No mês de junho, dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, vamos conhecer as particularidades que unem essa devoção às mensagens da Divina Misericórdia. Ao todo publicaremos 6 textos que aprofundarão seu conhecimento e sua experiência no amor misericordioso do Senhor. Vamos, hoje, ao primeiro texto!

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“Meu Coração está repleto de grande misericórdia para com as almas, e especialmente para com os pobres pecadores. Oh, se pudessem compreender que Eu sou para eles o melhor Pai, que por eles jorrou do Meu Coração o Sangue e a Água como de uma fonte transbordante de misericórdia” (Diário de Santa Faustina, 367).

De acordo com os papas dos últimos cem anos, não existe devoção mais importante para a vida da Igreja do que a devoção ao Coração de Jesus. Por exemplo, em 1899 o Papa Leão XIII, no que chamou de “maior ato do meu pontificado”, consagrou o mundo inteiro ao Sagrado Coração no limiar do novo século, e escreveu a respeito do Sagrado Coração como “o símbolo e a imagem sensível do infinito amor de Jesus Cristo”. Em 1928, na sua encíclica Miserentissimus Redemptor, o Papa Pio XI ensinava que a devoção ao Coração de Jesus é o “sumário da nossa religião”, e que, se praticada, “com toda a certeza nos levará a conhecer intimamente Jesus Cristo e fará com que os nossos corações O amem mais ternamente e O imitem mais generosamente”. E em 1956, em sua famosa encíclica sobre o Sagrado Coração Haurietis Aquas, o Papa Pio XII foi até mais efusivo que seus predecessores no louvor dessa devoção:

“É absolutamente impossível enumerar os dons celestes que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem derramado nas almas dos fiéis, purificando-os, oferecendo-lhes vigor celestial, despertando-os à conquista de todas as virtudes”.

“Consequentemente, a honra prestada ao Sagrado Coração é tal que a eleva – no que diz respeito à prática externa – ao nível da mais elevada expressão da piedade cristã. Porque essa é a religião de Jesus, que está centrada no Mediador que é homem e Deus, e de tal forma que não podemos alcançar o Coração de Deus a não ser através do Coração de Jesus”.

Depois do Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI pleiteou que a Igreja não esquecesse a devoção ao Sagrado Coração. Em sua carta apostólica de 1965 Investigabiles divitias Christi, ele escreveu:

“Esse, portanto, parece-nos ser o ideal mais adequado: que a devoção ao Sagrado Coração – que, aflige-nos dizer, tem sofrido um pouco na estima de algumas pessoas – agora refloresça diariamente cada vez mais. Que seja apreciada por todos como uma excelente e aceitável forma de verdadeira piedade”.

Numa carta circular aos chefes das ordens religiosas, Paulo VI foi ainda mais enfático:

“Assim, é absolutamente necessário que os fiéis venerem e honrem esse Coração, na expressão da sua piedade particular bem como nos serviços do culto público, em razão de toda a sua plenitude que todos temos recebido; e devem aprender perfeitamente Dele como devem viver para corresponder às exigências do nosso tempo”.

Finalmente, em 1994, o novo Catecismo da Igreja Católica, promulgado pelo Papa João Paulo II, contém a seguinte afirmação digna de nota a respeito da importância do símbolo do Coração de Jesus:

“o Sagrado Coração de Jesus, trespassado pelos nossos pecados e para nossa salvação (…)  é considerado sinal e símbolo por excelência… daquele amor com que o divino Redentor ama sem cessar o eterno Pai e todos os homens” (CIC 478).

Não precisamos insistir no assunto. É suficiente dizer que há mais de um século os sucessores de São Pedro têm repetidamente exortado os fiéis a honrar o Coração de Jesus e a praticar essa devoção com amor e zelo.

Os papas têm boa razão para essa recomendação, visto que a devoção ao Coração de Jesus tem uma linhagem impressionante. Está enraizada nos Evangelhos, no apelo de nosso Senhor: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas” (Mt 11,28-29). E novamente nosso Senhor exclamou na Festa da Tendas: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba… como diz a Escritura: de seu seio jorrarão rios de água viva” (Jo 7,37-38). No Coração de Jesus, portanto, podemos encontrar descanso para a fadiga da nossa alma e refrigério para a sede da nossa alma. Tudo isso se tornou manifesto na Cruz, quando o Seu lado foi aberto pela lança e do Seu Coração jorraram torrentes de água e sangue (cf. Jo 19,34), que simbolizam todas as graças do Batismo e da Eucaristia.

