Não sei se ouvi bem ou entendi direito a celeuma para saber se Corpus Christi é ou não é feriado. Não é minha intenção, não é do meu feitio e nem faz parte da minha missão polemizar simplesmente. Fui ao dicionário e recorri às redes sociais, tentando entender, para melhor explicar o que significa feriado. Feriado “é um dia em que há férias”, “em que não se trabalha”, “consagrado ao lazer”, “livre”, “em que, por determinação civil ou religiosa, se suspende o trabalho”. Dia santo “é dia santificado”, “consagrado ao culto”, “em que a Igreja proíbe o trabalho”. Há realmente uma sutil diferença semântica entre “feriado” e “dia santo”.
Por estas definições, Corpus Christi ou é feriado ou é dia santo de guarda. E não estamos falando de um feriado qualquer e nem de qualquer dia santo. O pior é o carnaval que nem feriado é, e todo mundo o guarda “religiosamente”. Quando falamos de Corpus Christi, estamos falando do dia do corpo e do sangue de Nosso Senhor Jesus que, na cruz, foram doado e derramado para a nossa salvação. Tudo começa quando o Verbo se fez carne e veio habitar no meio de nós (Jo 1,14) e termina na cruz, quando de fato seu corpo é doado e seu sangue é derramado (1Cor 11,23-25). Uma longa história, com sérias consequências para a vida cristã.
Segundo a Carta aos Hebreus, estas foram as primeiras palavras que Jesus pronunciou aqui na terra: “por esta razão, ao entrar no mundo, Cristo declara: não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste um corpo para mim” (Hb 10,5). Jesus realmente tem um corpo e dele fala primeiramente. Mesmo depois de ressuscitado, em uma de suas aparições, Jesus mostra as marcas da paixão: as mãos perfuradas pelos cravos e o lado aberto pela lança (Jo 20,19). É dele as seguintes afirmações: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem come deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue pela vida do mundo” (Jo 6,51). Uma das primeiras heresias foi exatamente a negação que Jesus tinha um corpo. Jesus tem um corpo e este é dado por nós e para nós. Seu corpo é verdadeira comida, seu sangue verdadeira bebida, doados voluntariamente para a salvação do mundo.
Para além de qualquer querela, tenho dito e repito, apesar de não ser tão original, pois, já é do senso comum, que estamos vivendo um tempo muito estranho. A crise porque passa a sociedade brasileira não é simplesmente crise econômica, mas de sentido e de valores. Embora o Brasil seja um Estado laico e pluriconfessional, para os católicos Corpus Christi se não é feriado, é, ao menos, dia santo de guarda. Não somos contra o progresso, o desenvolvimento, a economia, o dinheiro e o comércio de portas abertas; somos, sim, a favor da nossa Igreja, da nossa fé e dos nossos dias santos. Não se vive somente para trabalhar. Vive-se também para descansar, conviver, curtir, passear com a família, rezar e professar a fé. No trabalho ou no labor, no descanso ou no louvor, feriado ou dia santo, Corpus Christi é uma oportunidade para o descanso do corpo, as mútuas relações e para celebrar a fé. Pois, “sem trabalho, compromisso, ação, a vida se torna fuga e evasão. Sem oração, louvor, esperança, a vida se torna escravidão e fadiga sem razão” (Igreja: comunhão e missão na evangelização dos povos, no mundo do trabalho, da política e da cultura. CNBB, Documento 40, número 106).
Gostaríamos de recordar que a primeira campanha missionária, ocorrida aqui em Palmas, quando da criação da arquidiocese, a dezenove anos atrás, era “salvar a fé católica de Palmas”. Sem querer ser proselitista, me convenço cada dia mais que está na hora de retomarmos esta campanha.
Muitas vezes, durante o ano, nas celebrações eucarísticas, rezamos as seguintes orações: “Concedei-nos, ó Deus, a graça de participar dignamente da Eucaristia, pois, todas as vezes que celebramos este sacrifício, em memória do vosso Filho, torna-se presente a nossa redenção”. E mais: “Possamos, ó Deus onipotente, saciar-nos do pão celeste e inebriar-nos do vinho sagrado, para que sejamos transformados naquele que agora recebemos”. E ainda mais, na bênção do Santíssimo Sacramento que iremos receber, no dia de Corpus Christi, rezamos pelo chefe da Nação e do Estado, pelas pessoas constituídas em dignidade para que governem com justiça. Rezamos também pelo povo brasileiro para que viva em paz constante e em prosperidade completa. E, finalmente, rezamos pelo Brasil, pelo arcebispado, pela paróquia em que habitamos, por cada um de nós em particular e por todas as pessoas por quem somos obrigados a orar ou que se recomendaram às nossas orações, para que sejam favorecidos com os efeitos contínuos da bondade do Senhor. Enfim, mesmo não sendo feriado, esta será a oração que iremos rezar pelo Brasil e por Palmas.
Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas (TO)
fonte: CNBB