III CONGRESSO APOSTÓLICO MUNDIAL DA MISERICÓRDIA – BOGOTÁ 2014

Os Congressos Mundiais da Misericórdia desejam ser uma resposta ao chamado universal à Misericórdia, dirigido a toda a Igreja e ao mundo por São João Paulo II, particularmente no dia 18 de agosto de 2002 em Cracóvia.

“É necessário fazer ressoar a mensagem do amor misericordioso com um vigor renovado. O mundo precisa desse amor. “(João Paulo II, Cracóvia, 18 de agosto de 2002). “Chegou o momento de a mensagem da Divina Misericórdia derramar a esperança nos corações, tornando-se a centelha de uma nova civilização: a civilização do amor”.

O Papa encorajou, então, os “esforços em ordem a elaborar e pôr em prática um plano pastoral da misericórdia. Esse programa [que deve constituir um compromisso dos bispos], na vida da Igreja antes de tudo e depois, como elemento necessário e oportuno, na vida social e política da nação, da Europa e do mundo” (18 de agosto de 2002).

Na verdade, o mistério de Deus “Pai das misericórdias” revelado por Cristo torna-se, no contexto das ameaças atuais contra o homem, como que um singular apelo dirigido à Igreja”. (Dives in Misericordia, 02). Uma igreja chamada a ter uma “consciência mais profunda e particular da necessidade de dar testemunho da misericórdia de Deus em toda a sua missão”. (cf. Dives in Misericordia, 12).

Se, por vezes, [o homem contemporâneo] não tem a coragem de pronunciar a palavra ‘misericórdia’, ou não lhe encontra equivalente na sua consciência despojada de todo o sentido religioso, torna-se ainda mais necessário que a Igreja pronuncie esta palavra, não apenas em seu próprio nome, mas também em nome de todos os homens contemporâneos” (Dives in Misericordia, 15). Somente assim, a Igreja poderá fazer “conhecer sempre melhor o verdadeiro rosto de Deus e o genuíno rosto dos irmãos” em humanidade. A Divina Misericórdia é a luz que “iluminará o caminho dos homens do terceiro milênio” (cf. homilia de 30 de abril de 2000).

“Quanta necessidade tem o mundo de compreender e de acolher a Divina Misericórdia!” (João Paulo II, Regina Coeli póstuma, 03 de abril de 2005).

Essas intuições programáticas de João Paulo II para toda a Igreja receberam um impulso novo graças à Encíclica Deus caritas est do Papa Bento XVI.

Hoje, é o Papa Francisco quem nos dirige fortemente sobre essa via. “Sentir a misericórdia: esta palavra muda tudo. É o melhor que nós podemos sentir: muda o mundo. Um pouco de misericórdia torna o mundo menos frio e mais justo. Precisamos compreender bem esta misericórdia de Deus” (Papa Francisco, 17 de março de 2013). E aos párocos de Roma, no dia 6 de março de 2014: “Esta foi uma intuição do beato João Paulo II. Ele teve a ‘perspicácia’ de que este era o tempo da Misericórdia. Pensemos na beatificação e canonização da Irmã Faustina Kowalska; em seguida, introduziu a festa da Divina Misericórdia. Gradualmente tem avançado, foi em frente neste campo”.

“Na homilia para a canonização, que ocorreu no ano 2000, João Paulo II realçou que a mensagem de Jesus Cristo à Irmã Faustina se situa temporalmente entre as duas guerras mundiais e está muito ligada à história do século XX. E, olhando para o futuro, afirmou: “O que nos trarão os anos que estão diante de nós? Como será o futuro do homem sobre a terra? A nós não é dado sabê-lo. Contudo, sem dúvida, ao lado de novos progressos infelizmente não faltarão experiências dolorosas. Mas a luz da Misericórdia Divina, que o Senhor quis como que entregar de novo ao mundo através do carisma da Irmã Faustina, iluminará o caminho dos homens do terceiro milênio”. É claro. Aqui é explícito, no ano 2000, mas era algo que no seu coração ia amadurecendo havia tempo. Na sua oração, ele teve esta intuição”.

