Bem-aventurado Jorge Matulaitis-Matulewicz e a Divina Misericórdia

Muito antes das revelações de Santa Faustina a respeito da Misericórdia Divina, a Congregação dos Padres Marianos vivia a espiritualidade da Misericórdia. Tanto o Padre Fundador da Congregação, Estanislau Papczyński, como o Padre Renovador da Congregação, Jorge Matulewicz, viviam e praticavam obras de Misericórdia. O que eles faziam? Vamos conhecer em detalhes essa história repleta de misericórdia!

Renovador

Apóstolo da Divina Misericórdia.

Em 8 de setembro de 1908, um sacerdote de 37 anos ‒ o professor Jerzy (Jorge) Matulaitis ‒ tomou uma decisão importante na vida. Em uma carta dirigida ao Padre Vicente Sekowski, MIC (último Superior Geral dos Marianos e, ao mesmo tempo, último sobrevivente dessa Congregação condenada à extinção pelas autoridades czaristas), pediu a sua admissão nessa Congregação, escrevendo: “Por muito tempo sinto o desejo de uma vida perfeita. […] Agora que no nosso país volta a existir maior liberdade e renascem as congregações religiosas, gostaria de realizar esse desejo e, em particular, gostaria de ingressar na Congregação dos Padres Marianos. […] Comecei a escrever esta carta ontem, dia em que nas nossas terras celebramos a Festa da Natividade da Santíssima Virgem. Tenho a esperança de que Maria conseguirá junto de Deus a graça do renascimento dos Marianos”.

Esse pedido de admissão à Ordem, o Padre Matulaitis justificou com as seguintes razões: “há muito tempo sinto o desejo de uma vida mais perfeita e não quero abandonar a Igreja do nosso país ‘onde há muito trabalho e os trabalhadores são poucos'”. Alimentava o desejo de vestir o hábito dos Marianos, como também o de congregar consigo outros candidatos para o mesmo Instituto, para que, por meio da educação e experiência (um dos candidatos que desejava ingressar nos Marianos é doutor em teologia e professor de Academia Eclesiástica de São Petersburgo), a Congregação não se perdesse e “desde já pudesse ficar em pé”. Desejava salvar e renovar essa e não outra Congregação, por isso depositava a sua confiança nas mãos de Nossa Senhora. “Espero que com a ajuda da Santíssima Mãe de Deus consigamos de Deus o que suplicamos” ‒ escreve o Padre Matulaitis, pedindo na mesma carta uma cópia das “Regras de Vida” dos Marianos.

O conteúdo dessa carta é prova de que o Bem-Aventurado Jorge recebeu de Deus o carisma mariano e misericordioso que tiveram desde o início os membros dessa família religiosa. Educado na paróquia dos Marianos em Mariampol, Lituânia, Jorge Matulaitis desejava alcançar a perfeição da vida cristã vivendo a espiritualidade mariana e misericordiosa da qual se nutriram os Marianos em mais de 300 anos de existência.

A Ordem dos Padres Marianos da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria, fundada na Polônia, em 1673, pelo Bem-Aventurado Estanislau Papczynski, desde a sua fundação foi chamada de Instituto de misericórdia extraordinária. Em uma carta dirigida à Santa Sé, o Bispo Stefan Wierzbowski elogia esse Instituto por causa da “especial misericórdia praticada para com os vivos e para com os mortos”. O principal carisma deixado pelo Fundador para a Ordem dos Marianos é a especial honra e predileção dado ao mistério da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria ‒ como sendo a grande obra do Deus misericordioso tanto para Maria como para toda a Humanidade –, seguido do carisma da compaixão e preocupação com a salvação das almas daqueles que morreram de morte violenta durante as guerras ou incêndios, daqueles que tombaram nos campos de batalha ou em consequência de pestes e enfermidades. Misericórdia para com as almas que sofrem no purgatório, manifestada pelas orações e diferentes tipos de sacrifícios espirituais; misericórdia para com aqueles que peregrinam na terra, manifestada na preocupação com a salvação deles, prestando assistência necessária diante de toda forma de pobreza ‒ compõem há mais de três séculos, o específico apostolado dos Marianos, exercido sob a orientação de Nossa Senhora Imaculada.

