DSC_9949

Síntese da Palestra proferida pelo Padre Jan Glica, no Santuário da Misericórdia, no dia 13 de novembro de 2015, no 14° Congresso da Divina Misericórdia

Numa choupana, em uma floresta, vivia um sábio monge, muito procurado para direção espiritual, a quem, certa vez, um dos discípulos se dirigiu na expectativa de conseguir a aprovação para ensinar a outros sobre as coisas de Deus (dado o suficiente conhecimento que havia adquirido sob a direção daquele monge). Era um dia de chuva, o discípulo, ao entrar na choupana, deixou do lado de fora as sandálias e a capa. Quando apresentou seus argumentos ao mestre, este apenas perguntou sobre em qual lado da porta havia deixado a capa e as sandálias…

Para que Deus nos instrua, é importante que combatamos a agitação que nos mantém na superfície das coisas, é necessário que aprendamos a fazer silêncio interior para que, nas reflexões e meditações cotidianas, Deus nos instrua. Para isso é importante que vivamos no presente, sendo pessoas conscientes dos próprios atos – e não seres alienados ou autômatos que agem sem consciência.

Se somos pessoas em diálogo com Deus, não podemos fazer nossas orações de forma mecânica. É natural que em um diálogo, estejamos atentos ao que conversamos com o outro. E se esse outro é o próprio Deus, ainda mais atenção deveríamos colocar no que estamos dizendo e no que Ele está falando para nós. Nossa oração deve ser feita com consciência. Devemos rezar o Pai Nosso tendo consciência do que estamos dizendo.

Em nossos tempos, nos quais tão dolorosamente a humanidade experimenta as consequencias da alienação causadas pelo pecado, o próprio Jesus veio ao nosso encontro, nos lembrando a esquecida verdade do amor misericordioso de Deus – que é mencionado nas Sagradas Escrituras 160 a 170 vezes – verdade que sempre foi ensinada na Igreja, sem termos, contudo, real consciência do seu valor, sem compreender a profundidade do seu significado.

A misericórdia é a principal motivação da ação de Deus em relação a nós. Jesus – o Rosto do Pai Misericordioso, a Imagem Encarnada do Pai Misericordioso – por meio do mistério da Encarnação e Redenção veio não só nos restituir a condição de Imagem de Deus que havíamos perdido mas nos elevar à condição de filhos adotivos do Pai.

Deus é a própria misericórdia que vem ao nosso encontro e espera a nossa resposta, espera que voltemos a Ele com confiança para que Ele nos possa curar, conceder a Sua paz e, sendo o Bom Pastor, conduzir-nos para pastagens que nos alimentem.

Para nos despertar para o Mistério da Sua misericórdia, a Providencia Divina suscitou verdadeiros faróis, que no mar agitado do nosso mundo mantiveram suas luzes sempre acessas. Não temos o direito de fazer comparações entre o valor de cada um deles. No mistério do Corpo Místico, todos cumpriram os seus papéis, fundamentais para a divulgação da misericórdia.

Santa Faustina Kowalska (1905-1938): Uma religiosa polonesa que viveu nas vésperas da segunda guerra e que por obediência ao confessor e explicita ordem de Jesus escreveu suas experiências místicas em um Diário. Por meio dessa mensageira de Sua misericórdia, Jesus nos ensina a dialogar com Deus – Rico em Misericórdia, ensina as atitudes que devemos ter nesse diálogo com Ele e as formas que devem assumir esse diálogo/devoção em toda a Igreja.

Padre Miguel Sopoćko (1888-1975): Foi o diretor espiritual de Santa Faustina. Esse experiente sacerdote teve um papel fundamental no reconhecimento das vivências espirituais de Santa Faustina e das suas revelações interiores.

Buscando embasamento nas Sagradas Escrituras e nos escritos das Santos e Doutores da Igreja, o Padre Sopoćko escreveu numerosos livros e artigos apresentando os fundamentos teológicos da devoção à Divina Misericórdia. Dentre essas obras, está o tratado teológico “A misericórdia de Deus em Suas obras”, dividido em três tomos, o primeiro deles já traduzido pela nossa editora.

