Imagem de Jesus Misericordioso

Primeira Imagem

A obra do Senhor é perfeita, ensina a Escritura (Dt 32,4). É o que atestamos ao longo de toda a história da salvação – criação, revelação, encarnação, salvação etc. Isto também se manifesta naquilo que o próprio Jesus se dignou confiar à Santa Faustina Kowalska (+1938). Os 5 elementos distintivos da espiritualidade da Divina Misericórdia – que emergem a partir de sua história de fé – tocam de algum modo as mais diversas dimensões da vida humana e conseqüentemente também da nossa fé católica: liturgia (Festa) e piedade (Terço), tempo (Novena, Hora) e espaço (Imagem).

A veneração de um quadro representando Nosso Senhor com os traços da visão com que Faustina foi agraciada aos 22/02/1931 em Plock, na Polônia, é vontade expressa do Senhor, inaugurando a série de 83 revelações especiais a respeito da divina misericórdia, segundo a classificação do estudioso Pe. IgnacyRózycki em 1980 (Il Culto della Divina Misericordia, LibreriaEditrice Vaticana, 2002, p. 127):

“Pinta uma Imagem de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós. Desejo que esta Imagem seja venerada, primeiramente, na vossa capela e, depois, no mundo inteiro” (D 47).

Sem sombra de dúvidas, este pedido de Jesus marcou de maneira indelével a vida espiritual da religiosa polonesa. São inúmeras e significativas as referências que encontramos em seu Diário sobre a imagem de Jesus Misericordioso, como passaria a ser chamada pela própria santa (cf. D 711; 853). Já no 1º número deste Diário, S. Faustina não esconde sua imensa alegria por este dom concedido não apenas a ela, mas a toda a humanidade:

“Amor Eterno, mandais pintar a Vossa santa Imagem
E nos desvendais a fonte da misericórdia inconcebível!
Abençoais quem se aproxima de Vossos raios,
E a alma negra se tornará branca como a neve.

Ó doce Jesus, aqui fundastes o trono da Vossa misericórdia
Para alegrar e ajudar o homem pecador:
Do coração aberto, como de uma fonte límpida,
Flui o consolo para a alma e o coração contrito.

Que a honra e o louvor para esta Imagem
Nunca deixem de fluir da alma do homem!
Que de cada coração flua honra para a misericórdia de Deus
Agora, e em cada hora, e por todos os séculos!”

Naturalmente entre todas as cinco formas específicas de culto à divina misericórdia ensinadas por S. Faustina existe um laço bastante íntimo, considerando que provêm da mesma fonte inspiradora (revelações privadas de Nosso Senhor) e servem para alimentar a confiança na insondável misericórdia divina e Lhe impetrar auxílios sobretudo para os pecadores e sofredores. É de se notar, porém, que a Festa e a Imagem são particularmente enfatizadas e associadas: “Quero que essa Imagem, que pintarás com o pincel, seja benzida solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa, e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia” (D 49). A relação entre a Imagem e a Festa é bem sublinhada ao longo do Diário (cf. também D 88; 341). No n. 742 se lê: “…estou exigindo o culto à Minha misericórdia pela solene celebração desta Festa e pela veneração da Imagem que foi pintada”.

Não foi fácil cumprir a vontade de Jesus. Um dos confessores de Plock (cujo identidade nos é desconhecida) interpretou, de modo precipitado e errôneo, o fato: “Isso diz respeito à tua alma”; “Pinta a imagem de Deus na tua alma” (D 49). Por sua vez, algumas de suas coirmãs de comunidade a acusavam de “visionária” (D 125; cf. 152). Em sua humildade, S. Faustina pensou em deixar tudo de lado. Mas Jesus não deixou de insistir, por vezes de um modo taxativo:

Fica sabendo que, se descuidares a pintura da Imagem e toda a Obra da Misericórdia, terás que responder por um grande número de almas no dia do Juízo” (D 154); “Desejo que a Imagem seja venerada publicamente” (D 414).

Aos poucos as dificuldades vão sendo superadas. A “força” da graça divina (D 74) não deixa de impelir Faustina a fim de que seja pintada a imagem. O tempo é o melhor aliado para se discernir a autenticidade de uma inspiração ou moção (serão necessários 6 anos de espera – 1931 a 1937 – até que a Igreja aceite oficialmente a imagem!). O próprio Senhor vai confirmando a sua vontade através de dezenas de sinais concedidos à Santa Faustina (cf. D 87; 177; 316; 336; 344; 414; 420; 437; 441; 473; 500; 560s; 613; 645; 648; 657; 851; 853; 916s; 1046s; 1300; 1565; 1689), às suas Superioras (D 51), particularmente através da Madre IrenaKrzyzanowska (D 1301), bem como aos seus confessores, Frei Andrasz e Padre Sopocko, que estão mais em sintonia com a vontade divina:

