385px-ChmielowskiAdam.1881.EcceHomoOnde encontrar repouso tranquilo e firme segurança para os fracos, a não ser nas chagas do Salvador? Ali permaneço tanto mais seguro, quanto mais poderoso é Ele para salvar. O mundo agita, o corpo dificulta, o demônio arma ciladas; não caio, porque estou fundado sobre rocha firme. Pequei e pequei muito;
Quanto a mim, vou buscar o que me falta confiadamente nas entranhas do Senhor, tão cheias de misericórdia, que não lhe faltam fendas por onde se derrame. Cavaram suas mãos e seus pés, traspassaram seu lado; por estas fendas é-me permitido sugar o mel da pedra, o óleo do rochedo duríssimo, quero dizer, provar e ver quão suave é o Senhor.
Ele alimentava pensamentos de paz e eu não sabia. Pois quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Mas o cravo que penetra tornou-se-me a chave que abre a fim de ver a vontade do Senhor. Que verei através das fendas? Clama o cravo, clama a chaga que Deus está em Cristo reconciliando o mundo consigo. A espada atravessou Sua alma e tocou seu coração; é-Lhe agora impossível deixar de compadecer-se de minhas misérias.
Abre-se o íntimo do coração pelas chagas do corpo, abre-se o magno sacramento da piedade, abrem-se as entranhas de misericórdia de nosso Deus que induziram o Oriente, vindo do alto a visitar-nos. Qual o íntimo que se revela pelas chagas? Como poderia brilhar de modo mais claro do que em vossas chagas, que vós, Senhor, sois suave e manso e de imensa misericórdia? Maior compaixão não há do que entregar sua vida por réus de morte e condenados.
Em vista disso, meu mérito é a misericórdia do Senhor. Nunca me faltam méritos enquanto não lhe faltar a comiseração. Se forem numerosas as misericórdias do Senhor, eu muitos méritos terei. Que acontecerá se me torno bem consciente dos meus muitos pecados? Onde abundou o delito, superabundou a graça. E se as misericórdias de Deus são de sempre e para sempre, também eu cantarei eternamente as misericórdias do Senhor. Acaso é minha a justiça? Senhor, lembrar-me-ei unicamente de vossa justiça. Vossa, sim, e minha; porque vós vos fizestes para mim justiça de Deus.

Dos Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, de São Bernardo, abade
(Sermo 61,3-5: Opera omnia2,150-151) (Séc.XII)