
“Estou pregado à cruz de Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,19-20).
O sofrimento é um assunto pouco popular, porque tantos de nós não compreendem o seu significado. Nós não gostamos do sofrimento, não o queremos e nem sequer queremos falar a seu respeito. No entanto, ele se encontra no cerne da nossa redenção. Gostemos ou não, a nossa redenção realizou-se na cruz.
A misericórdia que nos é dada não veio com facilidade. Ela se tornou disponível a nós pelo sofrimento redentor de Jesus Cristo, juntamente com os sofrimentos de Santa Faustina e muitos outros como ela, que unem os seus sofrimentos com Jesus em benefício dos outros.
O sofrimento tem um significado e um objetivo
Cristo nos convida a partilharmos a Sua cruz: “Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9,23). Foi-nos dito que “a vós vos é dado não somente crer em Cristo, mas ainda por ele sofrer” (Fl 1,29). São Paulo até chega a alegrar-se porque pelo sofrimento pôde completar o que está faltando nos sofrimentos de Cristo: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24). São Paulo foi capaz de encontrar alegria nos sofrimentos porque sabia que eles têm sentido.
Portanto, qual é o significado do sofrimento para o cristão? O Papa São João Paulo II, na sua Carta Apostólica “O sentido cristão do sofrimento humano”, de 1984, escreveu que Cristo santificou o sofrimento, tornando-o salvífico pelo Seu amor. Agora o Senhor nos convida a participarmos da obra da salvação levando a Sua misericórdia a todos. Como? Oferecendo com amor os nossos sofrimentos, não importa de que tipo ou de que fonte, unindo-os com Cristo pela salvação dos outros.
A obra salvadora de Jesus não está acabada. Ele “necessita” de nós, para cooperarmos na Sua obra de redenção e trazermos a Sua misericórdia a esta geração. Esse tipo de cooperação implica numa participação nos seus sofrimentos, para podermos participar da obra salvífica da misericórdia. Esse é o significado do sofrimento. Ele é salvífico; ele é precioso. Não o desperdicemos!
O que podemos aprender com Santa Faustina
Algumas pessoas são especialmente escolhidas para se tornarem almas vítimas, isto é, almas que de boa vontade e livremente pedem para participar dos sofrimentos de Cristo em benefício dos outros. Trata-se de uma vocação muito especial; nem todos nós somos chamados dessa maneira. Mas nós somos chamados para juntarmos os nossos sofrimentos aos sofrimentos de Cristo na situação em que nos encontramos. E mesmo que os nossos sofrimentos possam ser diferentes, em tipo e intensidade, daquilo que Santa Faustina e outras almas especiais são chamadas a suportar, nós podemos tirar proveito do seu exemplo.
Santa Faustina compreendeu muito bem que estava sendo convidada a uma vida de sacrifício. O convite que lhe fora feito exigia a sua livre aceitação da vontade de Deus, visto que o Senhor sempre respeita a liberdade do indivíduo:
“Surgiu diante dos olhos da minha alma uma visão que era como a de Nosso Senhor no Jardim das Oliveiras. Primeiramente, os sofrimentos físicos e todas as circunstâncias que os agravavam; em seguida os sofrimentos espirituais em toda a sua extensão e ainda aqueles dos quais ninguém saberá. Essa visão englobava tudo: julgamentos injustos, difamações. (…) O meu nome deve ser ‘vítima’. Quando terminou a visão, um suor frio me cobria a testa. Jesus me fez conhecer que, embora eu não concordasse com isso, poderia me salvar sem que diminuíssem as graças que me concedia (…). E o Senhor me deu a conhecer que todo o mistério dependia de mim, da minha voluntária aceitação desse sacrifício com toda a consciência da minha mente. Neste ato voluntário e consciente reside todo o poder e valor diante de Sua majestade inconcebível. Sentia que Deus estava aguardando a minha palavra, o meu consentimento. Então, o meu espírito mergulhou no Senhor e eu disse: ‘Fazei de mim o que Vos aprouver, submeto-me à Vossa vontade’” (Diário, 135 e 136).
Santa Faustina estava perfeitamente consciente de quão precioso era o sofrimento para a salvação das almas. Ela se ofereceu de boa vontade, e até com entusiasmo, como vítima pela salvação dos outros. Através desse oferecimento total de si mesma ela se tornou uma poderosa intercessora e apóstola da misericórdia, especialmente para aqueles que perderam a esperança na misericórdia de Deus, visto que ela era capaz de participar da obra salvadora de Cristo.
Santa Faustina passou por sofrimentos terríveis, causados não apenas pela tuberculose, mas também pelos comentários das suas companheiras de convento:
“Logo depois dos primeiros votos, tive problemas de saúde. Apesar do cordial e zeloso cuidado das superioras e dos médicos, não me sentia nem pior nem melhor; então, começaram a chegar aos meus ouvidos insinuações de que eu estava fingindo. Esse fato redobrou ainda meu sofrimento. Isso perdurou por um bom tempo. Certo dia, queixava-me a Jesus por constituir um peso para as irmãs. Jesus respondeu-me: Não vives para ti mesma, mas para as almas. Dos teus sofrimentos terão proveito outras almas. O teu contínuo sofrimento lhes dará luz e forças para aceitarem a Minha vontade” (Diário, 67).
