O Papa Francisco escolheu a Vida Consagrada como tema para toda a Igreja viver em 2015. Escolheu-o pedindo aos religiosos que dessem o seu testemunho e desempenhassem a sua missão com alegria. A entrega da vida a Deus deve ser um testemunho alegre, para que possa contagiar outros e contribuir para acabar com o decréscimo de religiosos que se tem vindo a acentuar nos últimos anos em muitas partes do mundo.
«Queria dizer-vos uma palavra, e a palavra é alegria. Onde quer que haja consagrados, aí está a alegria!» É com esta mensagem do Papa Francisco que se inicia a carta circular aos consagrados e consagradas que serve de base para o Ano da Vida Consagrada a começar no final deste mês de novembro. Tem sido tradição no Vaticano indicar temas gerais para serem vividos em toda a Igreja universal, de dois em dois anos. Desta vez, e com a família como pano de fundo, o ano será dedicado à reflexão e celebração da Vida Consagrada, uma realidade em crise em muitos países, principalmente nos mais desenvolvidos e, por norma, mais secularizados.
Portugal segue esta tendência de descida estatística. Os números oficiais de 2012, publicados pelo Vaticano, dão conta de uma diminuição constante no número de religiosos. Entre 2008 e 2012, Portugal passou de 6979 religiosos para 6234, uma diminuição de cerca de 10%. Em virtude da mobilidade a que a vida missionária sujeita os religiosos, os números raras vezes correspondem à realidade, sendo que muitos religiosos portugueses estão em terrenos de missão, mas também tem aumentado o número de religiosos que vêm de outros países para receber formação em Portugal. De qualquer das formas, a percentagem de quebra é uma realidade que acompanha, aliás, as tendências mundiais. Apesar de em alguns continentes o número de vocações estar a aumentar, a tendência global é ainda de quebra.
Para além desta quebra, o Pe. Artur Teixeira, presidente da Conferência dos Institutos de Vida Consagrada (CIRP), destaca o «elevado número de abandonos (cerca de 3 mil consagrados/ano)» que fez disparar as campainhas de alarme. «Crise? Qual?», questiona.
Apesar desta realidade, o Pe. Artur Teixeira está otimista quanto ao caminho que tem sido percorrido. «A 50 anos do Concílio Vaticano II e da publicação do Decreto Perfectae caritatis (sobre a renovação da vida consagrada), um longo caminho tem sido percorrido para correspondermos à fidelidade no chamamento e seguimento do Senhor da vida e da missão, através da pobreza, obediência e castidade, na comunhão e dedicação em Igreja, na generosidade da entrega à pessoa e a todos, especialmente aos que estão nas periferias, nas peugadas dos nossos fundadores/as», afirmou o sacerdote à FAMÍLIA CRISTÃ.
No que diz respeito ao ano, e apesar de não haver ainda uma programação oficial em termos da Igreja portuguesa, o Pe. Artur refere três pontos de partida para esta reflexão e celebração. «Fazer memória agradecida deste recente passado, abraçar o futuro com esperança e viver o presente com paixão», referiu.
Mas este Ano da Vida Consagrada não se refere apenas aos religiosos. Diz também respeito aos muitos leigos que escolhem dedicar a sua vida a Deus. Rosário Virgílio, presidente da Conferência Nacional dos Institutos Seculares em Portugal (CNISP), sublinha que, com os institutos seculares, «a evangelização adquire uma nova dimensão». «Não é alguém que, de fora, anuncia a Palavra ao mundo; mas é alguém que vive no coração do próprio mundo para o consagrar e ser aí a palavra viva e a presença real de Jesus Cristo», lembra Rosário Virgílio.
Neste sentido, «os institutos seculares são uma resposta à necessidade de levar o fermento da fé a meios não só descristianizados, mas secularizados e, por vezes, laicizados. A todos os leigos, mas especialmente aos membros dos institutos seculares, incumbe o dever de levar os conselhos evangélicos para o mundo do trabalho, da escola, da cultura e da ocupação profissional», defendeu a presidente da CNISP.
Sobre este ano que se inicia no final do mês, Rosário Virgílio considera que é importante «olhar para o passado agradecendo a Deus por tudo o que de bom teve, rever o que está errado sem medo e olhar para o futuro com esperança, vivendo o presente com paixão. Esse é o grande programa para o Ano da Vida Consagrada», sustentou.
Esta é uma ideia que já estava subjacente na mensagem do Card. João Braz de Aviz, brasileiro e prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. «No mundo há, muitas vezes, um défice de alegria. Não somos chamados a realizar gestos épicos nem a proclamar palavras altissonantes, mas a testemunhar a alegria que brota da certeza de se sentir amado, da confiança de ser salvo», diz o prefeito na sua mensagem.
Considerando que o mundo vive uma «crise de fidelidade» e de «humanização», «um caminho quotidiano, pessoal e fraterno, marcado pelo descontentamento, pela amargura que nos fecha na tristeza, como que numa permanente saudade, por estradas inexploradas e sonhos por realizar, torna-se um caminho solitário». «Num mundo que vive de desconfiança, de desânimo e depressão, numa cultura em que os homens e mulheres se deixam levar por fragilidades e fraquezas, por individualismos e interesses pessoais, é-nos pedido que introduzamos a confiança na possibilidade de uma felicidade verdadeira, de uma esperança possível, que não se apoie unicamente nos talentos, nas qualidades, no saber, mas em Deus. Todos O podem encontrar; basta procurá-Lo de coração sincero», defende o prelado brasileiro.
Ser religioso parece ser uma moda em desuso. Muitas famílias, que orgulhosamente apontavam que tinham contribuído com vocações para a Igreja Católica, hoje escondem essa questão e nem sequer incentivam os filhos, que são também eles em menor número, a procurar conhecer essa realidade e escutar essa proposta. Conseguir relançar a possibilidade de escolha por uma vida vocacional é uma aposta do Papa Francisco nos países mais laicizados, onde o religioso perdeu importância. Novos terrenos de missão, que há séculos exportavam missionários e religiosos, e agora recebem muitos dos países para onde enviaram, numa lógica de reciprocidade fruto dos tempos que se vivem.
Até porque, defende o Pe. Artur Teixeira, «se, como repetem vários conceituados historiadores da nossa praça, melhor nos compreendemos como lusitanos pelas vidas partilhadas de tantas pessoas consagradas que nos precederam e deixaram marcas inapagáveis, aqui e além-fronteiras, na cultura, nas ciências, nas artes, na arquitetura, na música, na difusão da língua, na defesa dos direitos humanos, na missionação mundial,… por que não deixarmo-nos interpelar, hoje de novo, por tais concidadãos e concidadãs, de comum carne e osso, que um dia disseram um “sim” para sempre a Quem mudou definitivamente o trajeto das suas vidas… e, já agora também, das nossas?», conclui.
fonte: Familia Cristã