Coroando o ano litúrgico, a Solenidade de Cristo Rei, em 26 de novembro, nos remete ao fim dos tempos, quando todas as coisas serão recapituladas em Cristo Jesus, e a Ele serão submetidos o céu e a terra (Ef 1,10). Mas, mais do que um ponto longínquo e sempre próximo, a recorrência do «Reino de Deus» nos Evangelhos nos indica que ele já está atuando, aqui e agora, no meio de nós. Mas, a que Reino estamos nos referindo? O que ele implica em nossa vida?

Em diferentes passagens evangélicas, Cristo diz coisas às quais o Reino de Deus se assemelha: à semente lançada (Mt 13, 1-9; Mc 4, 3-9; Lc 8, 4-8), ao grão de mostarda (Mt 13, 31-32; Mc 4, 32; Lc 13, 18-19), ao fermento (Mt 13, 33; Lc 13, 20-21), a um tesouro escondido no campo (Mt 13, 44), a uma pérola de grande valor (Mt 13, 45-46), a uma rede de arrasto (Mt 13, 47-52), a um pai que tira coisas novas e antigas de seu tesouro (Mt 13, 52). Vê-se nelas a força oculta de que o mesmo é dotado e a capacidade de transformação do homem. Mas ao mesmo tempo é um Reino que pode ser acolhido ou rejeitado, ao que caberá o juízo de Deus (cf. Mt 13, 30).

Quando se fala de Cristo Rei, não é difícil imaginá-Lo coroado, segurando o orbe terrestre numa das mãos e na outra, um cetro. Imagem, essa, que nos remete aos monarcas humanos, aos imperadores e czares. Jesus, contudo, diante de Pilatos, disse: «O meu reino não é deste mundo» (Jo 18, 36). A lógica de Cristo não é a mesma que a nossa, e daqui decorrem algumas más interpretações do que seja o Seu reino.

Sendo Deus Autor e Senhor do Universo, reconhecê-Lo como tal nada Lhe acrescenta. Seu poder ultrapassa infinitamente o homem e independe dele. Ao virar as costas para Deus e abrir a fenda do pecado, o mal se tornou uma realidade para o homem. E Deus, na Sua bondade, não reclama do homem um poder que jamais perdeu, mas deseja a sua redenção, fazendo disso o grande evento que estremece os alicerces do Universo, com a encarnação e morte de Seu Filho.

Cabe, porém, ao homem, na ordem temporal, sujeitar-se à vontade de Deus e ao Seu senhorio. E ainda isso nos foi concedido por Deus através de Seu Unigênito, ao qual devemos nos configurar para trazer o Reino de Deus à noite desta terra. Pela intimidade que a humanidade de Cristo estabelece conosco, mais que a servos, Ele nos chama amigos (Jo 15, 15), e através de Si nos revela a face do Pai (Jo 14, 9).

Nenhuma de Suas prerrogativas se perde quando Ele assim se abaixa, e nesse rebaixamento Ele eleva a natureza humana. Se Sua imensa autoridade inspira algo, é santo temor e reverência, sempre insuficientes, da nossa parte, à Sua dignidade.

Santa Teresa d’Ávila, ao comentar o Pai-Nosso, quando discorre sobre a petição «Venha a nós o Vosso Reino», diz, na sua simplicidade, que vir o Reino de Deus a nós é unirmo-nos a Deus. Caem, aqui, os modos humanos, qualquer coação e imposição, externas ou internas.

O Reino de Deus é dádiva de grande valor, e implica o mais profundo do homem, firmando-se nas almas, sobretudo, pelos sofrimentos e perseguições, como diz, por seu turno, Santa Teresinha do Menino Jesus.

Não é sobre glória ou triunfo, não ao menos aos nossos moldes. É, porventura, o triunfo da Cruz e do Crucificado, que volve em ganho o que ao mundo é perda, no único desejo de que se faça a vontade do Pai no céu e na terra.

Dito isto, com todo o direito, devemos ter Cristo no lugar onde mais Lhe compete: no centro de nossa alma, onde eminentemente deve reinar, para a glória de Deus Pai. E é dessa irradiação, desde já, que qualquer reforma do plano temporal tem lugar e o Reino de Deus pode se expandir e se dilatar: os filhos da luz geram obras de luz.

Mas, se o pecado e a escuridão são por demais espessos, se nós mesmos vacilamos, e as dores estorcem a humanidade, o nosso coração se volte para Cristo Rei e diga as palavras com que se encerra o Livro do Apocalipse: Maranatha! Vem, Senhor! (Ap 22, 20), para que realize em nós o que a nossa esperança promete.

E assim, após o Grande Dia, quando com Ele viermos a reinar, em espírito e verdade concederemos a Ele a glória e o louvor devidos que agora os nossos lábios fracos mal conseguem balbuciar e o nosso coração suspeitar quando O chamamos de nosso Rei e Senhor.

 

Volnei Grebogi

Artigo publicado na Revista Divina Misericórdia, Ed. 69