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No segundo dia do 14° Congresso Nacional da Divina Misericórdia, em novembro de 2015, os congressistas tiveram a valiosa presença do Frei Clodovis ministrando uma das conferências. De sua palestra, com o tema “A Misericórdia de Deus no Antigo Testamento” elaboramos a seguir uma síntese:

Falar sobre o Antigo Testamento não é tão fácil, sobretudo se o tema é a misericórdia. Ao longo da história foram muitas as interpretações errôneas e heresias, reprovadas pela Igreja, como a de Marcião (85-160) que, comparando o Antigo e o Novo Testamento, concluiu de forma equivocada a existência de dois deuses distintos: um do A.T. – justiceiro, da ira e da vingança; outro do N. T. – da misericórdia e do perdão.

O Frei Clodovis, teólogo católico da ordem dos Servos de Maria, que já por 37 anos leciona teologia, conduziu os congressistas ao longo das Sagradas Escrituras, desde o princípio do Antigo Testamento, assinalando a Condescendente Pedagogia com que Deus foi educando o Seu povo. Identificando nas várias passagens bíblicas essa constante e paciente atuação de Deus que desce para ficar no nível do amor e desse modo educar aos homens é que encontramos a adequada interpretação das manifestações de Deus no Antigo Testamento.

Deus se acomoda, se adapta, à realidade dos homens, para poder educá-los, para poder tirá-los da barbárie, da condição de povo rude, xucro, selvagem, e conduzi-los à condição de povo civilizado, desenvolvido, aperfeiçoado.

Na primitiva condição bárbara, por uma infração que alguém cometesse deveria cair sobre ele a vingança por sete vezes. Por um ferido, devolvia-se sete mortes. O castigo para quem adorasse ídolos, infringe-se o sábado, blasfemasse, era a morte (essa última foi, inclusive, a acusação utilizada para condenarem Jesus). Deus era visto como o Deus da ira, da vingança, dos oráculos contra as nações pagãs.

Com Moisés, passou-se a um segundo estágio, mais civilizado, no qual Deus era visto como o Deus da Justiça; o Deus do Rigor e da Clemência.

Deus como que salva a justiça com a misericórdia. Segue corrigindo e orientando o Seu povo também aqui, assim como, depois, quando assumindo a condição humana veio habitar entre nós: “Ouviste o que foi dito aos antigos… Eu porem vos digo… (Mt 5, 21-48).

Deus nos ama com um amor misericordioso, amor de mãe terno e ao mesmo tempo forte, amor que é ao mesmo tempo misericórdia e justiça. Thomas de Aquino afirma que misericórdia sem justiça é mãe da dissolução. Acaba abusiva. Não é possível permitirmos que Deus nos socorra em Sua misericórdia sem que nos coloquemos na verdade de nós mesmos.

Discorrendo sobre as passagens que identificam esse segundo estágio, o Frei Clodovis fez menção à um comentário de Simone Weil, segundo o qual, as vezes, Deus, para entrar com a Sua misericórdia em nossa vida, não encontra outra porta senão a porta da justiça. A justiça se torna tantas vezes o único caminho possível para a misericórdia, no qual por fim “cai a nossa ficha” e nos damos conta das muitas misericórdias com que constantemente fomos cercados por Deus e, por fim, permitimos ao nosso coração sintonizar-se com o Seu Coração manso e humilde.

Será que já tenho o coração sintonizado com o coração de Deus? Esta foi a pergunta que cada congressista teve que colocar diante de si, enquanto o Frei continuou a peregrinação ao longo das Escrituras, identificando desse ponto em diante as belíssimas passagens bíblicas que revelam a abundância da misericórdia – poder, largura, e profundidade do amor misericordioso de Deus –que em Cristo encontra a Plena Manifestação.

Começando pelo livro do Êxodo: “Javé, Javé, Deus de Misericórdia e de ternura – lento para a cólera, rico em bondade e em fidelidade. Que faz justiça em 3, 4 gerações, mas guarda a Sua misericórdia por 1.000 gerações…” (Ex 34, 6-7a). Passando por Oséias, pelo capítulo 16 de Ezequiel, o Cântico dos Cânticos, o livro da Consolação (Is 54, 5-10 e Is 62, 4-5) …”Tua terra será chamada desposada. Assim teu criador te desposará, assim encontrará em ti sua alegria”. Misericórdia que encontra na Amorosa Mãe uma imagem – como no capítulo 11 do livro de Oséias: “Israel era ainda criança, e já eu o amava”; ou no capítulo 49 de Isaías:”O Senhor chamou-me desde o meu nascimento; ainda no seio de minha mãe, Ele pronunciou o meu nome”; Is 49, 15: Mesmo que uma Mãe se esquece-se do seu filho, nunca me esquecerei de ti. Is 66: “Sereis carregados no colo e acariciados no regaço”;

Recordando Von Balthasar, Frei Clodovis conduziu os congressistas a fortalecer a consciência de que devemos esperar por todos, em outras palavras, devemos suplicar a misericórdia não só por nós mesmos mas pelo mundo inteiro: “Na tribulação gritaste por mim e te livrei” (Sl 50 – Miserere, Sl 129 – De Profundis, Sl 80 e Sl 135).

O «limite imposto ao mal – escreveu São João Paulo II no seu último livro (Memória e identidade, 58) – é a Misericórdia Divina. Do nosso coração deve, portanto, se elevar a Deus continuamente uma fervorosa oração de súplica, conforme o próprio Jesus nos ensinou a fazer no Terço da Misericórdia: “Eterno Pai, eu vos ofereço o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade do Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e dos do mundo inteiro; pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro” (Diário, 476).

De nós e do mundo inteiro… Quanta necessidade da misericórdia de Deus tem hoje o mundo! Em todos os continentes, do profundo do sofrimento humano, parece que se eleva a invocação da misericórdia. Onde predominam o ódio e a sede de vingança, onde a guerra causa o sofrimento e a morte dos inocentes, é necessária a graça da misericórdia para aplacar as mentes e os corações, e para fazer reinar a paz. Onde falta o respeito pela vida e pela dignidade do homem, é necessário o amor misericordioso de Deus, a cuja luz se manifesta o indescritível valor de cada ser humano. É necessária a misericórdia para fazer com que toda a injustiça no mundo encontre o seu fim no esplendor da verdade” – são palavras de São João Paulo II, em 2002, quando confiou solenemente o mundo à Divina Misericórdia.

Ao final, completando a peregrinação por meio das Escrituras, como verdadeiro Servo de Maria Santíssima, o Frei Clodovis não poderia deixar de falar da ação misericordiosa de Deus na e por meio da Criatura Perfeita – Maria Santíssima – que preservada do pecado pelos méritos de Cristo – como ninguém conhece o mistério infinito da Misericórdia de Deus e por isso mesmo foi dada pelo próprio Deus como nossa Mãe.

A Ela, que sempre nos conduz ao Seu Filho, junto com todos os congressistas, dedicou, em forma de canto, a invocação dos 7 fundadores dos servitas: “A vossos pés, Senhora minha, peço socorro, salve Rainha!”

Por Equipe de Redação