Foi o próprio Jesus Cristo quem exigiu, através de Santa Margarida Maria, o estabelecimento da festa anual do Sagrado Coração. Em Sua quarta grande aparição a ela, em 1675, disse-lhe:
“Contempla este Coração, que tem amado os homens a ponto de nada poupar e até a exaurir-se e consumir-se para lhes mostrar o seu amor. E em troca recebo da maioria dos homens apenas a ingratidão, pelas suas irreverências e sacrilégios, pela frieza e pelo desprezo que Me demonstram neste Sacramento do amor… Esse é o motivo por que peço que a primeira sexta-feira depois da oitava de Corpus Christi seja comemorada como uma festa especial em honra do Meu Coração, e que nesse dia a Comunhão seja oferecida como um especial ato de reparação pelas indignidades cometidas. Prometo que o Meu Coração derramará com abundância o poder do seu amor sobre aqueles que lhe tributarem… honra”.[1]
Devemos notar aqui que o Senhor Jesus foi bem específico em desejar que essa festa seja um ato especial de “reparação”, em outras palavras, com base nos méritos de Cristo, uma especial retribuição e oferta de amor a Ele para compensar a rejeição e traição ao seu amor provocada pelos nossos pecados. Portanto, da mesma forma que as tradicionais imagens do Sagrado Coração, a festa é um apelo especial do ferido Coração de Jesus para “retribuir o amor com amor”: para amá-Lo novamente, em reparação por tudo que o Seu Coração tem sofrido pelos pecados dos homens e das mulheres ingratos.
No entanto, a festa litúrgica da Divina Misericórdia, que o Vaticano já aprovou para as dioceses da Polônia [na verdade, desde o ano 2000 para toda a Igreja[2]], é uma festa do Coração de Jesus com um foco diferente. É comemorada no domingo depois da Páscoa, que é a oitava da Páscoa. Como sabemos das Constituições Apostólicas e dos escritos de Santo Agostinho e São Gregório de Nazianzo, esse dia tem sido sempre comemorado pela Igreja antiga como uma festa especial.[3] Era conhecido como o “Domingo branco” (Dominica in albis), porque os recém-batizados na Páscoa usavam então as suas vestes batismais durante todo esse dia.
Santo Agostinho chamada toda a oitava de “dias de misericórdia e de perdão”, e o domingo, “a epítome dos dias da misericórdia”. Agora restaurada como o “Domingo da Misericórdia”, essa festa capacita a Igreja a celebrar o misericordioso amor de Jesus Cristo que brota do Seu Sagrado Coração, e que está por detrás de todos os atos que empreendeu pela nossa salvação. Como o Papa João Paulo II disse no seu discurso Regina Caeli no Domingo da Misericórdia de 1995, “toda a oitava da Páscoa é como que um único dia”, e o domingo da Oitava deve ser o dia de “ação de graças pela bondade que Deus tem demonstrado ao homem em todo o mistério pascal”.
De fato, Jesus ensinou a Santa Faustina que a própria Festa é um dom do Seu Misericordioso Coração para a Igreja. No seu livro Necessidade especial de misericórdia, o Pe. George Kosicki mostra que, da mesma forma que os raios da misericórdia na imagem, também a Festa brota do Misericordioso Coração de Jesus:
“O Misericordioso Coração de Jesus como um elemento unificador da devoção à Divina Misericórdia tem uma fascinante relação com a Festa da Divina Misericórdia solicitada. Nosso Senhor disse à Santa Faustina: “Essa Festa saiu do mais íntimo da Minha misericórdia e está aprovada nas profundezas da Minha compaixão” (Diário, 420). A palavra polonesa aqui traduzida por “profundezas” corresponde literalmente aos “órgãos internos” ou às “entranhas”. Essa é a mesma palavra que é utilizada por nosso Senhor para descrever a fonte dos raios da Sua misericórdia que brotam do Seu traspassado Coração: “Ambos os raios jorraram das entranhas da Minha misericórdia, quando, na cruz, o Meu Coração agonizante foi aberto pela lança” (Diário, 299). A fonte da misericórdia e dos raios da misericórdia é a mesma – o traspassado Coração de Jesus, as entranhas da Sua misericórdia”.[4]
Parece haver no calendário litúrgico uma grande necessidade da Festa da Misericórdia, que deve ser, como afirmou Santo Agostinho, “um epítome… da misericórdia”: uma festa que celebra não apenas um acontecimento especial na história da redenção (por exemplo Natal, quinta-feira Santa, Páscoa ou Pentecostes), mas o misericordioso amor de Jesus Cristo que está por trás de todos eles e se expressa em todos eles. Se nosso Senhor pretende que a Festa da Misericórdia seja essa espécie de “epítome” ou sumário, uma celebração do amor misericordioso por trás de todos os Seus atos de salvação, não é de admirar que tenha prometido os mais extraordinários benefícios espirituais para aqueles que se preparam para essa festa fazendo uma boa confissão e que O recebem com verdadeira devoção nesse dia. Como Ele mesmo disse à Santa Faustina:
“Desejo que a Festa da Misericórdia seja refúgio e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores. Nesse dia estão abertas as entranhas da Minha misericórdia. Derramo todo um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha misericórdia. (…) A Festa da Misericórdia saiu das Minhas entranhas. Desejo que seja celebrada solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa” (Diário, 6.99).
“…aquele que nesse dia se aproximar da Fonte da Vida alcançará o perdão total das culpas e das penas” (Diário, 699).
Em síntese, no calendário litúrgico existe espaço tanto para a Festa do Sagrado Coração como para a Festa da Divina Misericórdia. A Festa do Sagrado Coração de Jesus pretendia ser um dia de amorosa reparação ao Seu Coração, enquanto que a Festa da Misericórdia deve ser uma celebração de todo o amor misericordioso que brota desse Sagrado Coração para nós. Ambas as festas são necessárias, e ambas foram pedidas pelo próprio Jesus.
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Capítulo do livro “Jesus, misericórdia encarnada”, de autoria de Robert Stackpole.
Este foi o quinto texto da série que reflete sobre a proximidade das devoções do Sagrado Coração e da Divina Misericórdia.
Leia também os outros textos desta série
Para ler o primeiro texto desta série “O Sagrado Coração de Jesus e a Divina Misericórdia”, clique aqui!
Para ler o segundo texto “O Sagrado Coração e a Divina Misericórdia são inseparáveis”, clique aqui!
Para ler o terceiro texto “O Sagrado Coração transborda de amor misericordioso para conosco”, clique aqui!
Para ler o quarto texto “A devoção ao Sagrado Coração facilmente se mescla com a devoção à Divina Misericórdia”, clique aqui!
Para ler o sexto texto “A proximidade dos atos devocionais do Sagrado Coração de Jesus e a Divina Misericórdia, clique aqui!
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[1]Williams, The Sacred Heart, p.116-117.
[2] São João Paulo II instituiu o Domingo da Misericórdia (ou seja, a Festa da Misericórdia) no calendário litúrgico da Igreja em 30 de abril do ano 2000, na mesma ocasião em que canonizou santa Faustina Kowalska.
[3]Veja Jean Danielou SJ, The Biblie and the Liturgy.
[4]George W. Kosicki CSB, SpecialUrgencyofMercy: WhySister Faustina?(Stockbridge: Marian Helpers, 1990), p. 90.w