A citação bíblica “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23) é conhecida e replicada por todos aqueles que escolherem seguir o caminho de Cristo. Pode-se dizer que este versículo e a bandeira levantada por todos aqueles que creem e se esforçam em ser fiéis aos preceitos de Jesus. Convido-te, a mergulhar na palavra de Deus por meio deste versículo tão caro a todos nós, aliando-o à história de Santa Faustina que, pode-se comprovar por sua obra, soube se apropriar de cada palavra deste versículo como tudo em Deus, vai muito além das palavras expressamente ditas e registradas.

“Se alguém quer vir após mim…”

Por meio desta sentença do versículo, Jesus nos deixa três preciosos ensinamentos. O primeiro deles está contido na palavra “se” e quer dizer que segui-Lo é uma opção e não uma exigência. Para estar com Jesus eu preciso querer este encontro para, então, poder permanecer com Ele. Um segundo ponto que nos deve chamar atenção é o pronome “alguém”. Não há um sujeito definido nesta frase, não há um perfil predileto para Jesus, pois a pessoa ideal para o coração de Deus é, justamente aquela que quer segui-Lo. Esta é a única exigência que Deus fez a mim e a você no momento em que nos colocamos juntamente com Ele: a nossa vontade. É somente a partir daí a partir da entrega resignada da vontade que esta primeira parte do versículo se completa, quando Jesus deixa claro que, já que optamos por segui-Lo e que o fizemos livremente, é preciso compreender que nosso lugar é depois Dele. É Ele quem tem o leme em suas mãos, é Ele quem sabe a direção e a melhor forma de trilhar o caminho: Jesus nos perde o abandono.

DIANTE DO AMOR, QUALQUER ATRIBUTO SE PROSTRA EM REVERÊNCIA

“Quando vejo que o peso ultrapassa as minhas forças, não penso sobre isso, não analiso nem me aprofundo, mas recorro como uma criança ao Coração de Jesus e digo-Lhe uma palavra apenas: “A vós tudo é possível…” – E fico depois calada, porque sei que o próprio Jesus se encarregará desse assunto e eu, em vez de me atormentar, utilizo esse tempo para amá-Lo”. (Diário 1003)

Santa Faustina desde muito jovem foi sensível ao chamado de Deus para a vida religiosa, mas, devido à negativa de seus pais, precisou silenciar em si a voz que a impelia para concretização do projeto divino que ela escolheu seguir. Anos mais tarde não mais conseguindo resistir ao clamor do céu, a jovem Helena bateu à porta de vários conventos, e em muitos foi rejeitada, até conseguir chegar naquele em que, de fato, estava o seu lugar, e que – a história a Santa mostra – não era, num primeiro momento, o lugar onde ela queria estar: Faustina cogitou a possibilidade de mudar de ordem religiosa, mas Jesus intervém afirmando que aquela era a Congregação onde ela deveria estar. O que é isso senão a concretização do “Se quer vir após a mim”? Faustina escolheu o caminho, quis com intensidade vive-lo e, feito isso, só lhe coube permitir que Deus, em Seu poder, fosse diante de si.

“… renuncie a si mesmo…”

São João Paulo II nos ensina que quando há fé autêntica no coração do homem, este não pode sentir a Deus de outra forma senão por meio do amor. Não há no homem, em sua relação com seus iguais, outro sentimento genuíno e capaz de fazer com que ele se doe por alguém senão o amor, pois o amor “nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse…” (I Cor 13,5). Assim, só é capaz de seguir o Mestre aquele que, acima de tudo, O ama.

Deus não espera homens e mulheres vigorosos no talento, na força, na coragem e nem mesmo nas belas palavras. Deus espera homens e mulheres que sejam capazes de lhe amar. Diante do amor, qualquer atributo se prostra em reverência, pois este é o sentimento essencialmente divino que se faz pedaço da carne de todo ser humano – só sabe o que é sofrer quem se vê prestes a perder um amor (seja este familiar, cônjuge, amigo…) por qualquer circunstância.

“Renunciar a si mesmo” é um verso que poderia ser complementado com a frase “por amar o outro”, e, sobretudo o Grande Outro, tal qual Maria Santíssima, que submeteu Seus planos à vontade Daquele que tudo sabe.

Cabe, entretanto, destacar que renunciar a sim mesmo para se doar no amor ao Outro não é o mesmo que anular-se. Deus não deseja a anulação de nossa singularidade, pois Ele próprio nos constitui com vontades, desejos, anseios. O que Ele deseja é conceder sentido à nossa existência, tal qual fez na vida de Santa Faustina. Esta renuncia de si mesmo em função do amor pelo Outro se localiza nos escritos e ditos dos santos da Igreja naquilo que hoje conhecemos por infância espiritual.