Ela oferecia todos os seus sofrimentos com um ardente anseio pela salvação das almas:
“Ó Jesus, desejo a salvação das almas, das almas imortais! No sacrifício, darei livre curso ao meu coração — num sacrifício de que ninguém sequer desconfiará, vou arder e ser consumida sem ser notada, nas santas chamas do amor a Deus. A presença de Deus será o auxílio para que o meu sacrifício seja perfeito e puro” (Diário, 235).
Seus sofrimentos não eram oferecidos de uma forma isolada, mas estavam unidos com Cristo crucificado:
“Durante a santa Missa, vi Jesus pregado sobre a Cruz em grandes tormentos. Um imperceptível gemido saía do Seu Coração; a seguir disse: Tenho sede. Estou sedento da salvação das almas. Ajuda-Me, Minha filha, a salvar as almas. Une os teus sofrimentos à Minha Paixão e oferece-os ao Pai Celestial pelos pecadores” (Diário, 1032).
Pelos pecadores, Santa Faustina sofreu as dores das chagas do próprio Cristo:
“Por um bom tempo senti dores nas mãos, nos pés e no lado. Então vi certo pecador que aproveitou os meus sofrimentos e aproximou-se do Senhor. Tudo é pelas almas famintas, para não perecerem de fome” (Diário, 1468).
Quando ela ofereceu um dia da sua vida pelos sacerdotes, foi a pior experiência de sofrimento que teve!
“Ofereci o dia de hoje pelos sacerdotes. Neste dia sofri mais do que em qualquer outro — tanto interior como exteriormente. Eu não sabia que era possível sofrer tanto num só dia. Procurei fazer a Hora Santa, na qual o meu espírito sentiu o amargor do Jardim das Oliveiras. Estou lutando sozinha, sustentada pelo Seu braço, contra todas as dificuldades que se colocam diante de mim como muralhas intransponíveis. No entanto, confio no poder do Seu Nome e nada temo” (Diário, 823).
No decorrer do seu Diário, Santa Faustina escreve sobre sua convivência com o sofrimento, e torna-se claro que o sofrimento redentor pela salvação das almas fazia parte da sua missão. Ela aprendeu que o sofrimento era uma dádiva que Deus lhe havia concedido:
“O sofrimento é uma grande graça. Pelo sofrimento, a alma assemelha-se ao Salvador. No sofrimento, cristaliza-se o amor. Quanto maior o sofrimento, tanto mais puro torna-se o amor” (Diário, 57).
Ela aprendeu a aceitar a alegria e o sofrimento com a mesma disposição:
“Aceito com a mesma disposição, quer a alegria, quer o sofrimento, o elogio ou a humilhação, pois não esqueço que uns e outros são passageiros e não me importa o que falam de mim. Já há muito tempo renunciei a tudo que se refere à minha pessoa. Meu nome é hóstia, ou sacrifício, não em palavra, mas em ação — no aniquilamento de mim mesma, na configuração Convosco na Cruz, ó bom Jesus e meu Mestre” (Diário, 485).
Ela também aprendeu quanto Deus ama as almas sofredoras:
“Oh, se a alma sofredora soubesse quanto Deus a ama, morreria de alegria e de excesso de felicidade. Conheceremos um dia o valor do sofrimento, mas já estaremos na impossibilidade de sofrer. Nosso é só o momento presente” (Diário, 963).
Finalmente, quando a sua morte estava se aproximando, Santa Faustina ofereceu-se como holocausto pela difusão da mensagem da Misericórdia Divina:
“Hoje novamente me ofereci em sacrifício ao Senhor como holocausto pelos pecadores. Meu Jesus, se já está próximo o fim da minha vida — suplico-Vos humildemente, aceitai a minha morte em união Convosco como uma oferta de holocausto que hoje Vos faço no pleno gozo das minhas faculdades mentais e com toda a consciência, com um tríplice objetivo: Primeiro — para que a obra da Vossa misericórdia se difunda pelo mundo todo e para que a Festa da Misericórdia seja solenemente aprovada e comemorada. Segundo — para que os pecadores, e especialmente as almas agonizantes, recorram à Vossa misericórdia experimentando os inefáveis efeitos dessa misericórdia. Terceiro — para que toda a obra da Vossa misericórdia seja executada de acordo com os Vossos desejos e por certa pessoa que dirige essa obra… Aceitai, Jesus piedosíssimo, esse meu mísero sacrifício, que Vos fiz hoje diante do céu e da terra. Que o Vosso Sacratíssimo Coração, cheio de misericórdia, preencha o que falta nesse sacrifício e o ofereça ao Vosso Pai pela conversão dos pecadores” (Diário, 1680).
Embora nem todos sejamos chamados para sofrer como Santa Faustina sofreu, o sofrimento faz parte da vida de todos nós – todos sofremos de alguma forma. O nosso desafio é fazermos uso desse sofrimento pelos outros, oferecendo com Cristo todos os sofrimentos a que estamos sujeitos, lembrando-nos das palavras de São Paulo: “porque a vós vos é dado não somente crer em Cristo, mas ainda por ele sofrer” (Fl 1,29).
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Capítulo do livro “Agora é tempo de misericórdia”, de Pe. George W. Kosicki, CSB, e Vicent Flynn.
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