Não é por acaso que a linguagem “familiar” está inserida no coração do cristianismo. E também não é por acaso que o Diabo declarou guerra à família desde o princípio. A essência da família está na estrutura fundamental de nossa vida espiritual.

Antes de qualquer coisa, importa definir o que é a família. Ao observar o mundo animal, percebe-se que a família é um fenômeno tipicamente humano. Só em uma analogia muito remota esse termo poderia ser usado para se referir aos animais. Quando o homem e a mulher se entregam mutuamente, eles firmam uma aliança, estabelecem um vínculo, que tem como finalidade a criação e educação dos filhos e a construção de um bem comum entre eles. Entre os animais, isso não existe. Quando um macho e uma fêmea se cruzam, a sua prole sequer é considerada “família” para eles. Os chamados “papéis familiares” só existem na humanidade: a fidelidade entre os cônjuges, o relacionamento entre pais e filhos e a fraternidade dos irmãos não são compartilhadas pelas outras espécies animais.

Dessa constatação óbvia, os militantes revolucionários deduzem que a família é uma invenção. Sendo um constructo humano, ela poderia muito bem, pois, ser “desconstruída”, “desinventada”. Acontece que o ser humano, definitivamente, não é como os animais. Ele possui alma. Isso fica evidente quando se olha o seu comportamento em relação à sexualidade. Quando os animais acasalam, eles estão plenamente satisfeitos e não querem repetir outro ato sexual. O homem, ao contrário, é capaz de fazer sexo compulsivamente, até se destruir. A sua insatisfação aponta para algo muito próprio de sua natureza: o mundo espiritual.

Foi olhando para a santificação do homem inteiro – corpo e alma – que Cristo elevou a família à dignidade de sacramento. Após a queda, com o pecado original e a tendência do homem para o pecado e a própria dissolução, o relacionamento familiar começou a correr um risco: o de se tornar um verdadeiro inferno, cercado por ciúmes, violência, estupros, injustiças, ódio, rancor, ressentimentos etc. Por isso, Cristo veio redimir o casamento, transformando-o em um sacramento, isto é, em um sinal visível de um relacionamento invisível com Deus.

Em sua Carta aos Efésios (5, 32), São Paulo refere-se a essa realidade como a um “μυστήριον” (mystérion): “Este mistério é grande – eu digo isto com referência a Cristo e à Igreja”. A Vulgata de São Jerônimo, porém, traz a palavra sacramentum. Com esse ensinamento, o Apóstolo queria indicar que marido e mulher são um sinal de algo espiritual. Agora, na família, há um caminho, uma graça que leva os seus membros à santidade.

Mas, o que é a santidade? Não se trata de um moralismo, mas da “perfectae caritatis prosecutionem – consecução da caridade perfeita”, como diz o decreto do Concílio Vaticano II sobre a vida consagrada. A caridade descreve uma forma especial de amor: ama-se a Deus, a si mesmo e ao próximo, mas com um único objeto formal, que é Deus. Assim, na família, o caminho de santidade está justamente em amar o outro por causa de Deus. Como diz o Autor Sagrado, “se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4, 20). Santo Agostinho também ensina que o amor a Deus é o maior na ordem das coisas, mas na ordem de execução, o primeiro é o amor ao próximo. Quem quer amar a Deus deve, pois, aproximar-se do outro – de sua esposa, de seu marido, de seus filhos, de seus irmãos – como se aproxima do Cristo. Deve abrir a porta de sua casa como se estivesse abrindo a porta do sacrário. Só agindo assim é possível viver o relacionamento conjugal como verdadeiro sacramento.

Trata-se, sim, de algo difícil, mas todos os casais receberam a graça para tanto, quando ministraram entre si o sacramento do Matrimônio. Uma criança que recebeu o Batismo está com o “sacramento amarrado”: ela recebeu o presente – foi perdoada de seus pecados, tornou-se filha de Deus –, mas só chega a abri-lo quando realmente se converte, no futuro – e, então, produzem-se os efeitos do sacramento. O mesmo acontece com o esposo e a esposa que se casaram na igreja, mas não estão vivendo o Matrimônio como santificação. Eles já receberam o presente – a graça –, mas ainda não abriram o embrulho.

Como agir, então? De forma bem concreta, é preciso exercitar as virtudes, tanto as teologais – fé, esperança e caridade – quanto as cardeais – prudência, fortaleza, justiça e temperança. Em uma união profunda com Cristo e em um amor intenso pelos seus, então, é possível viver a santidade no Matrimônio.

Esse projeto é também uma proposta extraordinária para a vida da sociedade e também da Igreja. De fato, a família, sendo uma aliança de amor sobrenatural, é a unidade básica que Deus criou para que houvesse a Igreja. Isso permite entender a crise de falta de sacerdotes por que passa a Esposa de Cristo. É próprio de toda família ser fecunda. Se as comunidades diocesanas hoje não conseguem gerar vocações para a vida sacerdotal, é porque as paróquias estão se tornando como que empresas, ao invés de serem famílias.

No Céu, finalmente, todos serão família, junto com Deus, que é “família trinitária”. Por isso o demônio odeia tanto a realidade familiar. A dialética hegeliana usada pelos socialistas – a ideia mirabolante de que do choque entre tese e antítese nascerá uma síntese superior – não passa de um eufemismo para propor a guerra, a destruição e a luta de classes. Veja-se, por exemplo, em que estado se encontra a educação no Brasil: os revolucionários agem com a delicadeza de um touro em uma sala de cristais, pisoteando e acabando com tudo. Do divórcio, passa-se à união estável, ao divórcio eletrônico e a muitas outras aberrações. Se a santidade é o progresso no amor, isso nada mais é que o progresso na destruição.

Por isso, ou nós salvamos a família, ou não seremos salvos.

 

fonte: Padre Paulo Ricardo