“Certa vez, cansada dessas diversas dificuldades que tinha por causa de Jesus falar-me e exigir a pintura da Imagem, decidi firmemente, antes dos votos perpétuos, pedir a Frei Andrasz que me dispensasse daquelas inspirações interiores e da obrigação de pintar a Imagem. Depois de me ouvir em confissão, Frei Andrasz deu-me esta resposta: ‘Não dispenso a Irmã de nada e a Irmã não pode esquivar-se dessas inspirações interiores, mas a Irmã deve, necessariamente, relatar tudo ao confessor, sem falta, porque de outra forma a Irmã incorrerá em erro apesar dessas grandes graças de Deus. Neste momento, a Irmã está se confessando comigo, mas saiba que devia ter um confessor permanente, isto é, um diretor espiritual.’” (D 52; cf. 53; 421); “Diz ao teu confessor que aquela Imagem deve ser exposta na igreja, e não dentro da clausura desse Convento. Por meio dessa Imagemconcederei muitas graças às almas; que toda alma tenha, por isso, acesso a ela” (D 570).

Santa Faustina se esforçou por cumprir essa recomendação, mas, não conhecendo a técnica da pintura, não tinha condições de realizá-la sozinha. No entanto, não abandonou a idéia de pintar a imagem. Passo a passo o Senhor foi colocando em sua estrada pessoas que lhe podiam auxiliar nesta tarefa – e ao mesmo tempo cobrando delas o empenho! (D 354). Quando, em 1933, Santa Faustina veio para Vilna, o seu confessor principal, o Bem-aventurado Padre Prof. Miguel Sopocko, dirigiu-se ao artista e pintor EugeniuszKazimierowski com a proposta de pintar a Imagem de acordo com as indicações de Santa Faustina. A Santa e o pintor se encontram pela 1ª vez a 2/01/1934. Anos depois ela registraria a respeito deste momento:

“Este dia é para mim especialmente grande; neste dia fui pela primeira vez tratar da pintura da Imagem. Nesse dia, a Misericórdia Divina recebeu, pela primeira vez, honras especiais exteriormente, embora seja conhecida há muito tempo, mas agora da forma como o Senhor o desejava. Esse dia do dulcíssimo Nome de Jesus lembra-me muitas graças especiais” (D 863).

Este delicado trabalho artístico foi concluído em junho de 1934 e deixado no corredor do convento das Irmãs Beneditinas junto à igreja de São Miguel em Vilna, onde o Padre Sopocko era então reitor. A Irmã Faustina chora por achar que Jesus Cristo não estava tão belo como ela O tinha visto em sua visão (cf. D 313). Uma moradora de Vilna, a Srta. Balzukiewiez, quis fazer uma cópia desta pintura para os Padres Redentoristas, a qual esteve depois em Cracóvia; S. Faustina parece aprovar a iniciativa e o resultado (D 1299).

Durante as solenidades do encerramento do Ano Jubilar da Redenção do Mundo, em 1935, a imagem de Jesus Misericordioso foi transferida para Ostra Brama (Porta Oriental de Vilna) e colocada numa janela do pórtico, de forma que podia ser vista de longe, e aí permaneceu de 26 a 28 de abril de 1935. Essa solenidade coincidiu com o primeiro domingo depois da Páscoa, que, segundo a vontade de Jesus, deveria ser a Festa da Divina Misericórdia. Naquela mesma ocasião o Padre Sopocko fez uma homilia sobre o mistério da misericórdia divina. Anota Faustina: “Por admirável desígnio tudo aconteceu como o Senhor havia exigido: a primeira honra que a Imagem recebeu das multidões — foi no primeiro Domingo depois da Páscoa. Durante três dias, ela ficou exposta publicamente e recebeu a honra dos fiéis, pois estava colocada em Ostra Brama, na parte alta da janela e, por isso, podia ser vista de muito longe” (D 89; cf. 416s; 441). No dia 4 de abril de 1937, com a autorização do Arcebispo RomualdJalbrzykowski, a imagem foi benzida e colocada na igreja de São Miguel em Vilna. Naquele mesmo dia era publicado um artigo do Pe. Sopocko sobre a misericórdia divina na revista de Wilno intitulada “Semanário Católico, Nosso Amigo”; sobre isto escreveu S. Faustina, divulgando a imagem:

