The faith - pt

“Tenha confiança, minha filha, a tua fé te salvou!” (Mt 9,21). Estas palavras, pronunciadas por Jesus, são testemunhadas diversas vezes nos Evangelhos, trazendo algumas pequenas nuanças de acordo com a situação na qual ela é proferida.

Alguns podem querer tirar destas palavras um olhar de falsa autonomia sobre o homem, uma autossuficiência, como se a fé se tratasse de um bem privado. Um bem no qual o importante é que cada um acredite no que quiser ou até em si mesmo.

A Escritura, particularmente o Novo Testamento, nos traz uma visão muito diversa sobre a fé. Os Evangelhos testemunham que todos aqueles que foram beneficiados com estas palavras: “A tua fé te salvou!”, se aproximaram de Cristo com a fé nele, ao ponto de que tocar seu manto (cf. Mt 9,21), ouvir só uma palavra de sua boca (cf. Mt 8,8) ou mesmo ter um movimento favorável de Sua vontade (cf. Mt 8,3), tudo isso representava a certeza de uma novidade inaugurada, de uma esperança realizada (cf. Mt 9,21).
Contra a relativização da fé – e por isso a redução de seu valor autêntico – a Dominus Iesus nos convida a ter a clara distinção entre o que é a fé teologal – da qual tratamos aqui – e a crença nas outras religiões (cf. DI 7).

Fé teologal

A fé teologal é “um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele” (CIC 153), “pela qual cremos em Deus e em tudo o que nos disse e revelou, e que a Santa Igreja nos propõe para crer, porque Ele é a própria verdade” (CIC 1814). Por sua vez, “a crença nas outras religiões é o conjunto de experiência e pensamento, que constitui os tesouros humanos de sabedoria e de religiosidade, que o homem na sua procura da verdade ideou e pôs em prática em referência ao Divino e ao Absoluto” (DI 7).

Destas afirmações, compreendemos que a verdade de fé não é gerada humanamente. Ela tem sua origem em Deus, que se revela por graça e nos diz seu próprio mistério em seu Filho, que pode se autodenominar “a Verdade” (cf. Jo 14,6). Por isso, a verdade de fé “é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas; mas ‘a certeza dada pela luz divina é maior do que a dada pela luz da razão natural’” (CIC153).

A fé, como nos diz a Dominus Iesus, “comporta uma dupla adesão: a Deus, que revela, e à verdade revelada por Ele, pela confiança que se tem na pessoa que a afirma” (DI 7) – e que esta verdade não é forjada por homens, mas emana de Deus – é muito importante compreendermos que “para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte o coração para Deus, abre os olhos do entendimento, e dá ‘a todos a suavidade em aceitar e crer a verdade’” (CIC 153).

Porém, sob o pretexto de que a verdade divina ultrapassa a razão humana – que não poderia colher sozinha a verdade divina se esta não lhe fosse revelada pelo próprio Deus – não devemos nos acomodar e chamar de fé um movimento cego do espírito, que muitas vezes pode querer esconder a nossa falta de interesse em conhecer e aprofundar o conteúdo da fé, sua coerência e suas articulações.

Fé e inteligência

Uma boa argumentação sobre a relação entre a inteligência e a fé nos é dada por São Tomás de Aquino, que diz: “Não existe no interno da fé uma busca da razão natural para demonstrar o que cremos. Mas existe a busca daquilo que pode levar o homem a crer: por exemplo, porque Deus disse e é confirmado por milagres.” (STh III q. 2 a.1). Assim podemos acrescentar, Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12) e para manifestar esta verdade Ele cura o cego de nascimento (cf. Jo 9,7); Cristo diz: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (Jo 11,25), e para suscitar a fé na verdade de que Ele é a vida – que vai para além de uma vida somente aqui nesta terra, que vence toda morte – Ele ressuscita Lázaro. Por isso deve ser afirmada a relação entre a fé e a inteligência (cf. CIC 156-157).

