Os primeiros contatos de Karol Wojtyła com a mensagem da Misericórdia, comunicada por Jesus à Santa Faustina Kowalska, provavelmente aconteceram em sua juventude, no tempo dos seus estudos no seminário clandestino de Cracóvia (1942-1946). A respeito desse tempo, ele testemunhou na sua última viagem a Polônia, quando consagrou o Santuário da Divina Misericórdia: “Muitas das minhas recordações pessoais se relacionam com este lugar. Eu vinha aqui, sobretudo, durante a ocupação nazista, quando trabalhava no estabelecimento Solvay, situado perto daqui. Ainda hoje me recordo do caminho (…) que eu todos os dias percorria para ir trabalhar nos diversos horários, com os sapatos de madeira nos pés. Eram assim os sapatos naquela época. Como era possível imaginar que aquele homem com sapatos de madeira, um dia teria consagrado a basílica da Misericórdia Divina, em Łagiewniki de Cracóvia?”.
Foi João Paulo II que, em 1967, como cardeal, concluiu o processo informativo para a causa de beatificação da Irmã Faustina. Anos depois, eleito Papa, celebrou a beatificação (1993) e a canonização (2000) dessa religiosa. A ela, na celebração da beatificação, dirigiu a saudação: “Ó Faustina, quão maravilhoso foi o teu caminho! (…) É verdadeiramente maravilhoso o modo pelo qual a sua devoção a Jesus Misericordioso se difunde no mundo contemporâneo e conquista tantos corações humanos!”. E na canonização, olhando para o futuro da Igreja e da humanidade, afirmou: “a luz da misericórdia divina, que o Senhor quis como que entregar de novo ao mundo através do carisma da Irmã Faustina, iluminará o caminho dos homens do terceiro milênio”.
Bento XVI testemunhou, em várias ocasiões, a respeito dessa relação do Pontificado do seu predecessor com o Mistério da Divina Misericórdia: “Como Irmã Faustina, João Paulo II fez-se apóstolo da Misericórdia Divina. (…) A sua mensagem, como a de Santa Faustina, reconduz (…) ao rosto de Cristo, revelação suprema da misericórdia de Deus. Contemplar constantemente esse Rosto: essa é a herança que ele nos deixou, e que nós com alegria acolhemos e fazemos nossa” (Festa da Misericórdia, 2008).
Em outra ocasião, Bento XVI afirmou: “O mistério de amor misericordioso de Deus esteve no centro do pontificado deste meu venerado Predecessor. Recordamos, em particular, a Encíclica Dives in Misericordia, de 1980, e a dedicação do novo Santuário da Divina Misericórdia em Cracóvia, em 2002. As palavras que ele pronunciou nesta última ocasião foram como que uma síntese do seu magistério, evidenciando que o culto da Divina Misericórdia não é uma devoção secundária, mas dimensão integrante da fé e da oração do cristão” (Regina Caele, 23.04.2006).
Misericórdia ‒ minha tarefa primordial
João Paulo II foi eleito papa em 1978 e apenas dois anos depois (1980) ele publicou a encíclica Dives in Misericordia (Deus, Rico em Misericórdia) dedicada exclusivamente à Divina Misericórdia. Nela, ele incentiva os cristãos à confiança na ilimitada Misericórdia Divina: “Em nenhum momento e em nenhum período da história – especialmente numa época tão crítica como a nossa – a Igreja pode esquecer a oração, que é o grito de apelo à Misericórdia de Deus perante as múltiplas formas de mal que pesam sobre a humanidade e a ameaçam… Quanto mais a consciência humana, sucumbindo à secularização, perder o sentido do significado próprio da palavra ‘misericórdia’ e quanto mais, afastando-se de Deus, se afastar do mistério da misericórdia, tanto mais a Igreja terá o direito e o dever de fazer apelo ao Deus da Misericórdia com grande clamor“(DM 15).
No ano seguinte (1981) ao celebrar a solenidade de Cristo Rei, no Santuário do Amor Misericordioso, em Roma, reafirmando a mensagem dessa encíclica, João Paulo II revela: “Desde o princípio do meu ministério na Sé de São Pedro, em Roma, considerava esta mensagem como minha tarefa primordial. A Providência confiou-a a mim na situação contemporânea do homem, da Igreja e do mundo. Poderia também se dizer que precisamente esta situação atribuiu-me como dever essa mensagem, como minha tarefa ante Deus…”.
João Paulo II e a Festa da Misericórdia
A instituição da Festa da Misericórdia para toda a Igreja foi muito aguardado pelos devotos da Divina Misericórdia. A expectativa crescia na medida em que os fiéis em todo o mundo iam tomando consciência de quanto o mundo têm necessidade da misericórdia Divina. Por fim, no Jubileu do ano 2000, João Paulo II pôde solenemente proclamar que o primeiro domingo após a Páscoa “de agora em diante na Igreja inteira tomará o nome de Domingo da Divina Misericórdia” (30.04.2000).
Incluindo oficialmente a Festa da Misericórdia no calendário litúrgico, na mesma data em que canonizou Santa Faustina, João Paulo II nos recorda que nenhum cristão está isento do diálogo de acolhida e partilha da misericórdia: “Cristo ensinou-nos que o homem não só recebe e experimenta a misericórdia de Deus, mas é também chamado a ter misericórdia para com os demais. (…) A Sua mensagem de misericórdia continua a nos alcançar através do gesto de Suas mãos estendidas rumo ao homem que sofre. Foi assim que O viu e testemunhou aos homens de todos os continentes a Irmã Faustina (…) que fez da sua existência um cântico à misericórdia.(…) A canonização da Irmã Faustina tem uma eloquência particular: mediante este ato quero hoje transmitir esta mensagem ao novo milênio. Transmito-a a todos os homens para que aprendam a conhecer sempre melhor o verdadeiro rosto de Deus e o genuíno rosto dos irmãos“.
