Para aproveitarmos plenamente a graça de Deus precisamos ser pequenos, ter um coração contrito e, com confiança, crescer cada dia na atitude da gratidão. Trilhar esse caminho – uma verdadeira peregrinação – pode nos parecer simples, mas não é tão simples assim.
Por quê? A causa está no nosso orgulho, atitude que impede a contrição e a gratidão de um coração pequeno que se reconhece dependente de Deus.
Tantas vezes não nos damos conta de quão frequentemente vivemos a nossa vida espiritual sob um pedestal, convencidos da própria perfeição. Na história do rei David, acompanhamos o doloroso processo de cair do pedestal da ilusória auto-imagem para tornar-se, pelo caminho das humilhações, cada vez mais pequeno, até chegar a ter um coração bem contrito.
O rei David começou a descer do pedestal no dia em que o profeta lhe fez saber a gravidade do seu pecado (ao enviar para morte o soldado Urias para ficar com sua mulher) narrando-lhe a parábola sobre um homem rico que tinha muitas ovelhas, contudo, para servir um hóspede toma a única ovelha de um pobre. “Esse homem és tu”, respondeu o profeta diante da cólera de David para com o homem rico da parábola (cf. 2Sm 12, 7). Foi naquele preciso momento que começou a sua verdadeira conversão.
Quando, na nossa vida, insistimos em permanecer em um pedestal – tornamos a nossa conversão difícil: porque em nossos corações haverá, então, muito pouca contrição – e sendo pouca, forçosamente a nossa fé será superficial, sem fundamento.
Embora seja dolorosa, a atitude de contrição autêntica nasce e se desenvolve no caminho da verdade. Quando Deus vem com a graça que nos mostra um pouco mais da verdade sobre nós mesmos – não podemos nos fechar e ficar concentrados ao redor do nosso “ego”, sofrendo por ver que não somos tão perfeitos como pensávamos.
Em que consiste a verdadeira contrição?
Trata-se do sincero reconhecimento e arrependimento pelo mal cometido. É a atitude daquele que não tenta se encobrir, se justificar ou acusar os outros, mas coloca-se com pesar diante da Cruz.
Quando, da própria miséria e da própria condição de pecador, você contemplar a Cruz e as chagas abertas de Jesus; quando, em espírito, procurar beijar essas feridas, causadas por você mesmo: isso será contrição.
No filho pródigo faltava essa contrição, contudo, já na sua decisão de regressar ao pai, abriu-se uma possibilidade para, no seu encontro com ele, ter a coragem de se ver na verdade.
Somente quando, contrito, você beijar as chagas de Jesus, crendo no Seu amor, é que de fato retornará a Deus com a atitude de criança, conforme o Evangelho; e é esse regresso que Ele espera de nós. Não retorne a Deus como um mercenário, porque, então, novamente você O irá trair.
Para nos deixarmos formar na autêntica atitude de peregrinos da misericórdia, precisamos e podemos contar com a ajuda dos santos, termos como padroeiros aqueles que em suas vidas aprenderam o que era o perdão, a contrição e a gratidão em resposta ao amor misericordioso de Deus.
O caminho mais rápido e fácil dessa peregrinação na misericórdia divina será sempre vivê-la nos braços de Maria. É no aconchego desses braços que melhor podemos ter consciência da nossa pequenez.
Xavier Bordas
Teólogo, tradutor no Santuário da Divina Misericórdia da Polônia.