O amor é um ato de determinação; requer-se uma vontade deliberada de amar

O chamado de Jesus consiste unicamente no amor, de modo que as palavras dirigidas a Mateus – “Segue-me” (Cfr. Mt 9, 9) – podem também significar o imperativo do verbo amar: ame! Seguir Jesus é amar. A vocação cristã, portanto, se resume nessa atitude de doação, que só um coração contrito e apaixonado por Deus é capaz de ofertar aos outros.

O Catecismo da Igreja Católica, aprofundando um pouco mais neste mistério, explica que somos vocacionados do amor, porque fomos “criados à imagem e semelhança de Deus”[1]. Visto que Deus é amor, como narra São João, também nós somos predestinados a tomar parte nesta natureza, tornando-nos, em Cristo, filhos de Deus e, por conseguinte, membros de seu Corpo. Nesse sentido, que belo exemplo nos dá a Virgem Maria, como modelo de perfeição, ao acolher com total obediência – “eis aqui a escrava do Senhor” (Cfr. Lc 1, 38) – o propósito divino para sua história. Ela escolheu a melhor parte.

Por outro lado, lembra-nos o livro de Gênesis (Cfr. Gn 3, 10) a vocação do homem ao amor foi abalada a partir do momento em que – assistido pelos conselhos perniciosos da serpente – ele optou por ser um deus sem Deus. Com efeito, o amor ao Criador e suas criaturas, que era antes doação, converteu-se em amor próprio: amo-me acima de todas as coisas. Esse amor doentio (filáucia), que os padres da Igreja consideram a mãe de todas as doenças espirituais, permeia todo o orbe católico, até mesmo os lugares onde se exala certa piedade e zelo apostólico[2]. As liturgias impecáveis, a oração do terço, a opção preferencial pelos pobres, por sua vez, podem muitas vezes esconder um teatro com aparência de santidade. Diz o Papa Pio XII[3]:

[…] Sabeis, veneráveis irmãos, que o divino Mestre considera indignos do templo sagrado e expulsa dele os que crêem honrar a Deus somente com o som de bem construídas palavras e com atitudes teatrais e estão persuadidos de poder prover de modo adequado à sua salvação sem arrancar da alma os vícios inveterados.

O cristianismo não é uma religião de formalismo sem fundamento e sem conteúdo. Quando São Josemaria Escrivá pede que tenhamos uma oração litúrgica, nada mais faz do que obedecer à lei de Deus, exortando-nos a conhecer “a genuína natureza da verdadeira Igreja”[4]. Na liturgia, celebramos o mistério pascal, com o qual Cristo nos redimiu e tornou-nos coerdeiros das graças divinas. Mas essa celebração deve estar acompanhada por uma atitude interior de entrega e amor a Deus, de sorte que o homem respire a beleza de uma vida em comunhão com o Senhor. Ensina o Catecismo da Igreja Católica: “a liturgia é o ápice para o qual tende a ação da Igreja, e ao mesmo tempo é a fonte donde emana toda a sua força”[5]. Mas sem o amor, torna-se pouco eficaz, pois, com a liturgia – insiste oportunamente Pio XII –, a Igreja “quer que todos os fiéis se prostrem aos pés do Redentor para professar-lhe o seu amor e a sua veneração”[6].

Pelo contrário, se este propósito não estiver em todo coração católico, por mais belas que sejam as casulas e os ornamentos do altar, a celebração não passará de um monólogo: uma conversa comigo mesmo, em cujo cerne se encontra apenas a minha própria vontade. Analisando muitas atitudes ao nosso redor – e até mesmo a nossa – perceberemos que infelizmente não estamos muito distantes disso.

O amor é um ato de determinação; requer-se uma vontade deliberada de amar. Não se trata de um sentimento, mas de uma resposta à ação de Deus, bebendo “incessantemente da fonte primeira e originária que é Jesus Cristo”[7]. Recorda-nos Bento XVI, na sua encíclica Deus Caritas Est, que “quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom”[8]. A esse respeito, une-se à voz do Santo Padre a “pequena via” de Santa Teresinha[9]:

[…] Oh! Como eu gostaria de ser hipnotizada por Nosso Senhor! Foi o primeiro pensamento que me veio quando acordei. Com que doçura eu lhe entregaria a minha vontade! Sim, eu quero que ele se apodere de minhas faculdades de tal modo que não faça mais ações humanas e pessoais, mas, ações divinas, inspiradas e dirigidas pelo Espírito de Amor!

Quando posto à prova pelos fariseus em relação ao maior de todos os mandamentos, Cristo não hesitou em dizer: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” (Cfr. Mt, 22, 37-39). Esta é a nossa única tarefa diária: amar, amar, amar!

Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências

  1. Catecismo da Igreja Católica, n. 27.
  2. Padre Paulo Ricardo, Filáucia, a mãe de todas as doenças espirituais, Curso de Terapia das doenças espirituais, aula 1.
  3. Pio XII, Carta Enc. Mediator Dei (20 de novembro de 1947), n. 21.
  4. Constituição Conciliar Sacrosanctum concilium, n. 2.
  5. Catecismo da Igreja Católica, n. 1074.
  6. Pio XII, Carta Enc. Mediator Dei (20 de novembro de 1947), n. 21.
  7. Bento XVI, Carta Enc. Deus Caritas Est (25 de dezembro de 2005), n. 7.
  8. Ibidem.
  9. Uma noviça de Santa Teresinha, Carmelo de Cotia, p. 111