Ver inocentes sofrendo e morrendo toca o coração. Por que precisamente eles têm de sofrer? Qual é o sentido da sua dor? Se Deus existe, se Ele nos ama, por que não impede estas injustiças?
Toda pessoa está chamada a aliviar o sofrimento dos inocentes e a lutar contra as suas causas. No entanto, o seu sentido só pode ser descoberto na perspectiva da vida eterna: essa injustiça causada pela liberdade humana mal utilizada foi transformada por Cristo em caminho que conduz cada pessoa à ressurreição – e a humanidade, à felicidade definitiva.
O sofrimento das crianças – e, em geral, dos inocentes – suscita muita dor e incompreensão, o que leva algumas pessoas a negar que Deus existe, enquanto outras se convencem precisamente de que tem de existir uma vida eterna, na qual se fará justiça e o amor finalmente triunfará.
A maneira como as doenças, a fome, as guerras, os abusos, o abandono, a morte afetam os inocentes interroga e inquieta profundamente o homem e põe sua fé à prova. “Como posso acreditar em Deus, quando Ele permite a morte de uma criança inocente?”, questionava Ivan em “Os irmãos Karamazov”, de Dostoiévski. Como ele, muitos rejeitam Deus ou o culpam, ao não encontrar resposta diante do grito dessas vítimas.
O sofrimento dos inocentes apresenta muitas perguntas, também aos que têm fé, como, por exemplo: por que algumas pessoas sofrem tanto e outras não? O sofrimento dos inocentes – crianças, mártires, Nossa Senhora e o próprio Cristo – continua sendo um mistério. Adentrar-se nele significa aprofundar no mistério do mal.
Para o Beato Carlo Gnochi, capelão italiano que atendeu muitas crianças feridas durante a Segunda Guerra Mundial, “quando se chega a compreender o significado da dor das crianças, tem-se nas mãos a chave para compreender toda dor humana; e quem consegue sublimar o sofrimento dos inocentes está em condições de consolar a pena de todo homem ferido e humilhado pela dor”.
É somente a partir da perspectiva da vida eterna que se pode vislumbrar o sentido dos sofrimentos dos inocentes.
Efetivamente, depois da morte, Deus colocará cada coisa em seu lugar, sem deixar espaço para o absurdo ou para o acaso, mas somente ao mais pleno amor – para o qual é necessária a liberdade. Esta esperança dá forças para confiar em Deus, quem permite o que aos olhos humanos parece algo sem sentido e lhe dá um grande valor, sobretudo por meio de Cristo crucificado e glorificado.
Cada pessoa está chamada a respeitar e estimar profundamente os inocentes que sofrem, a compartilhar a sua dor, a ajudar a aceitá-la e a uni-la à de Cristo, bem como a fazer todo o possível para aliviar esse sofrimento e impedir a injustiça que o causa.
Cristo ensina tanto a fazer o bem com o sofrimento como a fazer o bem a quem sofre. A Igreja vê as vítimas inocentes como dignas de ser honradas e as ama e ajuda em suas necessidades materiais e espirituais. Ela as assiste, acolhe e defende, mas também compartilha e carrega o seu sofrimento, ajudando-as muitas vezes a descobrir e viver o seu grande valor, recordando-lhes da sua libertação final. Assim, os inocentes que sofrem despertam a entrega (o amor) de outras pessoas a eles, mas também sua própria união a Cristo e a entrega da sua valiosa dor para lutar contra o mal.
Com relação à luta concreta contra os males físicos que açoitam os inocentes – pobreza, fome, doença, entre outros –, Bento XVI recorda que não é somente a filantropia que beneficia o gênero humano, mas que isso faz parte da redenção “total” de Cristo. Ao mesmo tempo, constata que somente Deus pode eliminar por completo o sofrimento do mundo e que n’Ele está a esperança.
Os inocentes podem sofrer males físicos ou morais, provenientes da maldade de outros, mas não o pior sofrimento de todos: o eterno, do qual Cristo salva.
Diferenciar o sofrimento, em seu sentido fundamental e definitivo – permanecer afastado do Amor por toda a eternidade –, das suas múltiplas dimensões temporais ajuda a aproximar-se do mistério do sofrimento dos inocentes.