Nessa Ordem desejava ingressar o Bem-Aventurado Jorge, guiado principalmente por motivos de misericórdia. Ele sofria muito porque não podia suportar a ideia de que, passando mais um ou dois anos, com a morte do último Superior Geral, Padre Vicente Sekowski, a Ordem dos Padres Marianos deixasse de existir. Em 1909, viajou para Roma, estando em posse de uma carta de recomendação do último Superior Geral dos Marianos. Em Roma, Padre Jorge Matulaitis recebeu autorização da Santa Sé para renovar a Ordem dos Marianos por meio de uma Congregação Religiosa clandestina que não mais usaria o hábito religioso ‒ para não chamar a atenção das autoridades czaristas locais.

No dia 29 de agosto de 1909, em Varsóvia, o Bem-Aventurado Jorge fez a sua primeira profissão religiosa por um ano. E no mesmo dia ingressou para o noviciado o seu amigo, Padre Franciszek Bucys, doutor em teologia e professor na Academia Teológica de São Petersburgo. No ano seguinte, o Papa Pio X aprovou as Novas Constituições dos Marianos redigidas pelo Bem-Aventurado Jorge. Em 1911, morreu o Padre Vicente Sekowski, último Superior Geral da Ordem dos Marianos, e o Padre Jorge Matulewicz tornou-se o Novo Superior Geral. Pode-se assim dizer que, por meio da decisão tomada na festividade da Natividade de Nossa Senhora, Deus fez um milagre da sua misericórdia, salvando a Congregação dos Padres Marianos da extinção ‒ literalmente nos últimos momentos.

O carisma da misericórdia sob o cuidado e orientação da Santa Padroeira da Congregação, a Imaculada Conceição, trazia frutos muito abundantes na vida do Bem-Aventurado Jorge. Praticou esse carisma por meio de cuidados especiais prestados aos seminaristas de Kielce, aos noviços da Congregação dos Marianos e aos sacerdotes que estudavam em São Petersburgo e Freiburg, especialmente através do Sacramento da Misericórdia (confissão) exercido com dedicação e bondade segundo o Coração de Cristo, como também através da direção espiritual para muitas pessoas leigas que buscavam a perfeição e a santidade. Praticou esse carisma também por meio de uma atenção especial dada aos trabalhadores em Varsóvia, quando, juntamente com o Padre M. Godlewski, fundou a Associação dos Trabalhadores Cristãos.

Quando as condições permitiram (após a expulsão dos russos e ocupação de Varsóvia pelos alemães), o Bem-Aventurado Jorge deu início à outra obra de misericórdia ‒ um orfanato para 200 crianças ‒ no antigo mosteiro fundado pelos Marianos, em Varsóvia, no ano de 1905, onde é hoje a Universidade Cardeal Stefan Wyszynski. Seguiu-se a essa uma segunda instituição educacional fundada na rua Wileńska, em Varsóvia-Praga.

Organizou também a assistência aos deficientes, vítimas da guerra. Pessoalmente se preocupava com a alimentação dos seus protegidos. Andando a pé ou dirigindo pessoalmente uma carroça percorria vários quilômetros, desde o bairro Bielany até o centro de Varsóvia. Visitava o bairro distante chamado Praga e até se arriscava a ir ao povoado de Chyliczeki, perto da cidade de Góra Kalwaria (Monte Calvário), a fim de adquirir alimentos ou conseguir roupas e outros mantimentos para os meninos, seus protegidos. Preocupava-se com a educação e formação cristã deles, sobretudo com a formação religiosa daqueles que ingressavam na Congregação dos Marianos.

Em 1918, quando visitava um antigo mosteiro dos Marianos na cidade de Mariampol (Lituânia), recebeu a notícia de que tinha sido apresentado como candidato para ser futuro bispo da cidade de Wilno (Lituânia). Em Wilno, a guerra ainda estava acontecendo e os antigos conflitos nacionais continuavam, por isso o Bem-Aventurado Jorge pedia às pessoas influentes daquela região que não apoiassem a sua candidatura, porque ele queria dedicar-se totalmente apenas ao cuidado da Congregação dos Padres Marianos. Mas quando recebeu, vindo do Papa Bento XV, a nomeação para Bispo de Wilno, no espírito de obediência aceitou. Escolheu como lema do brasão episcopal as palavras de São Paulo: Vencer o mal com o bem(Rm 12, 21).