A fé não é oposta a razão, mas, ao contrário, ela vem iluminar a inteligência, abrindo os olhos do entendimento, que, por sua vez, dá o seu consenso à verdade revelada. Assim, devemos afirmar que “crer é um ato autenticamente humano” (CIC 154), capaz de mérito (cf. STh III q. 2 a.9), que não faz violência à liberdade e à inteligência, mas conduz o homem à verdade plena. A propósito, afirma a DI 7: “A fé é aceitar na graça a verdade revelada, ‘que permite penetrar no seio do mistério, favorecendo a sua inteligência coerente’”. Por isso em 1Pedro 3,15 os cristãos são exortados: “Estai sempre prontos a responder para vossa defesa a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança, mas fazei-o com suavidade e respeito”.

Nas afirmações de Jesus, particularmente no Evangelho de São João, compreendemos a “função” capital da fé para os cristãos. Jesus diz: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Vemos aqui que Jesus fala no tempo presente. Quem crê (em Cristo) tem a vida eterna, não precisa esperar, mas possui já esta vida pela fé em Cristo. Nesta mesma linha afirma o Papa Bento XVI: “A fé não é só uma inclinação da pessoa para realidades que hão-de vir, mas estão ainda totalmente ausentes; ela dá-nos algo. Dá-nos já agora algo da realidade esperada, e esta realidade presente constitui para nós uma ‘prova’ das coisas que ainda não se veem. Ela atrai o futuro para dentro do presente, de modo que aquele já não é o puro ‘ainda-não’. O fato de este futuro existir muda o presente; o presente é tocado pela realidade futura, e assim as coisas futuras derramam-se naquelas presentes e as presentes nas futuras’”(Spe Salvi 7).

Não podendo aprofundar certos detalhes, pela brevidade própria deste texto, me limitarei a apresentar materiais para a nossa reflexão.

Tornamo-nos filhos de Deus

Jesus afirma que quem crê nele não terá mais sede (cf. Jo 6,35) – estamos tratando de uma sede muito mais profunda do que a sede fisiológica – mas, não somente não terão sede como também Cristo afirma: “Quem crê em mim, como diz a Escritura: do seu interior manarão rios de água viva” (Jo 7,38).

Ainda no Evangelho de João encontramos a afirmação de João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Não foi difícil para alguns exegetas encontrarem a razão pela qual João Batista fala de pecado no singular, “o pecado”. O motivo teológico é que no Evangelho de João o pecado é caracterizado pela falta de fé em Cristo, da qual nascem todos os outros pecados. Com isso, o Evangelho nos faz ver a atitude oposta, “o acolhimento”: “Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12).

Com esta afirmação do Evangelho de João queremos concluir colhendo o fruto principal da fé: “Fazer-nos filhos de Deus”, primeiramente no Batismo, no qual somos gerados na fé e na filiação divina, assimilados e incorporados a Cristo. Mas também a fé – não sem a esperança e a caridade – deve ser vivida no dia a dia, para atualizar e fazer crescer a graça recebida no Batismo, já que “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11,6).

Esta riqueza, que é a nossa fé, deve ser vivida, testemunhada para transbordar no anúncio, como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica: “O discípulo de Cristo não somente deve guardar a fé e viver dela, como ainda professá-la, dar firme testemunho dela e propagá-la: ‘Todos devem estar dispostos a confessar Cristo diante dos homens e a segui-Lo no caminho da cruz, no meio das perseguições que nunca faltam à Igreja’. O serviço e o testemunho da fé são requeridos para a salvação: ‘A todo aquele que me tiver reconhecido diante dos homens, também Eu o reconhecerei diante do meu Pai que está nos céus. Mas aquele que me tiver negado diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus” (Mt 10,32-33)” (CIC 1816).

Que o Senhor Jesus nos dê a imensa alegria de redescobrir a grande riqueza que é crer nele, viver dele e anunciá-lo. Amém!

fonte: Shalom