Precisamos buscar compreender, teologicamente, porque se diz que a Divina Misericórdia e o Sagrado Coração são inseparáveis.

Basicamente, existe uma resposta curta e uma resposta longa para essa pergunta. A resposta curta é: Jesus tem apenas um Coração! Seu Sagrado Coração é o Seu Misericordioso Coração – que são uma e a mesma coisa. O Sagrado Coração transborda de amor misericordioso para conosco, e essa é a razão por que, ao menos em princípio, essas duas devoções são inseparáveis.[1]

A resposta longa a essa pergunta, contudo, faz-nos voltar aos fundamentos da teologia do Coração de Jesus.

O coração humano é o símbolo do mais profundo mistério de uma pessoa. Quando falamos do coração de alguém, estamos falando a respeito do que realmente “o faz pulsar”: o que a pessoa realmente pensa, sente e deseja no mais íntimo do seu ser. Como a Catecismo nos diz:

“O coração é o nosso centro oculto, fora do alcance da nossa razão e da dos outros; somente o Espírito de Deus pode penetrar o coração humano e conhece-lo plenamente” (CIC 2563).

Novamente, o nosso coração é o mais profundo mistério da nossa pessoa; é o nosso “centro oculto”, de onde procede a maior parte do que pensamos, fazemos e dizemos.[2]

De acordo com a Bíblia, algumas pessoas têm o coração frio, e outras, o coração duro; essas pessoas têm corações de “pedra” (p. ex. Ez 11,19). O mistério do Coração de Jesus, no entanto, tem sido revelado a nós através dos Evangelhos e expresso de uma forma bonita nas Suas aparições a Santa Margarida Maria. Não importando o que possamos dizer a respeito dos outros corações humanos, esta pessoa, Jesus de Nazaré, tem um Coração inflamado de amor: amor para com Seu Pai celestial e amor para conosco. Essa é a razão por que Ele mostrou o Seu Coração físico a Santa Margarida Maria como flamejante de fogo, encimado por uma cruz, traspassado e rodeado de espinhos. Todos esses eram evidentes sinais e símbolos de que esse Coração – a pessoa de Jesus Cristo – é amor puro: o Sagrado Coração de Jesus como todo amor e todo digno de amor.

Essa é também a razão por que um dos maiores teólogos do nosso século, o cardeal Luigi Ciappi OP, definiu a devoção ao Sagrado Coração em termos da amorosa pessoa de Jesus Cristo:

“A devoção ao Sagrado Coração nada mais é que a veneração à pessoa de Jesus Cristo, em razão do Seu amor pela humanidade pecadora, simbolizado pelo Coração físico do Redentor”. [3]

A nossa tarefa nessa devoção é tentar retribuir amor com amor: pela graça e pelo fogo do Seu Santo Espírito, retribuir o amor de nosso Senhor em razão do Seu infinito, generoso e terno amor para conosco.

No entanto, existe uma outra maneira de vermos o Sagrado Coração de Jesus. Santa Catarina de Sena expressou isso muito bem na Idade Média, dizendo que o amor de Deus sempre atravessa uma ponte de misericórdia para nos alcançar. Em outras palavras, o Sagrado Coração de Jesus é todo amor, mas a forma que esse amor assume quando alcança os seres humanos é o amor misericordioso. Porque a misericórdia é o amor compassivo; a misericórdia é o amor que procura superar e aliviar todas as misérias dos outros. São Tomás de Aquino definiu a “misericórdia” como a “compaixão que nos impele a fazer o que podemos para ajudar”.

A Divina Misericórdia, portanto, é a forma que o amor de nosso Senhor para conosco assume quando se defronta com a nossa necessidade e a nossa miséria. Qualquer que seja o nome da nossa miséria – pecado, culpa, sofrimento ou morte – o Coração de Jesus está sempre pronto a derramar o Seu amor misericordioso e compassivo para conosco, a nos ajudar na necessidade.

De fato, o amor de Deus para com Suas criaturas sempre assume a forma de amor misericordioso. Conforme lemos nos Salmos:  “Todos os caminhos do Senhor são graça e fidelidade” (Sl 24,10); e novamente:  “O Senhor é bom para com todos, e sua misericórdia se estende a todas as suas obras” (Sl 144,9).