“Hoje nós esquecemos tudo depressa demais, e até o Magistério da Igreja! Em parte isto é inevitável, mas os grande conteúdos, as grandes intuições e as exortações transmitidas ao povo de Deus, não podemos esquecer. E essa da Divina Misericórdia é uma delas. É uma herança que ele nos deixou, mas que provém do alto. Compete a nós, como ministros da Igreja, manter viva esta mensagem, principalmente nas pregações e nos gestos, nos sinais, nas escolhas pastorais, por exemplo: na escolha de voltar a dar prioridade ao sacramento da Reconciliação e, ao mesmo tempo, às obras de misericórdia. Reconciliar, fazer as pazes mediante o Sacramento, mas também com as palavras e com as obras de misericórdia”.

Diante dessas fortes chamadas, reiteradas pelos últimos Papas, decorrentes do núcleo do Evangelho, pareceu apropriado e urgente para alguns Cardeais iniciar um caminho vigoroso com a regularidade de impulsos (a cada três anos) oferecidos por Congressos mundiais da Misericórdia, em sentido missionário, com o envolvimento de todas as realidades eclesiais, com uma extensão ecumênica, inter-religiosa, cultural e social. A Comissão de Cardeais é presidida pelo arcebispo de Viena, o Cardeal Christoph Schönborn e é constituída pelos Cardeais Stanisław Dziwisz, Audrys Backis, Jean-Louis Tauran, Philippe Barbarin et alii. O Secretário-Geral é o Padre Patrice Chocholski, atual pároco de Ars (França).

O principal objetivo do Congresso Apostólico Mundial e do Congresso continental, regional, nacional e diocesano é: fazer com que toda a Igreja seja mais consciente e mais motivada pela Misericórdia; fornecer impulsos novos para a pastoral paroquial e diocesana; fazer da Divina Misericórdia o paradigma da evangelização, com uma nova imaginação criativa.

Este projeto tem como meio a repetição regular de Congressos continentais, regionais e nacionais sobre a Misericórdia, preparados a nível paroquial, diocesano e nacional, com todas as realidades eclesiais.

Quanto ao desempenho, são convidados os bispos, os sacerdotes, os representantes de dioceses, de congregações, de movimentos, de novas comunidades. O Congresso deve ter sempre também uma dimensão ecumênica.

Realiza-se em pelo menos quatro dias. Há por um lado um conjunto de conferências (bíblicas, teológicas e pastorais) e testemunhos fortes; por outro, “laboratórios apostólicos”, que dispõem os participantes em saída em direção às pessoas, com gestos missionários; Celebrações festivas em torno à Misericórdia nos lugares-chave, tais como basílicas; Procissões, por exemplo: com uma grande imagem de Cristo Misericordioso.

Um primeira WACOM teve lugar em Roma na Basílica de Latrão (2-6 abril de 2008), um segundo na Polônia, em Cracóvia (01-05 outubro 2011). O terceiro teve lugar nos dias 15-19 de agosto de 2014, em Bogotá (Colômbia), organizado pela Arquidiocese de Bogotá, na presença do Legado do Papa Francisco, o cardeal Errázuriz.

O título do Congresso era: Misericórdia, nossa missão em um só coração. O objetivo geral era  de promover na América Latina e em todo o mundo a espiritualidade da Misericórdia como paradigma de evangelização para dar uma resposta integral às necessidades de cada pessoa. Os objetivos específicos eram:

– formar discípulos através da experiência da Misericórdia no encontro orante com a Palavra de Deus e os sacramentos;

– assumir ser missionário compartilhando com os outros a experiência do encontro com o Deus misericordioso;

– fortalecer os discípulos missionários na capacidade de reconciliação e de fraternidade em família, entre os mais frágeis e em meio à realidade temporal;

 – tornar possível a experiência da Misericórdia, a fim de que possa ser vivida em pequenas comunidades, nas paróquias e em comunhão com o Bispo.

Foi organizado pela Arquidiocese de Bogotá, em colaboração com a Secretaria do Congresso Apostólico Mundial da Misericórdia (WACOM), com forte apoio da Conferência Episcopal colombiana e do CELAM. Participaram notavelmente as Pontifícias Obras Missionárias, os Eudistas, os Palotinos, os Marianos e várias associações de leigos.