Muitos grandes santos tiveram uma devoção especial ao Coração de Jesus, entre os quais São Bernardo de Claraval, Santo Alberto Magno, São Boaventura, São Leodegário, Santa Gertrudes, São Pedro Canísio, São Francisco de Sales, São João Eudes, São Cláudio de La Colombiere, Santo Afonso Ligório, Santa Madalena Sofia Barat e Santa Margarida Maria Alacoque, por volta de 1670. A ela o Jesus glorificado revelou Seu terno e ardente amor pelas almas, e através dela pediu que fosse estabelecida a festa litúrgica anual do Sagrado Coração, bem como devocionais tais como a Hora Santa, a Comunhão das primeiras sextas-feiras e a veneração da imagem do Seu amoroso Coração. Através desses meios, nosso Senhor buscava reacender o fogo do amor nos corações dos fiéis, num mundo moderno em que os corações de muitos se tornavam frios.

Por isso, baseada na Escritura, o deleite de muitos santos, e em razão do mais elevado apoio dos papas muitas vezes repetido, torna-se claro que a devoção ao Coração de Jesus – especialmente ao Coração vivo de Jesus na Eucaristia – é essencial para a vida e a saúde espiritual da Igreja Católica. Mais simplesmente: um corpo vivo necessita de um coração vivo, e a Igreja, o Corpo de Cristo, tem o seu próprio coração vivo; foi-nos dado o Coração de Jesus Cristo, Cabeça do Corpo, da mesma forma que Coração nosso, a fonte viva de todo o nosso alívio e da nossa paz interior.

No século XX, contudo, de dentro do coração da nação polonesa, nosso Senhor derramou mais uma corrente estimulante de devoção na Sua Igreja, que começou quando uma simples religiosa polonesa, Irmã Faustina Kowalska (1905-1938), com um modesto grau de instrução, escreveu um diário que foi reconhecido como digno de ser incluído “entre as mais notáveis obras da literatura mística”.[1] Agora declarada “Santa”, Faustina foi chamada pelo Papa João Paulo II de “a grande apóstola da Divina Misericórdia nos nossos tempos”.[2] Em Santa Faustina encontramos uma alma piedosa inteiramente devotada ao Coração de Jesus, mas de uma forma diferente. Como ela registrou em seu diário:

“E elevou-me a uma união tão estreita com Ele que o meu coração desposou o Seu Coração de ma­neira amorosa. Eu sentia as Suas mais leves pulsações; e Ele, as mi­nhas. O fogo do meu amor criado foi unido com o calor do Seu amor eterno” (Diário 1056).

“Meu Jesus, envolvei-me toda, a fim de que possa ser Vossa imagem durante toda a minha vida. Divinizai-me, para que os meus atos tenham valor sobrenatural. Fazei com que eu tenha, para com todas as almas sem exceção, amor, compaixão e misericórdia. Ó meu Jesus, cada um de Vos­sos santos reflete em si uma das Vossas virtudes; eu desejo refletir o Vos­so Coração compassivo e cheio de misericórdia, quero glorificá-Lo. Que a Vossa misericórdia, Jesus, fique gravada no meu coração e na minha alma como um selo, e isso será o meu sinal distintivo nesta e na outra vida” (Diário 1242).

Em diversas ocasiões, o próprio Cristo enfatizou que Seu Coração é a fonte da Divina Misericórdia para o mundo:

“Fica sabendo, Minha filha, que o Meu Coração é a própria Misericórdia. Desse mar de misericórdia, derramam-se graças pelo mundo todo. Nenhuma alma que de Mim se tenha aproximado, saiu sem consolo. Toda a miséria submerge na Minha misericórdia, e toda graça brota dessa fonte salvífica e santificante” (Diário 1777).

