Algumas passagens do livro-entrevista do Papa Francisco – O nome de Deus é Misericórdia nos fazem entender que a misericórdia de Deus não pode ser dissociada da justiça (a qual exige que aquele que faz um bem receba um prêmio e que aquele que causa o mal seja punido) e da verdade (que, por sua vez, exige que o mal seja reconhecido como mal).

Andrea Tornielli, que entrevistou o Papa, relembra uma das suas homilias em Santa Marta, na qual Francisco, explicando o encontro de Jesus com a mulher adúltera que estava prestes a ser apedrejada, recorda que Cristo “defende o pecador de uma condenação justa”. O Papa, portanto, diz-nos que o pecado merece uma sentença que, por justiça, não pode senão ser proporcionalmente severa, tanto quanto a gravidade do pecado.

O Papa também esclarece que são necessárias duas atitudes para que a graça de Deus possa operar, ou seja, a fim de que o nosso pecado seja perdoado:

O reconhecimento sincero e com pesar do próprio erro e a emenda, ou seja, a vontade de mudar, de não mais pecar. Sobre a primeira atitude, Francisco afirma que se não há a consciência do pecado, obviamente, não pode haver o perdão.

Essa é, talvez, a ferida mais profunda do momento histórico em que vivemos, explica o Santo Padre, recordando que Pio XII “há mais de meio século, disse que o drama da nossa época era termos perdido o sentido do pecado, a consciência do pecado”. Em seguida, acrescenta, referindo-se precisamente à condição interior que leva a sentir dor pelos pecados cometidos, que “quando alguém sente a misericórdia de Deus, tem uma grande vergonha de si mesmo, de seu próprio pecado. […] Aquele que se confessa é bom que se envergonhe de seu pecado: a vergonha é uma das graças que se deve pedir, é um fator bom, positivo, que nos torna humildes”. Depois, citando Santo Agostinho, acrescenta: “Quando pecamos, devemos ficar descontentes conosco mesmos, porque os pecados desagradam a Deus”.

Francisco também ilustra que para confessar-se com as disposições adequadas:

O penitente deve “ser capaz de olhar com sinceridade a si mesmo e ao seu pecado. E que se sinta pecador. A misericórdia está diante de você, mas se você não quer recebê-la, se você não se reconhece pecador, significa que você não deseja recebê-la, significa que você não sente necessidade dela”.

Portanto, o amor de Deus por nós não nos impede de reconhecer em verdade os males que cometemos. Para o Papa, “A Igreja condena o pecado porque ela deve dizer a verdade”. Por exemplo, no caso da homossexualidade. “Eu prefiro, afirma o Papa, que os homossexuais venham se confessar. […] Pode-se aconselhar a eles a oração, a boa vontade, indicar o caminho”.

A falta da contrição (dor pelo pecado cometido) ou atrição (dor pelo pecado cometido porque se está com medo do castigo de Deus) – não pode levar à remissão dos pecados. Isto é bem evidente quando o Papa explica que, algumas vezes, o confessor não pode absolver e se deverá limitar a uma bênção. Em relação à segunda abordagem que exige o empenho por uma conversão séria e profunda da própria vida, Francisco chama a atenção dos fiéis que entendem a confissão como uma lavanderia: a pessoa entra no confessionário, diz os seus pecados e automaticamente esses são lavados. Isso não acontece se não existe um propósito radical de abandonar a via do mal.

Mais especificamente, o Papa faz uma distinção importante: Existe aquele que cai e se levanta e cai novamente, mas não abandona a luta espiritual. E depois existe aquele – o “corrupto” – que se sente bem, ou seja, não se arrepende do próprio pecado e, portanto, não quer se converter: “O corrupto […] é aquele que peca e não se arrepende, aquele que peca e finge ser cristão e com a sua dupla vida dá escândalo”. Dessa forma, se subtrai voluntariamente à misericórdia de Deus.

Texto autorizado por Tommaso Scandroglio. Jurista católico italiano, doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de Pádua, especialista em Ética. Docente de Bioética e Ética na Università Europea di Roma.
Tommaso Scandroglio, La Nuova Bussola Quotidiana