Durante o Congresso, houveram conferências com fortes conteúdos como aquela do Cardeal Schönborn sobre justiça, verdade e misericórdia e do Cardeal Salazar sobre as vítimas na Colômbia e o processo de paz. Houve a intervenção de Dom Leonidas sobre o Documento de Aparecida e do Pastor Martin Hoegger sobre a maneira de praticar a lectio divina em grupo, os fortes testemunhos das vítimas de conflitos, de Claudia Koll, do Padre João Henrique e de Mary Sarindhorn, uma budista convertida a Cristo. Houveram celebrações nas cores dos vários continentes, presidida pelos Cardeais Errazuriz e Barbarin. Tocante foram as visitas às instituições sociais durante as tardes. O Santo Padre com a sua mensagem deu uma perspectiva universal à Missão da Misericórdia a partir do testemunho de misericórdia de tantas figuras de santos do povo de Deus em caminho.

O próximo Congresso Mundial será realizado em Manila, sob o convite da Conferência Episcopal Filipina.

O Senhor ressuscitado é o Misericordioso. Parece dizer: “Eis o que sou, eis o que podeis ser”. A Igreja dos discípulos missionários é chamada a atualizar e prolongar esta manifestação salvífica.

A Misericórdia é também como que a resposta ao mysterium iniquitatis: por Ela e o nosso empenho ao seu lado, é como se Deus impusesse um limite ao mal.

“A humanidade não encontrará paz, enquanto não se voltar com confiança para a misericórdia divina” (São João Paulo II).

Padre Patrice Chocholski



Colômbia, país de Misericórdia

III Congresso Apostólico Mundial da Misericórdia


Nos dias 15 a 19 de agosto, aconteceu em Bogotá, Colômbia, o III Congresso Apostólico Mundial da Misericórdia (World Apostolic Congress on Mercy III WACOM III Bogotá).

Os Congressos Apostólicos Mundiais são promovidos pelos Cardeais com apoio e ajuda das distintas Conferênciais Episcopais do mundo. O primeiro  Congresso Mundial aconteceu em Roma, em 2008, e o segunda em Cracóvia, na Polônia, em 2011.

Desta vez, o tema foi Misericórdia: nossa missão em um só coração. A escolha de Bogotá para sediar o primeiro congresso no solo do continente americano foi feita com a intenção de preparar o terreno, através da reflexão e da oração, para que a Misericórdia Divina possa alcançar todo esse nosso continente e para que, com um impulso missionário, o amor misericordioso de Deus seja anunciado a todas as pessoas, em todas as nações.

Durante o congresso, os participantes tiveram a oportunidade de experimentar a misericórdia de Deus pelas mais variadas vias: ouvindo as conferências proferidas por diversos convidados internacionais; escutando os testemunhos de vítimas do conflito armado na Colômbia que foram tocadas pela misericórdia; visitando as instituições sociais que promovem a misericórdia através das obras; participando da via-sacra na Catedral de Sal em Zipaquirá; encontrando-se com a própria Misericórdia, especialmente no sacramento da confissão, nas orações, louvores, santas Missas e adoração ao Santíssimo Sacramento.

O Apostolado da Divina Misericórdia esteve presente neste Congresso com um grupo de 51 pessoas provindas das variadas regiões do nosso país. Participaram desse Congresso ainda outros brasileiros que para ele se dirigiram individualmente ou em outros grupos. Ao todo, éramos aproximadamente 100 peregrinos brasileiros. Dentre eles, 14 sacerdotes e dois bispos: Dom Orani Tempesta, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, e Dom Teodoro Mendes Tavares, bispo auxiliar de Belém.

Participar no Congresso em Bogotá foi para todos nós uma graça e uma inesquecível bênção de Deus. Para mim, que pela primeira vez participei de um Congresso Mundial da Misericórdia, foi um momento único. Várias pessoas me perguntam: “Padre, o que chamou a sua atenção, quais foram os momentos mais importantes desse Congresso?” Não é fácil responder, porque foram muitos os momentos emocionantes. Apesar disso, comentarei três entre os que mais me chamaram a atenção:

O primeiro momento marcante foi a abertura do Congresso feita pelo Cardeal de Viena, Christoph Schönborn. Ao longo da sua conferência, intitulada Misericórdia e missão, o cardeal, entre outras palavras, disse que a misericórdia tem preço – analisando a parábola do Filho Pródigo (Lc 15,11-32), depois disse que a misericórdia não existe sem a verdade que liberta – analisando a parábola da Samaritana (Jo 4,1-30) e, por fim, que a misericórdia se revela plenamente por meio do testemunho, especialmente daqueles que experimentaram a misericórdia na própria vida.