Num outro trecho do seu diário, Santa Faustina derramou a sua alma em adoração ao Coração vivo de Jesus na Eucaristia:

“Hóstia viva, minha única força, fonte de amor e de misericórdia, envolvei o mundo todo, fortalecei as almas que desfalecem. Oh, seja bendita a hora e o momento em que Jesus deixou para nós o Seu misericordiosíssimo Coração” (Diário 223).

Quadro de Santa FaustinaSem dúvida, para Santa Faustina o centro de sua vida, seu primeiro amor, era o Misericordioso Coração de Jesus. Sua devoção era ao Sagrado Coração, mas focalizada no misericordioso amor que flui para nós do Seu Coração.

Da mesma forma que na devoção tradicional ao Sagrado Coração, nosso Senhor forneceu a Santa Faustina novas formas com que o Seu Misericordioso Coração devia ser honrado, e novos vasos para uma renovada efusão da Sua graça: a Imagem da Divina Misericórdia, novas orações, tais como o Terço da Misericórdia e as orações para a Hora da Misericórdia das três horas e, naturalmente, uma nova festa para a Igreja Católica (a Festa da Divina Misericórdia, proposta para o segundo domingo de Páscoa).

De fato, tudo isso recebeu o explícito apoio e estímulo do Papa João Paulo II no seu discurso junto ao túmulo de Santa Faustina em Cracóvia, no verão de 1997.[3] As suas observações naquela ocasião ressoaram amplamente, como as palavras que pronunciou na beatificação de Irmã Faustina em Roma, no dia 18 de abril de 1993:

“Sua missão continua e está produzindo frutos surpreendentes. É realmente maravilhoso como a sua devoção ao Jesus Misericordioso está se propagando no nosso mundo contemporâneo e conquistando tantos corações humanos! Isso é sem dúvida um sinal dos tempos – um sinal do nosso século XX. O balanço deste século que agora está terminando… apresenta uma profunda inquietação e temor do futuro. Onde, senão na Divina Misericórdia, pode o mundo encontrar o refúgio e a luz da esperança? Os crentes compreendem isso perfeitamente”.

E agora, tudo isso conduz a uma pergunta óbvia: qual é a relação apropriada entre essas duas devoções, essas duas correntes da espiritualidade do Coração dentro da Igreja, a saber, a devoção ao Sagrado Coração e a devoção à Divina Misericórdia? Estão elas em rivalidade em busca da lealdade dos fiéis? Existe na Igreja espaço para ambas? Exista na Igreja necessidade de ambas?

Por um lado, alguns católicos parecem sentir que a devoção ao Sagrado Coração é suficiente; não existe a necessidade dessa nova devoção, afirmam eles, porque ela em grande parte repete o que já nos tem sido dado na tradição do Sagrado Coração. No outro extremo, alguns católicos parecem sentir que não existe mais a necessidade da tradicional devoção ao Sagrado Coração; agora que temos a versão “nova e melhorada”, por assim dizer, na devoção à Divina Misericórdia e ao Misericordioso Coração de Jesus, podemos deixar simplesmente que as antigas tradições do Sagrado Coração, tais como as Comunhões das primeiras sextas-feiras e as imagens do Sagrado Coração, desapareçam suavemente e sejam esquecidas.

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Capítulo do livro “Jesus, misericórdia encarnada”, de autoria de Robert Stackpole.

Leia também os outros textos desta série

Para ler o segundo texto “O Sagrado Coração e a Divina Misericórdia são inseparáveis”, clique!

Para ler o terceiro texto “O Sagrado Coração transborda de amor misericordioso para conosco”, clique aqui!

Para ler o quarto texto “A devoção ao Sagrado Coração facilmente se mescla com a devoção à Divina Misericórdia”, clique aqui!

Para ler o quinto texto “As festas litúrgicas da Divina Misericórdia e do Sagrado Coração de Jesus”, clique aqui!

Para ler o sexto texto “A proximidade dos atos devocionais do Sagrado Coração de Jesus e a Divina Misericórdia, clique aqui!

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[1] Ofício de leituras para a bem-aventura Faustina Kowalska, 5 de outubro, na Liturgia das Horas.

[2] Papa João Paulo II, discurso de Regina Caeli, 10 de abril de 1994

[3]Papa João Paulo II, “Discurso no Santuário da Divina Misericórdia”, de Cracóvia- Polônia.

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