Sobre essa data histórica e de importância incalculável, testemunhou o Papa Bento XVI: “O servo de Deus João Paulo II estabeleceu que em toda a Igreja o Domingo depois da Páscoa, além de ser Domingo in Albis, fosse denominado também Domingo da Misericórdia Divina. (…) Na realidade a misericórdia é o núcleo da mensagem evangélica, é o próprio nome de Deus, o rosto com o qual Ele se revelou na Antiga Aliança e plenamente em Jesus Cristo, encarnação do Amor criador e redentor. Este amor de misericórdia ilumina também o rosto da Igreja, e manifesta-se quer mediante os Sacramentos, em particular o da Reconciliação, quer com as obras de caridade, comunitárias e individuais. Tudo o que a Igreja diz e realiza, manifesta a misericórdia que Deus sente pelo homem (…). Quando a Igreja deve reafirmar uma verdade menosprezada, ou um bem traído, fá-lo sempre estimulada pelo amor misericordioso (…). Da misericórdia Divina, que pacifica o coração, brota depois a paz autêntica no mundo, a paz entre os povos, culturas e religiões diversas” (Bento XVI, Festa da Misericórdia, 2008).
Sede testemunhas da misericórdia!
Em 17 de agosto de 2002, na mesma ocasião da consagração do Santuário da Misericórdia de Łagiewniki, Cracóvia – Polônia, João Paulo II consagrou o mundo à Divina Misericórdia. Nessa ocasião disse palavras de imensa gravidade que não podemos ignorar: “Quanta necessidade da misericórdia de Deus tem hoje o mundo! Em todos os continentes, do profundo do sofrimento humano, parece que se eleva a invocação da misericórdia. Onde predominam o ódio e a sede de vingança, onde a guerra causa o sofrimento e a morte de inocentes, é necessária a graça da misericórdia para aplacar as mentes e os corações, e para fazer reinar a paz. Onde falta o respeito pela vida e pela dignidade do homem, é necessário o amor misericordioso de Deus, a cuja luz se manifesta o indescritível valor de cada ser humano. É necessária a misericórdia de Deus para fazer com que toda a injustiça no mundo encontre o seu fim no esplendor da verdade… Por isso hoje, neste Santuário, desejo confiar solenemente o mundo à Misericórdia Divina. Faço-o com o desejo ardente de que a mensagem do amor misericordioso de Deus, aqui proclamado por intermédio de Santa Faustina, chegue a todos os ambientes da terra e cumule os seus corações de esperança. Esta mensagem se difunda deste lugar em toda a nossa Pátria e no mundo. (…) É necessário transmitir ao mundo este fogo da misericórdia. Na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz, e o homem a felicidade!“. (…) Confio-vos esta tarefa a vós. Sede testemunhas da misericórdia!”.
Santo Súbito
Não foi sem razão que o Papa João Paulo II morreu precisamente no dia litúrgico do Domingo da Misericórdia. A respeito dessa singular coincidência testemunhou o Papa Bento XVI, em 30.4. 2008: “de fato, o seu longo e multiforme pontificado tem aqui o seu ápice; toda a sua missão ao serviço da verdade sobre Deus e sobre o homem e da paz no mundo resume-se neste anúncio, como ele mesmo disse em Cracóvia-Łagiewniki em 2002: “Fora da misericórdia de Deus não há qualquer outra fonte de esperança para os seres humanos”.
Para a oração do Regina Caeli da Festa da Misericórdia daquele ano (2005) João Paulo II tinha preparado o seu último texto que foi lido no final da celebração da Santa Missa diante da imensa multidão reunida na Praça de São Pedro para a sua despedida. Sobre esse texto, testemunha, na Festa da Misericórdia do ano seguinte, o seu sucessor: “Meditando sobre a misericórdia do Senhor, que se revelou de modo total e definitivo no mistério da Cruz, volta-me à mente o texto que João Paulo II tinha preparado para o encontro com os fiéis no dia 3 de abril, domingo in Albis do ano passado. Nos desígnios divinos estava escrito que ele nos deixasse precisamente na vigília daquele dia, sábado, 2 de abril, todos recordam bem, e por isso não pôde pronunciar aquelas palavras, que agora me apraz repropor-vos (…). O Papa [João Paulo II] tinha escrito assim: ‘À humanidade, que por vezes parece estar perdida e dominada pelo poder do mal, do egoísmo e do medo, o Senhor ressuscitado oferece como dom o seu amor que perdoa, reconcilia e volta a abrir o espírito à esperança. É um amor que converte os corações e dá a paz’. O Papa [João Paulo II], neste último texto, que é como um testamento, acrescentou: ‘Quanta necessidade tem o mundo de compreender e de acolher a Misericórdia Divina!‘”.
Com a canonização do Papa João Paulo II chegou a hora de transmitir esse fogo da misericórdia em todas as dioceses e comunidades eclesiais do Brasil, e não só do Brasil, mas de toda a América Latina! Desde a Conferência de Aparecida somos conclamados, toda a Igreja Latino-Americana, para uma Missão Continental! Que ninguém ignore que Deus é Rico em Misericórdia, que ninguém tenha medo de se aproximar Dele, de mostrar-Lhe todas as feridas e receber a Sua paz.
Que essa mensagem transmitida a nós por João Paulo II, e que segue ecoando na vida e nas palavras do Papa Emérito Bento XVI e do Papa Francisco, não fique sem uma generosa resposta do nosso coração. Sejamos testemunhas da Misericórdia, como nos pediu João Paulo II.