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Nietzsche acusava a moral cristã de “castrar” o amor sexual entre homem e mulher e transformá-lo em “vício”. Mas, será isso verdade? Qual o autêntico sentido da doutrina moral da Igreja a respeito da sexualidade?

A ética sifilítica de Friedrich Nietzsche acusava a moral cristã de “castrar” o amor sexual entre o homem e a mulher e transformá-lo em “vício” [1] – uma acusação que, sem dúvida, ainda encontra seus promotores nos tempos atuais.

Quando o tema é religião e sexualidade, o burburinho geral parece realmente voltar-se contra a Igreja Católica: a sua doutrina moral parece “severa” demais; as suas exigências soam muito “duras” aos ouvidos, quase insuportáveis. É tão grande o problema dos contemporâneos com a moral cristã, que há quem tenha inclusive a pretensão de virá-la totalmente de ponta-cabeça, sob o pretexto de fazer adequações aos tempos modernos.

Diante desse quadro, surgem, inevitáveis, os questionamentos.

Por que as leis da Igreja são “tão rígidas”? Por que ela não “relaxa” as suas normas em matéria sexual?

Para responder a essas perguntas, é preciso, em primeiro lugar, desfazer um grande mal entendido.

A Igreja não é contra o ato sexual, nem o vê como algo mau, sujo e pecaminoso. Em muitos períodos de sua história, é verdade, ela teve que se confrontar com pessoas que pensavam o contrário; pessoas que, levadas por uma concepção gnóstica de mundo, viam “com olho torto” tudo o que estava ligado ao corpo humano e à matéria sensível. Sempre que o martelo do Magistério “batia”, porém, o consenso dos santos e doutores era o mesmo. Nos anos áureos da Idade Média, por exemplo, veremos o II Concílio de Latrão repreender como heréticos aqueles que, “sob o pretexto de zelo religioso, condenam (…) o vínculo das legítimas núpcias” [2]; e, ainda, Santo Tomás de Aquino repetir, com Santo Agostinho, que “o que é o alimento para a conservação do indivíduo é o ato conjugal para a perpetuação da espécie” [3]. Para a sã doutrina católica, portanto, nunca houve dúvidas: “O próprio Deus é o autor do matrimônio” [4].

Tudo aquilo que é sagrado, porém, a Igreja cobre com um véu. Ela aprendeu de seu próprio fundador que não se deve lançar aos cães as coisas santas, nem atirar pérolas aos porcos (cf. Mt 7, 6). Quando repete as palavras do próprio Senhor – que condenou desde o adultério até o aparentemente mais inofensivo pecado por pensamento (cf. Mt 5, 27) –, ela não faz senão recordar o respeito e a sacralidade com que o sexo deve ser vivido pelos seres humanos.

Para nós, de fato, diferentemente do que acontece com os outros animais, o ato sexual se reveste de uma nobreza e dignidade únicas. Na união entre um homem e uma mulher, mais do que uma mera “união carnal”, acontece a doação íntima das suas próprias pessoas. Com a linguagem dos seus corpos, homem e mulher dizem um para o outro: “Sou teu”. Se essa entrega não é total – isto é, se não inclui também a dimensão espiritual do ser humano –, ao fim, restam: no Céu, um Deus ofendido; na terra, um casal frustrado; e, no abismo, dois corações vazios.

Por essas observações, fica claro que o 6º e o 9º mandamentos não fazem parte simplesmente de um “código positivado” pela Igreja. Antes de serem inscritas em qualquer Catecismo ou mesmo nas tábuas de Moisés, os imperativos “não pecar contra a castidade” e “não cobiçar a mulher do próximo” foram talhados no próprio coração dos homens. Mesmo antes de ser embalado e rotulado com uma mensagem de “perigo”, o veneno nunca deixou de ser letal.

Foi o que o Papa Bento XVI observou, em resposta à crítica de Nietzsche à moral cristã, acima referida. Lançando um olhar à antiga divinização do sexo nas religiões pagãs, o Papa escreve que a fé judaico-cristã “não rejeitou de modo algum o eros enquanto tal, mas declarou guerra à sua subversão devastadora, porque a falsa divinização do eros, como aí se verifica, priva-o da sua dignidade, desumaniza-o” [5].

A solução para resgatar o amor eros (ἔρως) é transcendê-lo com um amor superior, de oblação – oágape (αγάπη). Ao invés de “deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto”, todo amor precisa passar pela “estrada da renúncia”, das “purificações e amadurecimentos”. “Isto – explica o Papa – não é rejeição do eros, não é o seu ‘envenenamento’, mas a cura em ordem à sua verdadeira grandeza” [6].

Mencione-se, a esse respeito, o artigo publicado pela revista científica Journal of Family Psychology, comprovando que casais que viveram a castidade no namoro têm casamentos muito mais felizes e satisfatórios. Segundo a pesquisa, “pessoas que praticaram abstinência até a noite do casamento deram notas 22% mais altas para a estabilidade de seu relacionamento do que os demais”. “Independentemente da religiosidade – confirma o condutor da entrevista, Dean Busby –, esperar (para ter relações sexuais) ajuda na formação de melhores processos de comunicação e isso ajuda a melhorar a estabilidade e a satisfação no relacionamento no longo prazo”.

– Mas isso tudo continua parecendo muito difícil – alguém poderá objetar.

Continua difícil, ou porque não temos empregado os meios adequados, ou porque o nosso amor é pouco. Para quem há muito vem lutando para viver a castidade, mas tem caído miseravelmente, recomenda-se – além do nosso curso sobre a Teologia do Corpo, de São João Paulo II – a meditação do Tratado da Castidade, de Santo Afonso Maria de Ligório, que contém orientações preciosas para todos os que querem fazer a vontade de Deus. Aí, ele fala da importância de vigiar sobre os pensamentos, os olhares e as amizades, cuidado sem o qual se torna praticamente impossível conservar a alma pura.

Se alguém, todavia, ainda não se convenceu da importância de querer e lutar pela castidade, que considere a grande Aventura do Amor à qual é chamado. A pureza não “castra” o ser humano, mas abre o seu coração à plenitude do verdadeiro amor: ordena todas as energias do ser humano à entrega de si e ao serviço do próximo, incluindo, no casamento, a generosidade de uma vida conjugal fecunda e aberta ao dom dos filhos: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo” (Mc 9, 37).

Que seja este, de fato, o motor da nossa religião: não um “moralismo” frio e legalista, mas uma caridade intensa e fervorosa por Jesus e por Sua palavra. “Vive a tua fé, alegre, grudado a Jesus Cristo. Ama-O de verdade – de verdade, de verdade! –, e assim serás protagonista da grande Aventura do Amor, porque estarás cada dia mais apaixonado” [7]. Eis o grande segredo de toda a moral cristã!

Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências

  1. Cf. Para Além do Bem e do Mal, 168.
  2. II Concílio de Latrão (4 de abril de 1139), cân. 23 (DS 717).
  3. Suma Teológica, II, II, q. 153, a. 2.
  4. Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes (7 de dezembro de 1965), n. 48.
  5. Carta Encíclica Deus Caritas Est (25 de dezembro de 2005), n. 4.
  6. Ibid., n. 5.
  7. São Josemaría Escrivá, Forja, n. 448.