Santa Faustina menciona no seu Diário a importante posição que ocupa o Padre Sopoćko em toda a Obra da Misericórdia e fala sobre a sua dedicação e constante empenho em atender às exigências de Jesus no que se refere tanto à pintura da Imagem de Jesus Misericordioso quanto à instituição da Festa da Misericórdia: “Vejo o Padre Sopoćko, como a sua mente está ocupada e como está trabalhando na causa de Deus (…) Pelos seus esforços uma nova luz brilhará na Igreja de Deus para consolo das almas” (D. 1390).

A seu respeito também o próprio Jesus disse a Santa Faustina: “É um sacerdote segundo o Meu Coração. Agradam-me os seus esforços. (…) Por ele derramo consolos a as almas sofredoras e atormentadas. Por ele agradou-Me divulgar a honra à Minha misericórdia, e mais almas se aproximarão de Mim por essa Obra da misericórdia do que se ele absorvesse dia e noite até o fim da sua vida, porque assim trabalharia apenas até o fim da vida e, por essa Obra, trabalhará até o fim do mundo” (D. 1256).

Frei Józef Andrasz, SJ (1891-1963): Por quase toda a sua vida esse sacerdotal esteve ligado à editora do Apostolado da Oração. Era autor, diretor e redator do periódico mensal “Mensageiro do Coração de Jesus”. Antes da guerra foi diretor do Apostolado da Oração na Polônia. Desde 1932 era confessor extraordinário do noviciado das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia. Foi confessor de Santa Faustina.

Padre José Jarzębowski (1897-1964): Membro da província polonesa dos Padres Marianos. Educador da Juventude. Foi um grande sacerdote. Entre os escritos que mantinha consigo está uma oração feita por ele antes de sua ordenação:

Oh Cruz de Ouro do meu sacerdócio, estais chegando. Só dias separam-me desta cruz. Estou sentindo que não posso com liberdade estender os braços e te abraçar. Assusta-me teu peso de ouro e minha fraqueza. Sagrado e misericordioso Coração de Jesus. Imaculado Coração de Maria – minha única força e esperança, quanto mais estou consciente da minha indigência e fraqueza tanto mais depressa corro para cair nos teus braços, porque não sou ruim e maldoso – mas fraco. Tenho confiança, ó Bom Jesus, em tua misericórdia e só apoiado nessa fé tenho coragem de caminhar ao encontro desse dia que vai transformar minha alma em alma de sacerdote. Senhor – dê-me coração sacerdotal. 11.IX.1923–30.IX.1923. José Jarzębowski.

Forçado a fugir da Polônia, durante a ocupação nazista, em 1939, Padre Jarzębowski buscou refúgio em uma das casas dos Padres Marianos em Wilno, na Lituânia, com esperança de obter um visto que lhe permitisse a entrada nos Estados Unidos, onde, em Washington – DC, ele poderia encontrar os seus colegas Marianos. Conseguiu obter o visto, porém, por causa da guerra, as rotas de saída foram fechadas antes que pudesse deixar a Lituânia. O visto expirou. Para complicar a situação, os soviéticos começaram a exigir uma autorização que também permitisse a saída. Em suas viagens na Lituânia, ele encontrou um acampamento de soldados poloneses refugiados perto de Wiłkomierz. Ali, conheceu dois sacerdotes, Nikodem Dubrawka e Antony Mańturzyk, os quais haviam sido alunos do Padre Miguel Sopoćko, que tinha sido diretor espiritual da Irmã Faustina Kowalska. Esses dois sacerdotes estavam rezando a novena à Divina Misericórdia. Deram ao Padre Jarzębowski explicações sobre essa novena. O Padre Jarzębowski, no entanto, permanecia cético. Chegaram até ele notícias de que as pessoas recebiam graças em situações impossíveis através da devoção à Divina Misericórdia, contudo ele continuava duvidando do valor dessa devoção.