O segundo momento marcante foi quando o cardeal Rubén Salazar, de Bogotá, em sua conferência A Misericórdia no serviço da reconciliação e paz na Colômbia, apresentou aos congressistas o grande desejo do povo colombiano de viver o processo de reconciliação. Chocante para todos os não-colombianos foram as cifras apresentadas do número de vítimas do conflito armado com as forças revolucionárias FARC: superiores a 6 milhões e meio! Massacre de um povo, perpetuado no desconhecimento e indiferença de muitos. Dom Rubén Salazar, lembrando o Catecismo da Igreja Católica, disse: “O homem é capaz de Deus, a Colômbia é capaz de misericórdia, a Colômbia é capaz de viver o processo de reconciliação e de paz”.

Depois da sua conferência, seguiu-se o depoimento da Doutora Diana Sofia Giraldo – Nosso trabalho com as vítimas do conflito armado na Colômbia: testemunho de uma das vítimas do conflito armado na Colômbia. Sofia nos apresentou uma mãe que acolheu e perdoou o assassino do seu próprio filho. Observando as pessoas ao meu redor pude constatar que muitos chegaram às lágrimas quando ouviam esse testemunho de perdão e de misericórdia. Como não lembrar, diante de tudo o que ali via, das palavras que o Santo Papa João Paulo II proferiu no dia 17 de agosto de 2002 (exatos 12 anos da data em que estávamos), em Cracóvia-Lagiewniki, quando confiou solenemente o mundo à Divina Misericórdia! Naquela solene ocasião o Papa disse:

“Quanta necessidade da misericórdia de Deus tem hoje o mundo! Em todos os continentes, do profundo do sofrimento humano, parece que se eleva a invocação da misericórdia. Onde predominam o ódio e a sede de vingança, onde a guerra causa o sofrimento e a morte dos inocentes, é necessária a graça da misericórdia para aplacar as mentes e os corações, e para fazer reinar a paz. Onde falta o respeito pela vida e pela dignidade do homem, é necessário o amor misericordioso de Deus (…) É necessária a misericórdia para fazer com que toda a injustiça no mundo encontre o seu fim no esplendor da verdade. (…)É necessário transmitir ao mundo este fogo da misericórdia. Na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz, e o homem a felicidade!”.

O terceiro momento que me marcou muito foi quando o nosso grupo visitou um projeto social apoiado pela Igreja Católica com o nome Pintando caminhos, conduzido por uma entidade sem fins lucrativos, legalmente reconhecida, que há 10 anos proporciona espaços para melhorar a qualidade de vida de 250 crianças, adolescentes e jovens que vivem em uma região pobre e oprimida, no bairro Potosi, na grande Bogotá. Fomos recepcionados com muita alegria pelos professores e pelas crianças que apresentaram cantos e danças da tradição colombiana e cristã. Depois, como nos foi pedido, fizemos um Lectio Divina e todos acabamos várias vezes sendo surpreendidos pelas respostas e considerações daquelas crianças mais sábias que os adultos. No final recebemos lembranças confeccionadas pelas crianças que ainda nos serviram um modesto lanche, atitude que emocionou a todos. Em verdade, a pobreza sabe partilhar amor e alimentos. O encontro terminou com muitos abraços e agradecimentos.

Aprendemos na Colômbia que a misericórdia é um dos maiores atributos de Deus, e precisa ser conhecida e divulgada. Mas não se pode parar nisso. Misericórdia “é amor em ação”, por isso, concluindo esta partilha, peço a Jesus Misericordioso que suscite em nossos corações grandes desejos de praticar obras de misericórdia, para que um número sempre maior de pessoas possam ser salvas pela Misericórdia de Deus. Jesus, eu Confio em Vós. Obrigado por esta lição.

Pe. André Lach,MIC
Diretor do Apostolado da Divina Misericórdia


O que foi dito no III Congresso Mundial da Divina Misericórdia


Padre Patrick ChocholskiPe. Patrice Chocholski

O principal objetivo do Congresso Apostólico Mundial e do Congresso continental, regional, nacional e diocesano é fazer com que toda a Igreja seja mais consciente e mais motivada pela Misericórdia; fornecer impulsos novos para a pastoral paroquial e diocesana; fazer da Divina Misericórdia o paradigma da evangelização, com uma nova imaginação criativa.

