Os atos de caridade devem ser os frutos maduros de qualquer direção espiritual. Neste caminho, porém, um dos grandes inimigos da vida da graça é a tibieza (do latim tepidum, que quer dizer “morno”). Hoje, tal problema se tornou quase uma epidemia. Os bancos de nossas igrejas estão cheios de pessoas – incluindo sacerdotes – que, durante todo o dia, não são capazes de fazer sequer um ato de amor a Deus.
Após a conversão, muitas pessoas fazem um “voo de galinha”: do alto, voam diretamente ao chão e, ao invés de crescer, regridem. Na vida espiritual, de fato, os grandes autores são unânimes em afirmar que, quem não progride, volta atrás – como alguém parado em uma escada rolante descendente. Muitos, no entanto, ainda que não estejam parados, não conseguem sair do lugar em que se acham: a escada não os leva para baixo, mas eles também não ascendem, nem se fazem mais santos. Por que isso acontece?
Porque, ainda que tais pessoas pratiquem atos de devoção, estes são tíbios, frouxos e remissos. Observa o padre Royo Marín:
“Vemos, com efeito, uma multidão de boas almas que vivem habitualmente em graça de Deus, que talvez passam quarenta ou cinquenta anos de vida religiosa em um monastério, sem haver cometido em todos eles uma só falta grave, e havendo praticado infinidade de obras e atos de sacrifícios, etc., etc., e que, no entanto estão muito longe de ser santas. (…) Como se explica este fenômeno depois de tantas boas obras praticadas durante aquelas longos anos de vida cristã, religiosa ou sacerdotal? A explicação teológica é muito simples: praticaram uma multidão de boas obras, é verdade; mas de uma maneira frouxa e tíbia, não com atos cada vez mais fervorosos, senão, ao contrário, talvez mais remissos e imperfeitos. O resultado foi que o termômetro de sua caridade – e, por conseguinte, o grau de graça e das demais virtudes – permaneceu completamente parado no essencial. São tão tíbios e imperfeitos como no princípio de sua conversão ou de sua vida religiosa.” [1]
A tibieza acontece porque o amor a Deus é um fogo que, não tendo o que queimar, se apaga. A fogueira da caridade precisa de combustível; caso contrário, se extingue. Por isso, ensina Royo Marín:
“Vale mais um ato intenso que mil atos tíbios ou remissos. O ato intenso aumentará nosso grau habitual de caridade, enquanto os tíbios serão absolutamente impotentes para isso. Vale, pois, infinitamente mais uma só Ave-Maria rezada com ardente devoção que um rosário inteiro rezado distraidamente e com languidez rotineira. Por isso é conveniente não sobrecarregar-se com rezas voluntárias ou devoções particulares. O que interessa é a devoção, não as devoções.” [2]
São Pedro de Alcântara, ao tratar sobre o exercício da meditação, também alerta:
“Quando nos pomos a considerar algumas das coisas que já mencionamos como matéria de meditação em seus devidos tempos e exercícios, não devemos estar tão presos a estas matérias que consideremos como serviço mal feito deixarmos uma para tomarmos outra, quando nisto encontrarmos maior gosto ou maior proveito, porque, como a finalidade de tudo é a devoção, o que mais servir para este fim, será isto que se deve considerar como sendo o melhor. Porém isto não se deve fazer por motivos levianos, mas com vantagem conhecida. Sendo assim, se em alguma passagem de sua oração sentirmos maior gosto ou devoção do que em outro, detenhamo-nos nele por todo o espaço de tempo em que dure este afeto, mesmo que todo o tempo do recolhimento se gaste nisto. Porque, como o fim de tudo isto é a devoção, conforme já o explicamos, seria um erro buscar em outra parte, com esperança duvidosa, o que já temos como certo em nossas mãos.” [3]
Não importa tanto, pois, que a oração seja longa, mas que seja intensa. Santo Tomás, ao perguntar se a oração deve ser diuturna, responde o seguinte:
“Podemos falar da oração de dois modos: em si mesma ou segundo a sua causa. A causa da oração é o desejo da caridade, do qual a oração deve proceder. Esse desejo, de fato, deve ser contínuo em nós, atual ou virtualmente, pois o influxo deste desejo está em tudo o que fazemos por caridade, como está escrito: ‘Devemos fazer tudo para a glória de Deus’ (1 Cor 10, 31).”
(…)
“Mas a oração considerada em si mesma não pode ser diuturna, porque outras ocupações nos reclamam. (…) Ora, a medida de cada coisa deve ser proporcional à sua finalidade, como a medida do remédio deve ser de acordo com a saúde. Por isso, convém que a oração dure tanto quanto seja útil para excitar o fervor do desejo interior. Mas, se esta medida for excedida, de modo que a oração não possa durar sem causar tédio, ela não deve ser prolongada.” [4]
É importante não confundir este “fervor”, de que fala o Aquinate, com um excessivo “sentimentalismo”. A chave para uma boa oração não está tanto nos arrepios que se sentem ou nas lágrimas que se choram, mas nos atos voluntários que a alma se determina a fazer. Como explica Santa Teresa de Ávila:
“Para aproveitar muito neste caminho e subir às moradas que desejamos, não está a coisa em pensar muito, senão em amar muito; e assim, o que mais vos despertar ao amor, isso deveis fazer. Talvez não saibamos o que é amar, e não me espantarei muito; porque não está no maior gosto, mas sim na maior determinação de desejar contentar a Deus em tudo e procurar, tanto quanto pudermos, não O ofender, e rogar-Lhe que vá sempre por diante a honra e glória de Seu Filho e o aumento da Igreja Católica.” [5]
Quanto à duração da oração, o padre Royo Marín comenta ser importante “não mais, mas tampouco menos. De onde se deve prevenir contra a sobrecarga, mas também contra a tibieza e a negligência, que podem encontrar fácil pretexto para encurtar o tempo destinado à oração” [6]. Mais que o tempo, porém, como já foi dito, importa que os nossos atos de devoção sejam intensos e gratuitos. Para tanto, é preciso sempre oferecer algo a Deus – uma preocupação ou uma enfermidade, por exemplo –, alimentando com bastante “lenha” o fogo do amor divino. “O que interessa é a devoção“, mais do que quaisquer devoções, meramente exteriores.
Referências:
- Teología de la Perfección Cristiana, n. 260
- Ibidem, n. 262
- Avisos para o exercício da meditação, 2
- Suma Teológica, II-II, q. 83, a. 14
- Castelo Interior, IV, 1
- Teología de la Perfección Cristiana, n. 262