Em 15 de junho de 1940, o exército soviético invadiu a Lituânia. As chances do Padre Jarzębowski chegar aos Estados Unidos ficaram ainda menores. Permaneceu por um tempo na casa dos Marianos de Mariampol, porém teve de sair dela quando esta, em 14 de julho, foi tomada pelos soldados russos. Aconselhado por um seminarista polonês, Padre Jarzębowski começou a rezar a “Jesus da divina misericórdia”, pedindo proteção. Esse e outros seminaristas que ajudaram o padre a obter a necessária autorização para viajar, posteriormente foram enviados para campos de trabalhos forçados na Sibéria.

No outono de 1940, Padre Jarzębowski, sem sucesso, tentou obter a renovação do visto americano. Nessa altura, ele conseguiu uma cópia tanto da novena à Divina Misericórdia como do santinho de Jesus misericordioso. Portando-os consigo, foi novamente até as autoridades soviéticas pedir a autorização para sair do país. Milagrosamente, não obstante o fato de que seu visto americano tinha expirado, recebeu a autorização. A viagem, por meio da Sibéria, até o Japão, foi negociada.

Pouco antes de sair da Lituânia, Padre Jarzębowski foi, em Wilno, visitar o Padre Sopoćko, o qual lhe deu, para levar consigo, um “memorando”, ou seja, uma exposição por escrito, sobre a devoção à Divina Misericórdia, de sua autoria, com o título: “De misericordia Dei deque eiusdem festo instituendo” (Sobre a misericórdia de Deus e o estabelecimento de sua festa). No dia seguinte, Padre Jarzębowski celebrou a santa Missa diante da Imagem original de Jesus Misericordioso, que Nosso Senhor havia pedido para Santa Faustina pintar e propagar em todo o mundo. Entregou a viagem que ia empreender à Divina Misericórdia, prometendo promover a Sua Devoção por todo o resto da vida, caso conseguisse chegar até junto dos seus irmãos Marianos em Washington, DC.

Nessa ocasião realizou um ato de entrega, segundo as palavras que escreveu e trazia consigo em seu breviário:

Ato de Entrega ao Divino e Amado Coração Misericordioso de Jesus e minha Mãe Santíssima. “Com profunda humildade e veneração entrego minha alma, corpo, coração, vida, amor, todos que amo e tudo que amo como Vosso escravo e pequeno servo. Desejo ser obediente à Vossa Santíssima Vontade, oh meu querido e bondosíssimo Pai e já aceito todas as cruzes, sofrimentos e alegrias e nada mais peço. Dá-me profunda convicção do meu próprio nada e maldade. Limpe meu coração da soberba, tire o amor próprio e apego pelas coisas do mundo. Seja meu tudo, meu amor e felicidade. Ajuda-me a trabalhar no teu Reino e não permita meu coração perambular pelos atrapalhos e ilusões do mundo. Na hora da morte, Jesus – Meu Rei e Senhor – não seja para mim Juiz, mas Salvador Misericordioso e compassivo.

Oh minha Mãe, agradeço todas as graças tão generosamente derramadas sobre mim. Nas tuas mãos entrego a minha Salvação. Tu és Mãe do meu Salvador, seja a Mãe da minha Salvação. Permanentemente zele e cuide de mim como de uma pobre criança sua. Ajude-me a crer, amar a Deus e salvar a minha alma. Disponha do meu coração, minha mãe e roga a Deus para eu nunca separar-me de Vós. Todos os meus padroeiros: São José; Estanislau Kostka; Joana D’Arc; João Bermans; Francisco de Assis; Terezinha de Jesus; sejam testemunhas desta entrega. Defendei-me, amai-me e orai por mim. Pe José Jarzębowski – Bielany – 1.7.1917.