Dom Eugenio Andrés Lira RugarcíaMons. Eugenio Lira
Por misericórdia, Deus me criou e me chamou à vida. Deu-me um corpo e uma alma, sentimentos, inteligência e vontade. Redimiu-me e santificou-me. Concedeu-me uma família, na qual nasci e me desenvolvi, recebendo cuidados, educação e amor. Mediante o batismo fez-me filho Seu e deu-me mais uma família: a Igreja. Na Sua Palavra me orienta, no Sacramento do Crisma me fortalece, na Eucaristia me alimenta e na confissão me cura. Conversa comigo na oração. Rodeia-me de amigos. Protege-me e mostra-me o caminho. E hoje me traz aqui para envolver-me com a Sua ternura e recordar-me o quanto me ama; o quanto fez, faz e seguirá fazendo por mim! Ele está sempre próximo, mostrando-me Seu amor gratuito, generoso e fiel, por esse amor que me perdoa.  ‘As misericórdia de Deus nos acompanham dia a dia – comentou Bento XVI – basta ter um coração vigilante para poder percebê-las…  podemos constatar continuamente quão bondoso é Deus para conosco; como pensa em nós precisamente nas pequenas coisas, ajudando-nos assim a alcançar as grandes'”. Isto pode nos acontecer: sentir que tudo gira em torno de nós, de tal maneira que aos demais, inclusive a Deus, os vemos como objetos aos quais podemos usar quando necessitamos e descartar quando não nos parecem úteis. Então, se não conhecemos a verdade do amor, pensamos que as coisas acontecem por acontecer, e não porque somos amados ou amáveis. Desta maneira terminamos nos auto-trancando na prisão da solidão, da perca da identidade e do sentido, e da desesperança, tornando-nos vulneráveis à manipulação de quem nos fez experimentar alguma sensação ou emoção intensa, ainda que superficial, frágil e efêmera. ‘Esse é o grande risco do mundo atual – diz o Papa Francisco – com sua múltipla e esmagadora oferta de consumo, é uma tristeza individual que brota do coração acomodado e ganancioso, da busca doentia de prazeres superficiais, da consciência isolada… Essa não é a opção de uma vida digna e plena, esse não é o desejo de Deus para nós’. (…) Deus nos cura com ternura! E essa ternura se chama misericórdia. (…) Deixemo-nos salvar por Ele!”.


cardeal ruben salazar
Cardeal Rubén Salazar Gómez

“A misericórdia implica renunciar a justiça? Não é renunciar. É desprendimento, abandono e confiança plena Nele, em Sua justiça. Quanto mais confiança, mais misericórdia. A misericórdia é a mais perfeita expressão da justiça divina. (…) A confiança na justiça divina opera como um bálsamo do abandonar-se, é como uma mão amorosa que detém as hemorragias da alma, cura nossas feridas e olha com ternura as nossas cicatrizes. (…)O homem é capaz de amor e se o homem é capaz de amor é porque o seu coração é capaz de misericórdia”.


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Cardeal Errazuris

“São incontáveis as ações e as notícias de guerra e perseguições, homicídios, martírios, escravidão, injustiças, tráfico de pessoas (…). E são muitas as formas dissimuladas de discriminação, indiferença, prepotência, egoísmo e difamação que encontramos em nossas próprias comunidades e família. (…) Peçamos ao Senhor com humildade: ‘Socorre-nos, Senhor Jesus, confiamos em ti’, transforma a cultura de nossos povos, põe neles o fermento vivo do amor operante, do perdão generoso e da sincera misericórdia para com todos. (…) Nossos sofrimentos e misérias são justamente a medida da misericórdia. Quanto maior a indigência, apresentada a Deus com plena confiança, quanto maior o pecado, tanto maior é a manifestação da misericórdia de Deus”. “Se queremos trazer à existência uma nova cultura, comecemos por nós mesmos que somos chamados a confiar na misericórdia e a sermos mensageiros de tão vivificante notícia. Qual é a nossa experiência com Deus? Ocupa em nós o primeiro lugar a revelação de Sua misericórdia? Confiamos totalmente Nela? Nos atrevemos a reconhecer nossas dores, limitações e pecados, e os mergulhamos no inesgotável mar da misericórdia divina? Construímos nossas vidas, como a Santíssima Virgem, sabendo que para Deus nada é impossível, sabendo que Ele sempre nos espera como a filhos pródigos no sacramento da confissão, para nos acolhermos e nos devolver a dignidade filial? Detemo-nos a saborear os dons de Sua misericórdia e a contempla-Lo com admiração, como a fonte do nosso próprio amor?”.