Quando criou o mundo “exnihilo”, portanto, e o sustenta na existência a cada momento, é um ato de amor misericordioso: o Seu amor misericordioso superando o potencial nada, a possível não-existência de todas as coisas. Quando o Divino Filho se tornou encarnado e habitou entre nós, isso também foi um ato de amor misericordioso: Seu amor misericordioso partilhado a nossa sorte, mostrando-nos o caminho ao Pai e fazendo a oferenda perfeita pelos nossos pecados.

Quando envia o Seu Espírito Santo aos nossos corações para nos consolar e santificar, também isso é Seu amor misericordioso: Seu amor misericordioso derramado em nossos corações o poder de crescer na fé, na esperança e no amor, e de Lhe servir com alegria. O Salmo 135 expressa isso muito bem. Ao celebrar todas as obras do Senhor na criação e na redenção, apresenta o constante refrão: “porque o seu amor é para sempre”.

Foi Catarina de Sena [livro O Diálogo] quem resumiu para nós a centralidade do amor misericordioso de Deus:

“Pela Vossa misericórdia fomos criados. E pela Vossa misericórdia fomos criados novamente no sangue do Vosso Filho. É a Vossa misericórdia que nos sustenta…

Vossa misericórdia é vivificante. É a luz na qual tanto os justos como os pecadores descobrem a Vossa bondade. Vossa misericórdia resplandece em Vossos santos no alto do Céu. E se eu me voltar para a terra, Vossa misericórdia está em toda a parte. Mesmo na escuridão do inferno a Vossa misericórdia resplandece, porque não punis os condenados tanto quanto merecem.

Vós mitigais a Vossa justiça com a misericórdia. Na misericórdia nos purificastes no sangue; na misericórdia permanecestes com as Vossas criaturas. Ó insensato amante! Não foi suficiente para Vós assumir a nossa humanidade: também tiveste de morrer! E nem a morte foi suficiente: descestes às profundezas para chamar os nossos santos ancestrais e cumprir a Vossa verdade e misericórdia sobre eles…

Vejo a Vossa misericórdia impelindo-Vos a dar-nos mais ainda quando permanecestes conosco como alimento para fortalecer a nossa fraqueza… Todos os dias nos dais esse alimento, mostrando-Vos no sacramento do altar dentro do corpo místico da santa Igreja. E o que Vos levou a fazer isso? A Vossa misericórdia.

Ó misericórdia! Meu coração está subjugado pela lembrança de Vós! Porque, para onde quer que volte meus pensamentos, não encontro nada senão misericórdia!”

Podemos sintetizar essa exploração teológica da seguinte forma: o Sagrado Coração de Jesus é perfeitamente amoroso[4] – amor divino, humano e afetuoso – e, portanto, todo digno de amor. Mas, sempre que o amor do Seu Coração nos alcança – sempre que alcança o nosso nada, a nossa miséria, as nossas feridas e as nossas necessidades – esse amor assume a forma de amor misericordioso, compassivo. Portanto, no centro da nossa vida devocional o nosso “primeiro amor” deve ser o Sagrado e Misericordioso Coração de Jesus. O Sagrado Coração transborda de misericórdia e compaixão para conosco – e é isso que torna a devoção ao Coração de Jesus e a devoção à Sua Divina Misericórdia, em princípio, absolutamente inseparáveis.

***

Capítulo do livro “Jesus, misericórdia encarnada”, de autoria de Robert Stackpole.

Este foi o terceiro texto da série que reflete sobre a proximidade das devoções do Sagrado Coração e da Divina Misericórdia.

Leia também os outros textos desta série

Para ler o primeiro texto desta série “O Sagrado Coração de Jesus e a Divina Misericórdia”, clique aqui!

Para ler o segundo texto “O Sagrado Coração e a Divina Misericórdia são inseparáveis”, clique aqui!

Para ler o quarto texto “A devoção ao Sagrado Coração facilmente se mescla com a devoção à Divina Misericórdia”, clique aqui!

Para ler o quinto texto “As festas litúrgicas da Divina Misericórdia e do Sagrado Coração de Jesus”, clique aqui!

Para ler o sexto texto “A proximidade dos atos devocionais do Sagrado Coração de Jesus e a Divina Misericórdia, clique aqui!

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[1]Pe. George W. Kosicki CSB e Vinny Flynn, “Look at My Merciful Heart! Devotion to the Sacred and Merciful Heart of Jesus”.

[2] Cf. Karl Rahner SJ, Theological Investigations.

[3]Luigi Ciappi OP, The Heart of Christi: the centre of the Mystery of Salvation.

[4]Pio XII, Haurietis Aquas, nº 54-57.

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