“Hoje, a Madre Superiora deu-me para ler um artigo sobre a Misericórdia Divina, e havia também uma reprodução da Imagem que foi pintada. Esse artigo está inserido no “Semanário de Vilna”, e nos foi enviado a Cracóvia pelo Padre MichalSopocko, esse zeloso apóstolo da Misericórdia Divina. Nesse artigo, estão contidas as palavras que Nosso Senhor me disse, algumas expressões transcritas ao pé da letra” (D 1081). Mais detalhes sobre a história da imagem, ver: Santa Maria Faustina Kowalska, Diário, Congr. dos Padres Marianos, nota 1, pp. 463s, e também o site: http://jesus-misericordioso.com/zgromadzenie_ptbra.htm

Qual o significado da imagem? Em 1934, numa das revelações em Vilna, o próprio Senhor explica-lhe alguns detalhes: “Os dois raios representam o Sangue e a Água: o raio pálido significa a Água que justifica as almas; o raio vermelho significa o Sangue que é a vida das almas. Ambos os raios jorraram das entranhas da Minha misericórdia, quando na Cruz, o Meu Coração agonizante foi aberto pela lança” (D 299a). Mais adiante, chama-nos a atenção para um detalhe muito significativo: “O Meu olhar, nesta Imagem, é o mesmo que eu tinha na cruz” (D 326). Fica bem patente, portanto, que nesta representação artística encontramos de um modo emblemático o Cristo Pascal, o Crucificado-Ressuscitado – ou seja, Jesus que traz tanto os sinais do sofrimento como os sinais da glorificação. Com sua Páscoa inaugura-se um novo tempo para a humanidade, no qual mais e mais os seus “inimigos” são vencidos – o demônio, o pecado, a morte. Ele continua a sua missão terrena, e por isso a imagem o representa caminhando (vindo ao nosso encontro) como “amigo” a nos abençoar (mão direita) e a nos apresentar o “trono da graça” (mão esquerda). A cor branca da veste de Cristo simboliza a pureza e a glória celestes, cujos seres – tanto no Antigo como no Novo Testamento – aparecem sempre envoltos em brilho e brancura (cf. Lc 24,4; At 10,30); na transfiguração foi assim que Jesus se manifestou aos Apóstolos escolhidos (Mc 9,3; cf. Ap 1,13s) – e é assim que Ele quer que todos os batizados estejam por ocasião de sua vinda (Ap 3,4s; 7,9-14; 19,1-14). Por sua vez, a inscrição: “Jesus, eu confio em Vós” faz parte da imagem, o que Jesus recorda expressamente à Santa Faustina (D 327). A liturgia do 2º domingo da Páscoa (Domingo da Divina Misericórdia) nos apresenta o relato de Jo 20,19-31, no qual o Senhor Ressuscitado apresenta aos Apóstolos “as mãos e o lado” (vv. 20.27), convidando a Tomé – e a todos – à confiança: “não sejas incrédulo, mas crê!” (v. 27). Sem sombra de dúvida, a imagem de Jesus Misericordioso é uma das mais belas representações da arte cristã do Senhor Ressuscitado, que, apesar das portas fechadas, se apresenta no meio dos seus – ontem, hoje e sempre! – e diz: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu!” (Lc 24,39). Do ponto de vista teológico, não apenas a cruz revela a glória da misericórdia divina, mas também o sepulcro vazio: “Jesus ressuscitado afirma a resposta misericordiosa de Deus [Pai] ao este [seu] amor de auto-doação” (Comissão Teológica Internacional, Teologia da Redenção, p. II, n. 13; cf. 1Pd 1,3). Particularmente os sinais da paixão que o Ressuscitado apresenta – nos Evangelhos e na imagem divulgada a partir de S. Faustina – são uma das mais maravilhosas marcas da insondável misericórdia divina em nosso favor, como assevera São Beda o Venerável: “…para fazer os fiéis redimidos compreender com quanta misericórdia foram socorridos” (in Sto. Tomás, Suma Teológica).

No Diário descobrimos algumas promessasque o Senhor explicitamente associa à veneração de sua imagem que poderíamos também designar como ícone da divina misericórdia, as quais podem ser assim agrupadas:

1ª) O Senhor quer manifestar a sua glória e a sua graça através deste símbolo religioso: “Darei a conhecer aos Superiores, por meio das graças que concederei através dessa Imagem” (D 51); “Ofereço aos homens um vaso, com o qual devem vir buscar graças na fonte da misericórdia. O vaso é a Imagem com a inscrição: ‘Jesus, eu confio em Vós.’” (D 327); “Por meio dessa Imagemconcederei muitas graças às almas; que toda alma tenha, por isso, acesso a ela”(D 570; cf. 742). Por isso S. Faustina pôde escrever: “Hoje vi a glória de Deus que desce da Imagem” (D 1789).

2ª) Por ela o Senhor quer atrair ao seu convívio quem está dEle afastado ou está com a fé esmorecida: “Já há muitas almas atraídas ao Meu amor através da Imagem” (D 1379).

