O que a história de um leigo que viveu há 480 anos tem a ensinar ao homem moderno? É a pergunta que devem fazer todos os católicos, ao celebrarem a memória de Santo Tomás More (22/06) – ao qual foi reservado o epíteto de “o homem que não vendeu a sua alma”.

Antes de qualquer coisa, cabe fazer uma breve narrativa de sua vida, contando como a sua cabeça foi parar na bandeja por ordem do então príncipe da Inglaterra, o Rei Henrique VIII.

Homem erudito, esposo fiel e pai de quatro filhos, More foi nomeado Conselheiro do Rei (Lord Chancellor, em inglês) no ano de 1529, em meio a uma crise moral na Coroa. Henrique VIII era casado com Catarina de Aragão, mas tentava junto ao Papa conseguir a dissolução de seu casamento. A desculpa para a sanha adúltera do príncipe era o argumento de que Catarina não lhe dava um herdeiro homem. Como o Papa não lhe concedia o rompimento de seu matrimônio – fiel à palavra de Cristo, segundo a qual não se pode separar o que Deus uniu (cf. Mt 19, 6) –, ele mesmo fez questão de casar-se com Ana Bolena, então dama de companhia de sua legítima consorte. Sem autoridade espiritual que confirmasse as suas novas núpcias, Henrique VIII – o qual anos antes defendera a Igreja Católica das heresias do protestantismo – se autoproclamou líder da Igreja da Inglaterra.

Quando tudo isso aconteceu, Tomás More, tendo previsto o desastre que se anunciava, já havia renunciado às suas funções públicas junto à Coroa, em 1532. Não querendo entrar em imbróglios, ele saiu da política, silenciosamente. Sendo um homem justo, decidiu abandonar o Rei em segredo.O seu silêncio, porém, a sua recusa em aprovar o adultério de Henrique, falavam alto demais. Mesmo não pertencendo mais ao governo inglês, More foi perseguido pelo Rei e, negando-se a obedecer às suas arbitrariedades, foi condenado por alta traição à Coroa. No dia 6 de julho de 1535, aprisionado na Torre de Londres, More acabou decapitado, simplesmente por não se prostrar às determinações tirânicas do Rei. (Um ano mais tarde, incapaz de dar um herdeiro aos Tudors, também Ana Bolena seria executada por Henrique, que ainda se casaria com outras 4 mulheres antes de morrer.)

A história de Tomás lembra, mutatis mutandis, o martírio de São João Batista. A criminosa em questão era Herodíades, que, não suportando ouvir de João a reprovação de sua vida de adultério, pediu ao Rei Herodes a sua cabeça em uma bandeja (cf. Mt 14, 1-12). Por defender a verdade até o fim, entregando com isso a sua própria vida, João Batista não é venerado apenas como profeta, mas principalmente como mártir.

Importa reconhecer, porém, que as vidas desses dois grandes santos, separadas por aproximados 15 séculos, está unida por um martírio diferente dos martírios comuns. Quem ouve as glórias dos primeiros cristãos, mortos nas arenas do Coliseu por não prestarem culto a César, pode ser tentado a ter em pouca conta a decapitação de João e Tomás porque, afinal, nem Herodes nem Henrique pediram a eles que os adorassem, no sentido próprio do termo. Contudo, “o cristão sofre – lembra Santo Tomás – não apenas sofrendo por uma confissão de fé em palavras, mas também cada vez que sofre para realizar um bem qualquer, ou para evitar um pecado qualquer por causa de Cristo“. Por isso, “as obras de todas as virtudes, enquanto se referem a Deus (…) podem ser causa de martírio” [1].

Eis, portanto, a primeira grande lição que se pode extrair da vida de Santo Tomás More e de São João Fisher, seu companheiro mártir. Por amor à verdade do Evangelho, eles não temeram sacrificar as suas próprias existências neste mundo. Em um século dominado pelo relativismo e por uma aguda decadência moral, que ameaça a própria família, os exemplos desses homens desafiam o nosso tempo a preservar com coragem e destemor todas as verdades da nossa fé, sem adaptações, nem conveniências. A mensagem da família não é palavra humana ou “opinião”, para que possa ser modificada ou “reinventada” ao bel prazer. É, ao contrário, palavra divina – palavra veraz, fora da qual não pode haver verdadeira caridade, como indica o Papa Bento XVI: “Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida” [2].

A segunda importante lição da vida de More é ensinar aos cristãos quais são os limites do poder das autoridades civis. “Precisamente por causa do testemunho que Santo Tomás More deu, até ao derramamento do sangue, do primado da verdade sobre o poder, é que ele é venerado como exemplo imperecível de coerência moral” [3]. A respeito disso, as Escrituras já oferecem conselhos preciosos: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21), diz Jesus; e, exortam os Apóstolos, “importa obedecer antes a Deus do que aos homens” (At 5, 29). Diante de ditaduras que tentam sufocar a própria verdade; face a César, Herodes, Henrique ou Stálin, é preciso reafirmar, sempre e categoricamente, o primado de Deus – primado este que, no fim das contas, redunda em benefício do próprio homem.

Afinal, quando todo o poder é colocado nas mãos do Estado, quando este se torna “a medida de todas as coisas”, não demora muito para que se cortem as cabeças e os seres humanos sejam executados no paredón ou jogados em campos de concentração. Foi assim na Inglaterra de Henrique VIII, foi assim na Cuba de Fidel Castro e na Alemanha de Hitler. Será sempre assim, quando César pretender tomar para si o poder que cabe somente a Deus.

Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências

  1. Suma Teológica, II-II, q. 124, a. 5.
  2. Papa Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in Veritate (29 de junho de 2009), n. 3.
  3. Papa João Paulo II, Carta Apostólica E Sancti Thomae Mori (31 de outubro de 2000), n. 1.