedidos pela Igreja neste tempo. Não adianta simplesmente jejuar, se a isso não estiver unida a virtude da caridade. Passar fome, por si só, não santifica ninguém. Se assim fosse, a África seria o continente mais santo do mundo. O que santifica o homem é o amor, é o contrariar sábia e prudentemente os próprios instintos por causa de um Outro, que é Deus.

No mundo animal, distinguem-se dois instintos (ou apetites): o primeiro é a concupiscência (ou apetite concupiscível), pela qual as criaturas buscam o prazer e a gratificação; e o segundo, a ira (ou apetite irascível), pela qual elas reagem quando são contrariadas. O homem, sendo um animal, também possui esses apetites; sendo, porém, racional, e contando com a graça divina, é chamado a governar os seus instintos e conduzi-los a Deus – assim como um cavaleiro precisa domar um cavalo chucro para levá-lo aonde quer. Para tanto, a alma, explica Santo Tomás de Aquino, deve agir “politicamente” [1]: não deve castrar as energias do corpo, mas dominá-las aos poucos, de forma sábia e com cuidado. Afinal, não somos anjos. Se Deus nos criou com um corpo, este pode – e deve – ser-nos útil.

De forma bem prática, é importante lutar contra duas tentações básicas, mormente as contra a castidade e as contra a paciência, já que estão diretamente ligadas aos apetites concupiscível e irascível. Primeiro, viver a castidade, lutando contra o sexo desordenado e dando a vida pelos outros, seja no matrimônio, seja no celibato; segundo, exercitar a paciência, suportando as contrariedades do dia a dia e também contrariando a nós mesmos, voluntariamente, por amor de Deus. De fato, dentro de nós existe como que um “pequeno deus”, que diz: Seja feita a minha vontade. Quando as coisas não acontecem do jeito que queremos, somos tentados a ficar emburrados e com raiva, como crianças mal educadas. A nossa atitude, porém, deve ser madura e virtuosa: quando surgem as contrariedades, que bela oportunidade temos de amar a Deus!

Quanto às penitências específicas a escolher, não há uma medida única para todas as pessoas. Cada pessoa deve discernir – talvez junto com o seu diretor espiritual – a prática adequada para si. O que importa é que todas as coisas sejam feitas com generosidade. Diz Nosso Senhor que “o Reino dos Céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam” [2]. O Reino dos Céus é das pessoas que tomam a vida espiritual de assalto e se decidem seriamente a amar, com determinação.

Nesta Quaresma, dirijamo-nos com Jesus ao deserto e, na prática do jejum, da oração e da esmola, cresçamos cada vez mais na caridade.

Por: Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências:

  1. Cf. Summa Theologiae, I, q. 81, a. 3, ad 2
  2. Mt 11, 12