jovem-pag“Ficar é pecado?” Essa é uma das perguntas que os catequistas de adolescentes ou os formadores de jovens mais escutam, quando se toca no tema dos relacionamentos e da castidade. Não basta simplesmente dizer que é ou não é. É preciso ir à raiz e refletir sobre o modo como vivemos nossas relações. Afinal, como ensina o Papa Francisco, a Igreja é chamada a formar as consciências, não a substituí-las, (Amoris Laetitia, n. 37).

Recordemos, por exemplo, o trecho do Evangelho em que uma prostituta, diante dos convidados de um jantar, se curva sobre os pés de Jesus e os cobre de lágrimas e beijos (Lc 7, 36-50). A vida daquela mulher transcorria basicamente sob dois tipos de olhar. Um era o olhar que recebeu do anfitrião da festa e dos convidados, e que recebia todos os dias, o tempo todo, nas ruas: o olhar que julga, que rotula, que condena. O outro, o olhar daqueles que se deitaram com ela: o olhar que usa, que cobiça, que subjuga. Um e outro são olhares míopes: não a veem como pessoa, mas colocam-se a si mesmos no centro e não se abrem à existência do outro, que é amado e querido por Deus com a mesma dignidade.

O que fez com que essa mulher desejasse manifestar de forma tão intensa o seu amor a Jesus? Ele a olhou de um modo diferente. Ele viu, sob o acúmulo de misérias lançadas sobre ela por si mesma e pelos outros, quem verdadeiramente ela era. Ele, por assim dizer, a chamou pelo nome: não por seu pecado, não pela utilidade que ela tinha para a soberba de uns e luxúria de outros, mas pelo seu nome eterno de filha de um Deus apaixonado.

Ok, mas o que isso tem a ver com o “ficar”? Tudo, porque, como cristãos, somos chamados a ser portadores desse olhar de Cristo no mundo – não apenas em nossa paróquia, não apenas no grupo de jovens, mas no cotidiano, no colégio, na faculdade, no trabalho, na família, na festa. “A fé não só olha para Jesus, mas olha também a partir da perspectiva de Jesus e com os seus olhos: é uma participação no seu modo de ver”, ensina o Papa Francisco (Lumen Fidei, n. 18).

Sabe aquele olhar redentor que aquela mulher do Evangelho de Lucas experimentou? O olhar de Cristo que liberta e cura? Sabe como as pessoas que vivem hoje poderão ser olhadas por ele? Através da Sua Igreja, através do olhar de cada um dos discípulos de Cristo, através do teu olhar.

O Papa fala com frequência da “cultura do descarte” e da “cultura do provisório”. “Transpõe-se para as relações afetivas o que acontece com os objetos e o meio ambiente: tudo é descartável, cada um usa e joga fora, gasta e rompe, aproveita e espreme enquanto serve; depois… adeus. O narcisismo torna as pessoas incapazes de olhar para além de si mesmas, dos seus desejos e necessidades”, ensina ele (Amoris Laetitia, n. 39). Como podemos, então, viver um olhar que não descarte, mas, como o de Jesus, dê salvação?

Antes de tudo, devemos fazer de verdade a experiência de viver sob o olhar amoroso de Deus e reconhecer o valor que temos aos seus olhos. A partir disso, poderemos renovar o nosso próprio olhar e deixar para trás modos de se relacionar que impeçam as pessoas de conhecer esse amor através de nós. No caso do ficar: pode uma relação com prazo de validade transmitir a experiência de um amor que não acaba? Pode uma relação que gira ao redor do prazer que o outro pode me proporcionar transmitir a experiência de um amor que diz que temos valor pelo que somos, e não pelo que podemos dar?

O cristão está chamado a viver um amor puro: puro como a água cristalina, que permite ver através de si um amor maior, o verdadeiro Amor.

Felipe Koller