Ele não só acreditava, mas também provou por meio das obras e dos gestos que o amor misericordioso ‒ que sempre se inclina para ajudar o homem sofrido por causa da pobreza material ou espiritual ‒ é maior do que o mal, por isso é vitorioso.

Como Bispo de Wilno, buscou ser “tudo para todos”, especialmente junto das nações que se encontravam em guerra. Levava a ajuda misericordiosa para todos ‒ sem levar em conta nacionalidade, religião, posição política ou status social. Trabalhando entre os poloneses, lituanos, judeus, bielorrussos e demais nacionalidades, a todos protegia e defendia contra o ódio, a perseguição e a injustiça racial. Como prova disso apresentamos aqui o pronunciamento do Bispo Matulewicz dirigido a um grupo de poloneses que, em 1919, distribuiam alimentos na cidade de Wilno: “Senhores, vocês podem punir os judeus, ignorando-os na distribuição dos alimentos, mas isso é problema vosso; para mim, como bispo, isso não procede. Vocês também não podem excluir, na distribuição dos alimentos, os chamados ‘progressistas’. Cada homem faminto merece compaixão e vocês devem socorrê-los, não levando em consideração nem a sua crença, nem a sua nacionalidade”.

A Imaculada Mãe de Misericórdia foi, desde os primeiros anos, a Protetora do Bem-Aventurado Jorge, quem, muito cedo, havia perdido a mãe e, com a idade de 10 anos, também perdera o pai. Refugiou-se sob a proteção de Maria ‒ em sua orfandade; para enfrentar a doença que o acompanhou ao longo da vida (tuberculose dos ossos); no seminário diocesano e no Sacerdócio, particularmente durante a formação da Congregação dos Marianos ‒ salvando-a da extinção; quando exerceu a função de Bispo em Wilno e de Arcebispo Visitador Apostólico da Lituânia. Frequentemente, com um rosário na mão, especialmente nas situações de perigo iminente para si, para a Congregação dos Marianos ou para a diocese de Wilno, recorria aos cuidados de Nossa Senhora ‒ Mãe de Misericórdia, de Ostra Brama. Aos cuidados da Mãe de Misericórdia, no dia do seu ingresso solene na catedral, consagrou a diocese de Wilno, pronunciando as seguintes palavras: “Bem-Aventurada Imaculada Mãe de Deus, que brilhais em Ostra Brama, defendei-nos e protegei-nos. A Ti confio e recomento a mim mesmo e o meu rebanho. Faça com que a guerra termine e aconteça a paz. Peço que desapareça o ódio e reine o Amor de Cristo em todo o mundo. Reconcilie-nos com o Teu Filho, para que todos possamos glorificá-Lo no Céu. Amém“.

O Bem-Aventurado Jorge reforçou o misericordioso apostolado dos Marianos para com a salvação das almas do purgatório ligando-o com mais força à espiritualidade mariana. E na Instrução Subsidium defunctorum, escrita por ele, recomendou que todas as indulgências e méritos alcançados de Cristo com os sacríficios e boas obras  dos membros da Congregação dos Padres Marianos fossem aplicados na salvação das almas do purgatório, por meio da mediação da Imaculada Mãe que, segundo a sua prudência, melhor sabe distribuí-los para com aqueles que mais precisam.

Em 1993, o grande Papa da Misericórdia, João Paulo II, dirigindo-se aos Padres Marianos reunidos em Roma para o Capítulo Geral, deu-lhes esta ordem: “Sede, pois, apóstolos da Divina Misericórdia sob a amorosa orientação materna de Maria”. Foi uma leitura brilhante e profética da essência do carisma da Congregação dos Padres Marianos e, ao mesmo tempo, um envio da Congregação, para que, com um novo vigor, siga multiplicando esse Dom para o bem da Igreja. Dom que, desde o início, esteve presente na Ordem e depois na Congregação. O exemplo eminente do Bem-Aventurado Jorge Matulewicz, que munido do carisma da misericórdia sob o cuidado e orientação da Imaculada Conceição “que brilha em Ostra Brama”  confessava, pregava e praticava a misericórdia, trouxe e segue trazendo grandes frutos para a Igreja.

Elżbieta Matulaitis
tradução de Padre André Lach, MIC