Segundo o professor de teodiceia José Antonio Galindo, existem males físicos que provocam sofrimento e/ou causam a morte do ser humano; são provenientes da natureza do mundo (terremotos, tsunamis, incêndios) ou da natureza humana (todo tipo de doenças corporais e psíquicas).
Também existem males morais, causados pela conduta moral negativa; são procedentes do pecado da pessoa (muitos pecados ou vícios originam doenças, além de privar da graça de Deus) ou da maldade de outros (guerras, genocídios, perseguições, ódio, vinganças).
No entanto, muito além do sofrimento temporal, existe o sofrimento definitivo: a perda da vida eterna. Cristo protege o homem desse grande mal, tocando-o em suas raízes – o pecado e a morte –, que Ele vence com a sua obediência e com a sua ressurreição; graças aos seus méritos e à misericórdia divina, inclusive as crianças que morrem sem receber o Batismo podem se salvar desse sofrimento eterno.
A criança sofre pela sua condição de ser humano: ainda que não tenha pecado pessoalmente, está envolvida na expiação do pecado, o primeiro e todos os cometidos ao longo da história. Além disso, também participa do sofrimento salvador de Cristo.
Por que um inocente tem de sofrer, alguém que não fez mal algum?: esta é uma pergunta frequente de quem vê a dor somente como uma pena pela própria culpa. Mas, segundo a concepção cristã, a humanidade forma uma comunidade cujos membros participam tanto do seu bem como do seu mal. Por isso, as pessoas são submetidas às consequências do pecado – entre estas, o sofrimento e a morte.
Por isso, quando uma criança sofre, entra em ação a comunhão com Adão (que rejeitou viver segundo os ensinamentos de Deus, introduzindo a vulnerabilidade na existência humana) e a solidariedade com todos os seres humanos – uma solidariedade “negativa”, pela qual tem de sofrer, por exemplo, as consequências de decisões egoístas, mas também uma comunhão do bem, pela qual a criança se beneficia de muitos sacrifícios alheios e do progresso da humanidade.
O sofrimento dos inocentes tem, além disso, uma terceira fonte: a solidariedade com o sacrifício inocente de Cristo, alcançado pelo Batismo. A graça ilumina e eleva então esse sofrimento, que se converte em caminho de sua libertação, em acontecimento de purificação e redenção. Cristo transforma radicalmente o sentido do sofrimento, que deixa de ser puro castigo, prova ou correção, para se tornar a potência que salva por amor.
As pessoas que sofrem sem o peso das suas próprias culpas não o fazem em vão. Unidas intimamente a Cristo, podem contribuir de maneira excepcional para a salvação dos homens.
A lei segundo a qual “a morte de um é a vida de outro”, referida aos seres materiais, afeta também o homem. A dor tem um caráter purificador e pode ser um caminho de crescimento e maturidade, não somente pessoal, mas também de toda a família humana. Nela, a pessoa encontra a si mesma, sua própria humanidade, dignidade e missão, e se atualiza o sentimento de compaixão.
E quando o sofrimento se funde com o amor redentor, transforma-se em uma força contra o mal no mundo. Foi por meio de um martírio inocente que Jesus assumiu todas as dores e sofrimentos da humanidade e a redimiu.
Desde então, todas as pessoas podem cooperar na Redenção, participando da vida e da dor de Cristo. Mas algumas estão chamadas a sofrer não pelas suas culpas, mas pelas de todos. E quanto mais limpa sua alma estiver das culpas pessoais, mais se parecerá com a do Cordeiro de Deus. Ele, com sua força transformadora, se faz presente em toda pessoa que sofre, mas no inocente de maneira mais clara, mais imediata.
Além de redimir com Cristo, os inocentes que sofrem são também intercessores e podem conseguir favores de Deus mais facilmente que outras pessoas.
Referências: Aleteia
Agradecemos pela revisão deste artigo a José Antonio Galindo Rodrigo, agostiniano recoleto licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana e em Filosofia pela Universidade de Navarra, doutor em Teologia pela Faculdade de Teologia de Valência, autor de diversos livros, entre eles “Deus e o sofrimento humano” e “Perguntas e respostas sobre o problema do mal”.