Para que não naufrague no mar do ateísmo, a fé em Cristo e na Igreja precisa da oração. “O espírito está pronto, mas a carne é fraca”, diz o Senhor.
Tão importante é o tema da tentação, que mereceu ser incluído por Nosso Senhor na oração do Pai-Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação” (Mt 6, 13). Tão negligenciado, porém, é esse mesmo assunto, que bem se pode dizer que a única tentação da qual muitos ouviram falar foi aquela que seduziu Adão e Eva, no Jardim do Éden (cf. Gn 3, 1-7). As pessoas – e, deve-se dizer, os cristãos – vivem como se tentações não existissem – e, com elas, tampouco o pecado, o demônio ou o inferno.
Isso acontece porque o mundo está impregnado de materialismo e não consegue mais elevar os seus olhos para nada que esteja além da experiência dos sentidos. Verdadeiro, então, é o que se pode ver, ouvir, tocar, cheirar ou sentir… Todo o resto parece situar-se no campo da mera subjetividade. O próprio Deus é muitas vezes reduzido a um “sentimento”, a alguns arrepios que se sentem durante um culto religioso ou uma palestra motivacional. As realidades espirituais, porque invisíveis, deixaram de ser reais para o homem moderno, deixaram de ser úteis e, lamentavelmente, são muitos os que as abandonam.
Em seu pontificado, o Papa Bento XVI falou inúmeras vezes da existência de uma “crise de fé” [1]. Mas, o que Sua Santidade queria dizer com isso? Não existem, de fato, tantas pessoas no mundo que creem em Deus, que continuam a ir à igreja aos domingos e que acreditam na vida após a morte?
É verdade, o fenômeno religioso não foi completamente deixado de lado pela modernidade. A fé do homem moderno, porém, está construída sobre a areia (cf. Mt 7, 26-27). A religião tornou-se um como que “acessório”, algo que se compra no supermercado da vida e se pode descartar quando já se tiverem esgotado todos os seus benefícios práticos. Assim, quando um padre faz uma homilia sobre a cura de algum mal ou sobre “o amor” – esse termo que “se tornou hoje uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas” pelas pessoas [2] –, como esses temas soam agradáveis aos ouvidos, os bancos se enchem e oferecem palmas. Quando, porém, essa mesma multidão ouve alguma notícia no jornal, dizendo que a Igreja Católica não aceita isto ou aquilo, os mesmos que há pouco aplaudiam se enfurecem e destilam o seu ódio contra a religião.
É triste perceber que a grande massa de fiéis que frequenta as nossas igrejas não é muito diferente daquela multidão que pediu a crucificação de Jesus: depois de uma entrada triunfal em Jerusalém (cf. Mt 21, 1-11), Cristo terminou suspenso num madeiro, posposto a um criminoso e condenado pelo mesmo povo que O tinha recebido com festa às portas da cidade: “Este não, mas Barrabás!” (Jo18, 40). Do mesmo modo, quando ouvem as coisas boas, os frequentadores de igreja se alegram; quando o que escutam lhes fere, eles se entristecem e voltam para casa.
Há, sim, na Igreja, uma crise de fé, mas é uma crise de fé “vivida”, por assim dizer. São Tiago dizia com acerto que “a fé sem obras é morta” (Tg 2, 17). Ou seja, se alguém diz crer, mas não muda o seu comportamento, não conforma a sua vida àquilo em que crê, de nada adianta. Quando os hábitos e opiniões das pessoas que vão à igreja não diferem muito dos hábitos e opiniões daqueles que vivem no mundo, é preciso começar a perguntar o que está acontecendo com a catequese e com a evangelização. O que tem sido feito daqueles que deveriam ser o sal da terra e a luz do mundo (cf. Mt 5, 13-14)?
A resposta é simples: caíram em tentação. Como os discípulos na noite da agonia, os nossos católicos estão “dormindo”, envolvidos pela névoa do mundo e pelas trevas do erro e da ignorância (cf. Mt 26, 36ss).
Também hoje, o remédio que Cristo receitou a Pedro, Tiago e João é o mesmo que ele oferece à modernidade: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação; pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41). Quando um famoso santo e doutor da Igreja dizia que “quem reza certamente se salva e quem não reza certamente se condena” [3], ele não brincava nem pretendia falar por hipérboles. Quem deixa de rezar; quem não para sequer alguns minutos do dia para elevar a sua mente a Deus; quem deixa de considerar que está rodeado por seu anjo da guarda; que, dentro de seu coração, habita a própria Trindade; que as pessoas à sua volta têm alma e precisam ouvir a Palavra de Deus… Pouco a pouco, cai na descrença e no indiferentismo. Sem oração – sem lidar dia após dia com as verdades eternas –, a alma vai se “petrificando”, tornando-se insensível às inspirações divinas e fechando-se apenas às coisas deste mundo.
Por isso, é possível parafrasear São Tiago e dizer que, também, a fé sem oração é morta. Quem não reza fatalmente deixa de acreditar e, ao fim, acaba cedendo ao ateísmo, essa grande tentação dos nossos tempos.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Cf., v.g., Discurso durante Vigília para a Beatificação de John Henry Newman (18 de setembro de 2010); Carta Apostólica Porta Fidei (11 de outubro de 2011), n. 2; Carta Apostólica Fides per Doctrinam (16 de janeiro de 2013).
- Papa Bento XVI, Carta Encíclica Deus Caritas Est (25 de dezembro de 2005), n. 2.
- Santo Afonso de Ligório, Del gran mezzo della preghiera, I, 32.