A Revelação de Deus iniciou-se com a criação. Desde o princípio, o Criador manifestou-Se à criatura, a fim de animá-la a penetrar cada vez mais na vida da graça. Essa Revelação adquiriu um significado particularmente novo no contexto do pecado original. O que antes já estava nos planos divinos, isto é, a salvação do homem por meio da comunhão plena com o Senhor, tornou-se mais profundo, à medida que a criatura precisava agora não somente da salvação como também da redenção. Em resumo, Deus falou conosco de diversas maneiras para ensinar-nos a amar. Isso nos permite dizer que a “Revelação não é mais do que a educação do gênero humano” ao amor [1].

A pregação de Jesus, último estágio da Revelação Divina, ocorreu na “plenitude dos tempos” (Gl 4, 4). Cristo revelou os projetos de Deus através dos milagres que realizou, dos discursos que proferiu, da caridade que praticou e, sobretudo, pelo derramamento de Seu sangue no sacrifício da cruz. Ele salvou a humanidade — abrindo-lhe as portas do Céu — e a redimiu — purificando-a da mancha do pecado original. Jesus falou com clareza aos ouvidos humanos; mostrou que o único caminho para o Céu é o da renúncia de si mesmo, ou seja, do desapego das coisas deste mundo, para que possamos, uma vez unidos à glória divina, viver livremente, enraizados n’Ele, firmes na fé.

Neste tempo de nova evangelização, um apelo fortemente repetido pelos últimos papas, devemos voltar nossos olhos para a pedagogia de Deus, procurando perscrutar de que modo Ele transmitiu Seus ensinamentos. Com certeza, Seu método pedagógico, manifestado principalmente no ministério de Cristo, é a fonte segura para nossos projetos pastorais. Não precisamos inventar fórmulas novas nem pseudo adaptações do Evangelho, quando o modelo verdadeiramente eficaz — e provado na história pela vida dos santos — está à nossa inteira disposição. É claro que, em decorrência das fortes mudanças culturais, o evangelizador precisa esforçar-se para transmitir a Boa Nova numa linguagem sempre compreensível [2]. Mas isso não significa modificar o conteúdo da fé, mutilando artigos que pareçam inconvenientes. A pregação cristã nunca deve seguir o caminho da ambiguidade. A atualidade da Palavra de Deus é “a atualidade da verdade novamente dita e pensada de novo” [3].

Vejamos o exemplo de Jesus: Ele começa Seu ministério com a oração (cf. Mt 4, 1-2; Mc 1, 12s; Lc 4, 1-13). Isso serve, em primeiro lugar, para nos recordar que todo empreendimento espiritual, seja grande seja pequeno, deve partir do diálogo fecundo com Deus. Em um tempo em que é grande a tentação do fazer, a tentação de transformar o cristianismo em um moralismo da ação, o escondimento de Cristo durante os seus primeiros trinta anos leva-nos a reconsiderar a importância da oração no apostolado. Dobrar os joelhos para conversar com o Senhor é o remédio eficaz contra a vanglória de achar que somos os salvadores da humanidade. “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5). Essa exortação de Jesus aos apóstolos, radicada na certeza de que somente na comunhão com Ele é possível produzir muitos frutos, deve ficar muito bem gravada em nossos corações (cf. Jo 15, 5).

A pregação de Cristo também precisa nortear nosso apostolado. É muito comum escutarmos que, na apresentação dos artigos do credo, deve-se dar primazia mais àquilo que manifesta a beleza da verdade e a comunhão do que a discordâncias desnecessárias. O encontro com o amor, dizem, é suficiente para a conversão. Isso é verdade até certo ponto. Primeiro, é verdade se esse amor significa a Pessoa de Cristo, a sua doação e sacrifício por nós, com todas as suas exigências, sem atenuações politicamente corretas. Segundo, o encontro com o amor provoca mesmo uma mudança em nós. Mas essa mudança nem sempre é a conversão. Notem a atitude dos fariseus: mesmo com todos os milagres de Jesus, com o reavivamento de Lázaro, eles tramam a Sua morte (cf. Jo 12, 37s). Ora, os fariseus também tiveram um encontro pessoal com Cristo. Porém, faltava-lhes o dom da fé para quebrar a soberba e o orgulho.

É uma grande ingenuidade achar que tudo pode se resolver simplesmente com uma pregação bonita e agradável aos ouvidos das pessoas. Ninguém melhor que Jesus para manifestar Sua misericórdia. E, ainda assim, os homens o rejeitaram. Se fôssemos dar ouvidos a alguns apologistas modernos, seríamos obrigados a dizer que o método de Jesus falhou porque foi rígido demais. No entanto, Ele não evitou polêmicas; disse abertamente: “Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas separação” (Lc 12, 51). No chamado discurso eucarístico, não temeu perder discípulos ao pregar a salvação por meio de sua carne: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6, 54). A misericórdia, portanto, não é uma graça barata. Trata-se, ao contrário, de um anúncio que nos leva à penitência. Com efeito, a obstinação dos fariseus não nos coloca diante do fracasso de Jesus; coloca-nos diante da liberdade humana. Eles não creram porque não quiseram, porque aquelas palavras eram duras demais. “Quem o pode admitir?” (Jo 6, 60).