3ª) O Senhor deseja nos fazer participar de sua vitória sobre o mal, especialmente na decisiva hora da morte: “Prometo que a alma que venerar esta Imagem não perecerá. Prometo também, já aqui na Terra, a vitória sobre os inimigos e, especialmente, na hora da morte” (D 48).

4ª) A imagem se torna uma espécie de “escudo” contra a justa ira de Deus em virtude dos pecados que cometemos, estimulando-nos assim a uma constante conversão: “Estes raios defendem as almas da ira do Meu Pai. Feliz aquele que viver à sua sombra, porque não será atingido pelo braço da justiça de Deus” (D 299).

Aprovada pela Igreja e abençoada pelo presbítero, a imagem se torna para a comunidade e cada fiel um sacramental, ou seja, um sinal sagrado por meio do qual a Igreja pede a Deus os Seus benefícios, sobretudo espirituais; ao mesmo tempo, o sacramental não está encerrado em si mesmo, mas quer auxiliar as pessoas “a receber o efeito principal dos sacramentos” (SC 60; Catecismo, 1667); deste modo, como não contemplar na imagem de Jesus Misericordioso um convite a viver radicalmente o nosso Batismo e Crisma (manter a nossa “veste” sempre íntegra e alva!), cada qual segundo o seu próprio estado de vida, aproximando-se com freqüência da Eucaristia e da Confissão (também simbolizados pelo sangue e água, segundo os Santos Padres), bem como da sagrada Unção? É bom lembrar também que pelos sacramentais o Senhor deseja santificar “as diversas circunstâncias da vida” (idem). Como não se admirar com o fato de que uma imagem – que inicialmente povoava apenas a mente de uma religiosa de clausura – se tornou hoje difusa por todos os cantos do planeta, se tornando companheira de homens e mulheres nos mais diversos ambientes – residências, comércios, veículos etc., até mesmo escritórios políticos e empresariais?! Considerando as imagens sob uma ótica teológica, podemos descobrir alguns tipos básicos das mesmas: imagem de culto (com referência direta ao mistério pascal), imagem histórico-descritiva e imagem de devoção (Plazaola, Juan, El arte sacro actual, Madrid, Católica, 1965, pp. 377ss). É curioso notar que a imagem de Jesus Misericordioso foi pouco a pouco adquirindo o valor de uma imagem de culto, deixando de ser um elemento puramente devocional ou ilustrativo já nos primeiros anos após a morte de Santa Faustina. Sem negar a sua importância, o próprio Jesus deixa bem claro o valor instrumental da imagem: “O valor da Imagem não está na beleza da tinta nem na habilidade do pintor, mas na Minha graça” (D 313). Assim sendo, não incorremos no risco de idolatrar um objeto material, agindo de uma maneira supersticiosa ou mágica (i.e., atribuir um poder que não existe a uma determinada coisa ou prática).

Neste contexto se insere um outro ensinamento assaz precioso do Diário, tendo em vista uma sadia estética teológico-espiritual. Somos convidados a venerar a imagem artística do Senhor, mas sobretudoa cuidar das imagens vivas do Senhor que somos nós! Com efeito, todo o universo é de algum modo um reflexo (“fraca imagem”) do Criador (D 1691), mas nada se compara ao homem e à mulher: “Amo a todos os homens, porque vejo neles, a Imagem Divina” (D 373; cf. 550). Por isso não apenas as obras de arte hão de servir para tornar visível a misericórdia divina, mas cada ser humano que acolhe e vive a sua mensagem. Certa vez S. Faustina estabeleceu como um dos seus propósitos o seguinte: “Em cada Irmã ver a imagem de Deus, de onde deve decorrer todo o amor ao próximo” (D 861,II; cf. 1522). De um modo especial se destacam aqueles e aquelas que veneram e glorificam a divina misericórdia: “Elas são a imagem viva do Meu Coração compassivo” (D 1225). Além disso, Jesus se revela através de nós quando praticamos a misericórdia: “…deves ser a Minha imagem viva pelo amor e pela caridade” (D 1446; cf. 1447). É com este espírito que S. Faustina pede: “Meu Jesus, penetrai-me toda, a fim de que possa ser Vossa imagem durante toda a minha vida” (D 1242); “…que se reflita em meu coração a Vossa Imagem divina, na medida, em que ela pode refletir-se numa criatura” (D 1336).

Não deixe de adquirir o seu quadro ou estampa de Jesus Misericordioso, e trazê-lo consigo em sua carteira, sua Bíblia e assim por diante! Que nós possamos sempre orar ao Senhor como S. Faustina: “Ó Coração Santíssimo, fonte de misericórdia, do qual brotam raios de graças incompreensíveis para todo o gênero humano, suplico-Vos luz para os pobres pecadores” (D 72).