Cardeal Christoph Schönborn
Cardeal Shönborn

“Não existe misericórdia sem verdade, porém a verdade sem misericórdia é cruel. Por isso é muito importante unir verdade e misericórdia nos processos de reconciliação”.

 



III Congresso Mundial da Misericórdia

Conclusões Finais

Publicamos aqui a transcrição da palestra conclusiva do Congresso Mundial, proferida pelo Cardeal Francisco Javier Errázuriz, enviado especial do Papa Francisco ao evento. Acompanhe!

***

Nesse dia, ao concluir o III Congresso Mundial da Misericórdia, nossa ação de graças sobe ao céu repleta de alegria e agradecimento pelas graças que temos recebido, e pela experiência humana e profundamente evangélica do amor de Deus e do amor fraterno com que Deus nos tem presenteado.  Abrimos nossos corações cheios de esperança e rezamos; vivemos em comunhão, sem nos conhecermos antes, provenientes de muitos povos e culturas diversas; cantamos e nos enriquecemos com testemunhos emocionantes e palavras cheias de sabedoria; assumimos propósitos e acolhemos projetos de Deus que nos ajudarão a sermos dia após dia, como ansiava Bento XVI “homens e mulheres da misericórdia de Deus” (Homilia de 15.04.2007)

Nos impressiona a fidelidade de Deus, que nos recorda uma e outra vez ao longo da história da Primeira e da Nova Aliança, que é o “único Deus, rico em misericórdia”, “lento para a cólera e rico em amor e fidelidade”.  Ele veio ao nosso encontro por meio de Jesus Cristo, ‘rosto humano de Deus e rosto divino do homem’, que com Suas palavras e seus milagres e sobretudo dando a Sua própria vida por nós, nos fez nascer novamente como filhos de seu Pai. Ele revelou quão grande é o amor de Deus, quão inesgotável é Sua fidelidade, quão  inalterável é Sua vontade de nos amar primeiro e de nos perdoar, para despertar em nós o amor e a nossa colaboração, e nos fazer felizes.

São João Paulo II, segundo seu colaborador próximo, em Roma, o Cardeal Camilo Ruini, “colocou a Divina Misericórdia no centro da sua vida espiritual,  do seu testemunho apostólico e do seu magistério”. Depois de vivenciar a dor da sua pátria, Polônia, de todo mundo, e das incontáveis vítimas dos horrores da II Guerra Mundial, compreendia a mensagem da Divina Misericórdia que foi confiada  por Deus à santa Faustina Kowalska como um chamado a confiar em Deus misericordioso como a única fonte de esperança para o homem, já que somente a Divina Misericórdia pode pôr limite ao mal. Proclamava profeticamente que “na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz, e o homem a felicidade” (17.08.2002).

O mundo já vive esse tempo de paz e felicidade, ou passa por outra época na qual segue avançando e triunfando o mal? Precisamos nos voltar novamente a Deus, com toda as nossa forças, implorando que venha a nós o Reino da misericórdia divina? De fato, constatamos no mundo novas guerras, perseguições, inimizades, injustiças, ações violentas e terroristas, e ainda de execuções de mártires. Não esqueçamos que, segundo o Papa Francisco e segundo constataram também os Papa anteriores, hoje há mais mártires do que nos primeiro séculos da Igreja. Além disso, uma e outra vez somos golpeados por aqueles que querem desarraigar nossa cultura de suas raízes cristãs, difundindo a ideia de que o mundo deve encontrar sua felicidade libertando-se dos princípios morais, e fazendo uso da liberdade para destruir vidas inocentes antes do seu nascimento, para erradicar a visão cristã da família, formada pelo homem e pela mulher, e para rechaçar toda procriação e toda união por toda vida. Não foi sem motivos que o Papa Francisco convocou duas assembleias em preparação para o Sínodo dos Bispos para abordar o tema básico de toda sociedade – a família.

(…) Deus tomou a iniciativa de presentear a Igreja do nosso tempo com grandes precursores pelo caminha da vida: são os santos. Especialmente nos presenteou com Papas cuja santidade são reconhecidas, e também com aqueles cujos processos de beatificação estão abertos.