“Ó Deus, desejo tanto ser uma pequena criança. Vós sabeis como sou pequena e fraca, por isso, suplico-vos, mantende-me ao Vosso lado”. (Diário 242)

O sentido dado por Deus à existência do homem é o sentido que uma criança dá à intervenção de seus pais em relação ao seu agir. A criança se aventura, vai além dos seus limites, pois sabe que pode depositar a confiança naquele em quem se sustenta. Tanto quanto essa criança se lança aos braços dos pais, devemos nos lançar nos braços do Pai. Renunciar a si mesmo, portanto, é também um esforço de se abster da humanidade limitada que nos impede de atingir o abandono necessário para ir além da margem da miséria humana.

Neste sentido, o Padre Raniero Cantalamessa nos contempla com um exemplo tão lindo sobre exatamente este trecho do versículo bíblico, o pregador traz o exemplo do embarque dos judeus nos trens no período de perseguição nazista. Os judeus eram convencidos a entrar no trem com a promessa de que seriam levados para um novo lugar, onde estariam protegidos, quando na verdade estavam sendo levamos para a morte torturante. Acontecia que alguns sabiam do verdadeiro destino do trem e conseguiam alertar os demais. Alguns poucos conseguiam fugir. Assim também é o trem da nossa vida, diz Raniero, que nos leva para a morte – esta é uma grande certeza, naturalmente chegará o momento de nossa morte. Nas palavras de Cantalamessa: “o que o Evangelho nos propõe quando nos exorta a renunciar a nós mesmos e descer desse trem, é subir no outro que conduz à vida. O trem que conduz à vida é a fé n’Ele, que disse: “Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”.

“… tome sua cruz cada dia”

Aqui chegamos ao coração deste texto e ao motivo que levou o mesmo a ser intitulado como “Santa Faustina Kowalska: O sofrimento como possibilidade”. Sabe-se, por meio dos escritos da própria Irmã Faustina, que sua vida foi marcada pelo sofrimento – no corpo e na alma. Mas, qual é, afinal, o sentido de tomar a cruz, de aceitar o sofrimento? A própria Santa questionou variadas vezes os ordenamentos de Deus em seu coração, como a solicitação de que ela falasse da sua realidade espiritual às superioras que não acreditavam em suas palavras, tinham-na por louca e humilhavam. Além disso, muitas vezes, Santa Faustina escolhe colocar sua própria carne como verdadeiro sacrífico em prol das almas. Mas qual é o sentido da dor?

O sofrimento, por si só, não é um fim e por ele mesmo sequer tem sentido. O sofrimento não é o fim último, não consiste em um objetivo. O sofrimento é instrumento de Salvação. Por este motivo a dor, a angústia da alma, deve ser encarada como possibilidade para enfatizar o fato de que não há garantia alguma no sofrer pelo sofrer. Tomar a própria cruz diariamente é um exercício de alteridade e o Outro a quem destinamos nossos esforços é Jesus. Santa Faustina compreendeu com excelência a relação existente entre o sofrimento e a graça, pois já que não somos filhos deste mundo, os fragmentos do céu que aqui recebemos se despejam sobre nós com sacrifício.

Assim, ao invés de mergulharmos na dor que o intensifica, devemos nos questionar sobre o que é possível receber após este momento que encobre um bem para o qual ainda não estávamos preparados.

“Embora entre tormentos, repete: seja feita a Vossa vontade; aguarda com paciência o momento em que será transformada, porque, mesmo entre as trevas mais escuras, sente Jesus que diz: Sois minha, e tudo conhecerá em plenitude quando cair o véu”. (Diário 995)

Que véu é este senão o sofrimento? Somente compreendido podemos seguir… “Siga-me”. Seguir é verbo, é imperativo, é ordenamento de ação. Se num primeiro momento o sofrimento nos paralisa na caminhada espiritual, após a compreensão do pedido de Cristo somos impelidos a ir além.

Peçamos a Deus, pela intercessão de Santa Faustina, que aniversaria no dia 25 de agosto, que o sofrimento se torna Páscoa constante em nossas vidas: Jesus, eu confio em vós. Confio no Oceano da Misericórdia. Amém.


Texto de Pe. Ednilson de Jesus, MIC – extraído da Revista Divina Misericórdia – edição 061 (julho/agosto  – 2018), págs 12 a 16.