Existe, sim, uma hierarquia das verdades da doutrina católica, cujo anúncio, mesmo nos assuntos morais, deve ser feito de maneira tal, a fim de evitar desproporções entre a lei e a graça. Não podemos colocar fardos pesados sobre as costas dos fiéis. Por outro lado, isso não exclui a responsabilidade do pastor de sempre levá-los à busca da perfeição, pois, como ensinou São João Paulo II, “seria um erro gravíssimo concluir (…) que a norma ensinada pela Igreja é em si própria apenas um ‘ideal’ que deve posteriormente ser adaptado, proporcionado, graduado — dizem — às concretas possibilidades do homem” [4]. Na Encíclica Veritatis Splendor, lemos o seguinte:

Neste contexto, abre-se o justo espaço à misericórdia de Deus pelo pecado do homem que se converte, e à compreensão pela fraqueza humana. Esta compreensão não significa nunca comprometer e falsificar a medida do bem e do mal, para adaptá-la às circunstâncias. Se é humano que a pessoa, tendo pecado, reconheça a sua fraqueza e peça misericórdia pela própria culpa, é inaceitável, pelo contrário, o comportamento de quem faz da própria fraqueza o critério da verdade do bem, de modo a poder-se sentir justificado por si só, mesmo sem necessidade de recorrer a Deus e à Sua misericórdia. Semelhante atitude corrompe a moralidade da sociedade inteira, porque ensina a duvidar da objetividade da lei moral em geral e a rejeitar o caráter absoluto das proibições morais acerca de determinados atos humanos, acabando por confundir todos os juízos de valor [5].

Apascentar, dizia São Pio X, é, antes de mais nada, ensinar a doutrina. Uma vez que a Igreja é naturalmente missionária, “a vocação cristã só pode nascer dentro duma experiência de missão” [6]. A evangelização é uma ordem divina e, precisamente por isso, um direito e um dever da Igreja. Esse direito-dever se torna ainda mais grave diante das provações. Todos os santos foram grandes missionários. Mesmo na velhice, Santa Hildegarda de Bingen não deixou de fazer viagens missionárias para exortar os cristãos “a uma vida em conformidade com a própria vocação” [7]. O seu anúncio claro e, por vezes, severo tratou de debelar o erro reformista dos cátaros, “recordando-lhes que uma verdadeira renovação da comunidade eclesial não se obtém tanto com a mudança das estruturas, quanto com um sincero espírito de penitência e um caminho concreto de conversão” [8].

O filólogo alemão Rosenstock-Huessy indica em seus estudos que os momentos de crise social são justamente aqueles em que a sociedade deseja ouvir mas não existe quem lhe dirija a palavra [9]. O povo de Deus pede uma resposta de seus pastores, segundo aquele desejo natural de abertura ao sagrado, dada a importância desse mesmo desejo ser purificado pela Revelação. Aqui se insere o serviço prestado pelo Magistério. É obrigação da Igreja orientar a sociedade. É obrigação dos sacerdotes “ajudar com o próprio exemplo aqueles que governam, purificando os próprios costumes de todo o mal e tornando-os bons […] para que alcancem, com o povo que lhes é confiado, a vida eterna”, como também é obrigação dos demais “iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados”, a fim de que “sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor” [10].

Nas pegadas de Jesus, a Igreja procura “expor muito bem o que se deve crer, esperar ou fazer; mas, sobretudo, […] pôr sempre em evidência o amor de nosso Senhor, de modo que cada qual compreenda que qualquer ato de virtude perfeitamente cristão, não tem outra origem nem outro fim senão o amor” [11]. Não podemos nos conformar com este mundo. Não podemos calar a voz dos profetas. Não podemos ignorar o dilúvio de sangue, com o qual Jesus lavou nossas imundícies. A salvação da humanidade está, sim, no Corpo Místico de Cristo, que é a sua única Igreja. Anunciando isso, estamos anunciando a verdadeira misericórdia.

Por Equipe Christo Nihil Praeponere
fonte: padrepauloricardo.org/blog

Referências

1.  SPIRAGO, Francisco. Catecismo Católico Popular (trad. port. de Artur Bivar). 3.ª ed., Lisboa: União Gráfica, 1938, vol. 1, p. 54.
2. Cf. Comissão Teológica Internacional, Fé e Inculturação, 1988.
3.  Joseph Ratzinger, A atualidade doutrinal do Catecismo da Igreja Católica dez anos após a sua publicação (9 out. 2002).
4.  São João Paulo II, Carta Encíclica Veritatis Splendor (6 de agosto de 1993), n. 103.
5.  Id., n. 104.
6. Papa Francisco, Mensagem para o 52.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações (26 de abril de 2015).
7. Papa Bento XVI, Audiência Geral (8 de setembro de 2010).
8. Idem.
9.Cf. ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. A Origem da Linguagem. São Paulo: Record, 272 pp.
10.Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium (21 de novembro de 1964), nn. 26-31.
11.Catecismo Romano, n. 10.