(…) Ao mesmo tempo constatamos que floresce  um novo mundo e uma nova cultura. Crescem as comunidades vivas da Igreja, cresce o desejo de santidade entre os leigos, são muitas as famílias que querem ser santuários de vida, de confiança e de paz, verdadeiras “igrejas domésticas”, aumenta o número de católicos que se aproximam da Palavra de Deus com admiração e vontade de viver conforme essa Palavra e de praticar a lectio e a actio  divina. (…) Cresce o números dos que querem fazer uma aliança de amor com Maria – a admiram e seguem o seu modelos de amor ao Pai, de entrega ao Filho e a sua missão, a sua disponibilidade ao Espírito Santo, e de amor aos mais necessitados, seguindo seu exemplo em Canaã, junto à Cruz do Senhor crucificado.

O tempo atual, nosso tempo, não nos permite permanecermos diferentes. É verdade que muitos são tentados pelo inimigo e suas seduções, e colaboram com ele. Mas este não é o nosso caminho. Temos a experiência, o que nos enche de gratidão, de viver em um tempo em que Deus nos oferece a Sua graça, Sua sabedoria e Sua misericórdia, de mãos cheias, tempo em que Ele nos convida a carregar nossa cruz de discípulos e a segui-Lo até a luz e ressurreição.

(…) Queremos viver e trabalhar para que nosso tempo seja o tempo da misericórdia, para que nossas culturas sejam fermentadas pelo amor ilimitado de Cristo, pela sabedoria e espiritualidade do Evangelho e pelas obras de misericórdia. Queremos viver confiando na Misericórdia Divina, implorar para todos o dom gratuito e transformador da misericórdia e sermos testemunhos e missionários da misericórdia, como discípulos do Mestre misericordioso, e filhos da Mãe de Misericórdia, que prolongam e refletem seu amor gratuito e fiel, cheio de ternura, compaixão, perdão, generosidade com espírito de serviço abnegado.

(…) Somos uma semente do Espírito Santo que segue crescendo no solo da Igreja. Porém os carismas não são propriedade de nenhum grupo da Igreja, são dom de Deus para toda a Igreja. Com maior razão este carisma. Na Igreja todas as comunidades têm a vocação de viver graças à misericórdia divina e de serem misericordiosas. Todas elas são parte da Igreja da misericórdia, que reza e é missionária, a fim de que o mundo viva um tempo assinalado pela misericórdia.

Cito algumas sábias orientações do Santa Padre Francisco, para que realizemos esta vocação com muita alegria e fecundidade.

  1. Nunca seremos missionários da misericórdia, se não formos filhos da misericórdia. (…) Tomemos consciência de que sempre Deus nos ama primeiro. Porque Ele nos ama primeiro, com amor misericordioso, sem cansar de nos dar Seu perdão, Seu amor desperta em nosso amor, que sempre é uma resposta ao Seu amor, e a inclinação para amar como Ele nos ama. (…)

Doar/oferecer misericórdia, segundo as palavras do Papa, é fruto do experimentar a infinita misericórdia do Pai. Surgem então duas perguntas. Primeiro: Quando nos despedimos do dia com uma oração, a primeira coisa que fazemos, ou a única, é um exame de consciência, relembrando nossos pecados, ou revivemos as horas do dia e da vida descobrindo os dons que recebemos das mãos generosas de Deus, ainda que não os mereçamos, para agradece com todo coração? Nos convencemos cada dia mais, desfrutando das amostras do seu amor, que é misericordioso, até chegar a viver sobrecarregado pela misericórdia de Deus, do Deus que sempre nos ama primeiro?

A segunda pergunta é: Se o coração misericordioso de Deus não se cansa de perdoar, pesamos a necessidade pessoal de pedirmos o Seu perdão, superando o cansaço, o temor e a vergonha,  recorrendo ao sacramento da confissão em que Deus, sendo Pai, nos acolhe como a filhos pródigos para sermos perdoados por misericórdia? Mais ainda, como filhos da misericórdia, somos também apóstolos do sacramento da reconciliação, da paz e da feliz liberdade  dos filhos de Deus?