A tempestade da guerra jogou-o através da Rússia, passando por Moscou e Wladiwostok, de onde partiu para o Japão. Enquanto esteve no Japão, Pe. Jarzebowski deu um retiro para os Franciscanos em Nagasaki. Do Japão, por sua vez, partiu para os EUA. Em 1941, chega em Massachusetts onde, escapando milagrosamente da morte, se reuniu aos Padres Marianos e dá início à divulgação da devoção à Divina Misericórdia, segundo as revelações de Santa Faustina. Depois percorreu o México e terminou sua vida na Inglaterra. Nesses países, com fervor e coragem, divulgava a Devoção a Jesus Misericordioso.

Padre Andrzej (André) Krzymyczek, MIC (1928-2014). Vindo da Polônia, esse sacerdote, que chegou ao Brasil em outubro de 1971, soube não só respeitar o solo brasileiro como um solo pátrio, mas fazer do seu próprio coração um solo sagrado de encontro entre o Deus Rico em Misericórdia e os brasileiros.

Ao longo dos 43 anos de doação sacerdotal no Brasil, trabalhou como Superior do Vicariato de Roma (no tempo em que a Congregação dos Padres Marianos no Brasil ainda não estava constituída como Província), superior, pároco, mestre de noviços, capelão das Irmãs do Sagrado Coração de Jesus e diretor do Apostolado da Divina Misericórdia, fundado por ele em 1981.

O seu primeiro contato com a devoção à Divina Misericórdia, segundo as revelações de Santa faustina, foi em 1981, através de um outro sacerdote mariano que trabalhava nos EUA, o Padre Ignacy Różycki, MIC. A princípio o Padre André fez pouco caso, mas lendo as dez primeiras páginas do material apresentado a ele pelo Padre Różycki – ficou profundamente tocado, aderindo de coração a essa devoção.

Daí em diante, até o final da sua vida, rezava o terço da divina Misericórdia todos os dias. No mesmo ano, de 1981, no Capítulo da Congregação em Roma, o Padre André teve acesso ao Diário da Irmã Faustina, oferecido a ele pelo Padre Seraphim Michalenko, MIC. Esse Diário teve a sua primeira edição, não na Polônia, mas nos Estados Unidos, em 1981, porque a Polônia não tinha condições de imprimir livros – devido à dominação comunista. Essa primeira edição foi feita como resultado da colaboração dos Padres Marianos dos EUA e as Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia. O Padre André trouxe esse Diário de Roma junto com um grande entusiasmo – com o qual deu início ao Apostolado da Misericórdia no Brasil.

Foi por meio dele que a Devoção à Misericórdia Divina tornou-se conhecida em nosso país. Foi devido à constante fidelidade e generosidade desse sacerdote que essa Devoção se espalhou pouco a pouco em todos os estados brasileiros, por meio dos materiais de divulgação que ele publicava e dos retiros que pregava – com frequência em meio a grandes humilhações e sofrimentos – em todo o país a respeito do Mistério da Misericórdia Divina segundo as revelações de Jesus à Santa Faustina.

Em 1982, o Padre André foi o responsável pela publicação da primeira edição brasileira do Diário de Santa Faustina. Foi também ele quem elaborou, naquele mesmo ano, o conteúdo do livreto Novena à Divina Misericórdia. Hoje esse novenário encontra-se em sua 22ª edição e o Diário de Santa Faustina em sua 41ª edição.

Faleceu no dia 26 de novembro de 2014, véspera de festa de Nossa Senhora das Graças (da medalha milagrosa), aos 86 anos. Foi sepultado no cemitério dos Padres Marianos, junto ao Santuário da Divina Misericórdia. Neste Santuário trabalhou pastoralmente de 1994 à 2006, ainda durante o período em que exercia o trabalho de diretor do Apostolado.

Seu último encontro com os devotos de Jesus misericordioso aconteceu no dia 23 de novembro, na santa Missa de encerramento do Congresso anterior a esse, o 13° Congresso Nacional da Divina Misericórdia ‒ evento criado por ele no ano 2000.

Por Equipe de Redação