  1. Nos escreveu o Papa Francisco: aqueles que experimentam que Deus em sua imensurável misericórdia nos ama, e nos ama por primeiro, sabem adiantar-se, tomar a iniciativa sem medo, sabem ser “igreja em saída” até as periferias geográficas e existenciais, com desejo inesgotável de doar/oferecer misericórdia. (…)
  2. Para nos ajudar a sermos misericordiosos, o Papa Francisco nos recorda (…) que precisamos ter a consciência de que somos nós mesmos, homens e mulheres de barro, mas com um tesouro. O tesouro está no jarro de barro. (…) O Papa nos convida a sermos misericordiosos, conscientes de nossa própria dignidade e fragilidade.
  3. Outro ensinamento desprende de uma narração de Jorge Bergoglio enquanto a Arcebispo de Buenos Aires, numa homilia na festa de São Caetano, há quinze anos, sobre o samaritano que acode o homem agredido e o carrega nos ombros. Nos perguntamos: Estamos dispostos a oferecer o ombro, esta parte do corpo tão próxima do coração, para carregar aquele que sofre por suas próprias misérias ou por danos causados por outros? (…)
  4. Em seu plano sábio e misericordioso, Deus nos convida a sermos próximos de todos, especialmente dos necessitados. Na Páscoa do ano 2006, o Papa Francisco explicava essa vocação: “Amar o próximo fazendo-se próximo é o que nos constitui humanos, pessoas. (…) O Bom Samaritano carrega aquele próximo em seus ombros porque apenas assim pode considerar a si mesmo com próximo, um ser humano, filho de Deus. Observe como Jesus inverte o raciocínio: não se trata de reconhecer o outro como um semelhante, mas sim de reconhecer a si mesmo como capaz de ser semelhante (próximo). Que outra coisa é o pecado, no contexto das relações humanas, se não o ato de rejeitar o ‘ser próximo’?”.

(…) As palavras do Santo Padre nos conduzem a um louvor. Que formosa – e ao mesmo tempo que  exigente – é a nossa vocação para a misericórdia, a vocação que Deus nos deu!

É uma vocação realmente contemplativa. Com assombro nos surpreende o plano de Deus de nos criar e nos redimir para que todos sejamos “cidadãos do céu” experimentando já aqui na terra essa vida de amor, a paz e a felicidade que caracterizam a Santíssima Trindade. Que maravilhosa dignidade sermos criados à imagem e semelhança de Deus da misericórdia e do perdão, de recebermos tal tesouro em vasos de barro e de termos sido redimidos para vivermos como irmãos, amigos e colaboradores de Cristo! Como não contemplar em todos  a beleza do rosto de Cristo e servir? (…)

A compreensão de toda nossa vocação cristã aparece claramente na Virgem Maria, a quem a contemplação  não a impediu de servir a todos os afligidos. Partiu apressadamente pelo difícil caminho da montanha, sua via crucis nesta jornada, para ajudar a sua prima Isabel, sem deixar de contemplar, cheia de admiração, ao menino Jesus em seu ventre. Partiu apressadamente, partilhando a misericórdia de Deus a Zacarias e a Isabel. Ela realizou por primeiro na Nova Aliança aquela máxima tão conhecida que diz que obras são amor, e não boas intenções. Ela quis colaborar com Deus para que a dignidade da missão de Isabel e de João Batista se realizasse plenamente, segundo os desígnios de salvação de Deus.

Concluo agradecendo a Virgem Santíssima o exemplo que nos deixou por herança, sendo Filha da Misericórdia de Deus, misericórdia dirigida a toda a humanidade, a cada um de nós. Agradecemos a sua contemplação e suas obras de misericórdia, as de então, as recentes e as futuras, implorando a intervenção de Deus como em Canaã, cada vez que recorrem a ela no silêncio de seus corações e em seus santuários os mais necessitados de amor, fé, compaixão e esperança, mas também de alimento, abrigo, saúde, justiça e liberdade. Agradecemos à Mãe de Deus pela vocação que nos reúne, de sermos seus voluntários na Igreja – verdadeiro “hospital de campanha” para nossos tempos – e de sermos testemunhos do amor de Deus e de peregrinar como missionários seus, para que possamos despertar em todos sua vocação de “discípulos missionários da misericórdia de Jesus Cristo, para que nossos povos Nele tenham vida”.

Finalmente agradecemos a Deus Pai, Filho e Espírito Santo, como também à Virgem Maria, pelo Papa Francisco, por suas palavras sábias, pela sua simplicidade fraterna e por seus gestos de amor e compaixão, como também por convocar a nós e a todas as comunidades a sermos uma “Igreja em saída” até as periferias, sem esquecer nem os que mais sofrem, nem os conflitos dos nossos tempos, que clamam por misericórdia.