Pregação - Ano da Misericórdia

Pregação – Ano da Misericórdia

Síntese da Palestra proferida pelo Padre Leandro, MIC – Provincial dos Padres Marianos e Reitor do Santuário da Divina Misericórdia – no 14º Congresso da Misericórdia, em novembro de 2015

Caminho seguro para aprender a escutar o que Deus tem a nos dizer sempre é o caminho que fazemos com Maria.

A Virgem Santíssima, que com tanto carinho cuidou de Jesus e com tanta generosidade e fidelidade serviu à vontade de Deus – a ponto de permanecer de pé junto à Cruz do Seu Filho, acreditando, além de toda a esperança, que Deus não a havia abandonado, mesmo diante do absurdo daquela morte, – segue servindo com a mesma fidelidade e generosidade a vontade divina, ao nos acolher, amparar e cuidar de nós como seus filhos.

É vontade de Deus que as nossas atitudes, os nosso atos, sejam conduzidos pela força do Espírito Santo, para sermos outros Cristos: autênticos cristãos inebriados da misericórdia, que sabem oferecer sacrifícios pela conversão própria e dos outros.

Participar de um Congresso da Misericórdia não é simplesmente uma decisão nossa, é antes de tudo um convite feito pelo próprio Senhor, e ao qual Ele nos deu as condições de corresponder. São graças que nos são confiadas, talentos pelos quais nos tornamos responsáveis, e que não podemos enterrar.

Diante de calamidades como as que nesses dias acontecem na França, devemos tomar ainda mais consciência da nossa responsabilidade de levar aos outros a misericórdia divina que conhecemos e experimentamos neste Congresso. “Fora da misericórdia de Deus não há qualquer outra fonte de esperança para os seres humanos”: repetidas vezes exclamou o Papa João Paulo II, ecoando as palavras do próprio Jesus no Diário de Santa Faustina. Uma responsabilidade muito séria nos é confiada aqui: a de sermos testemunhas da misericórdia.

Temos muito que aprender com Jesus, um aprendizado que dura até a nossa morte, e no qual fazemos tanto mais progressos quanto mais verdadeiros e confiantes formos ao nos apresentar a Cristo – Rosto da Misericórdia. Aprendemos com Ele a olhar para o outro com o coração. Aprendemos a olhar o outro com o mesmo olhar com que Deus nos olha.

Sou cada vez mais convencido de que Deus já nos deu tudo. De que Deus não tem mais nada para nos dar. Basta querer receber o que Ele nos deu. Basta abrir o coração para receber e depois corresponder. Como corresponder? Seguindo a Cristo pelo único caminho que nos leva à plena liberdade e dignidade de filhos de Deus, pelo único caminho que nos leva à plenitude de nós mesmos. É o caminho do amor, e por isso mesmo, o caminho da cruz: o único caminho que nos faz felizes. Seguindo por ele, aprendemos a fazer as coisas como Jesus: “…Amar como Jesus amou; sonhar como Jesus sonhou; pensar como Jesus pensou; viver como Jesus viveu; sentir o que Jesus sentia; sorrir como Jesus sorria” e ser “…muito mais feliz”.

Amar é difícil, ser cristão é difícil -– porque não é a soma de ações esporádicas, é um projeto de vida: é realmente permitir Jesus agir na nossa vida, de tal forma que as nossas atitudes sejam as atitudes de Jesus, mesmo junto daqueles que são difíceis de serem amados (cada um dos que vieram participar deste Congresso certamente teve as suas dificuldades para estar aqui). É um caminho que não somos capazes de percorrer sozinhos, por isso Deus quis nos dar a ajuda da Nossa Senhora.

A nossa resposta ao amor misericordioso de Deus para conosco também não se reduz a um sentimento interior – é uma disposição continua, uma atitude constante, uma decisão de caráter operativo, é um real movimento de correspondência à Salvação que nos é oferecida. É uma peregrinação, na qual o nosso coração – permanecendo em Deus – busca a plena comunhão com a vontade Dele. Quem tem o coração plenamente em Deus sabe que – mesmo que Jesus esteja dormindo, e nossa barca esteja se enchendo de água no turbilhão das tempestades – se Jesus está na barca: tudo está bem. Quem confia em Jesus é sereno: sabe que Aquele que nos deu tudo segue cuidando de nós.

Deus elaborou um projeto perfeito que se chama ser humano. Somos projeto do Deus, que é também nosso Pai. Quando o pecado entrou no mundo, Deus não desistiu de nós, não desistiu do Seu projeto. Ele só sabe amar. Ele é misericórdia. Deus gasta tempo com quem mais precisa. Ele nos quer salvar. Ele tem diversos planos de salvação para nós. Deus não quer as desgraças nas nossas vidas. As desgraças são consequências das nossas decisões (a respeito disso há uma belíssima explicação do professor Felipe Aquino). Deus não vai se impor contra a nossa vontade.

“A decisão é tua…”: quais são as decisões que tomo para a minha vida? Vão de acordo com a vontade do Pai? Ele continuamente trabalha para salvar o Seu povo. Para isso empreendeu um projeto de salvação ao longo de todo o Antigo Testamento. Revelou-se a Moisés: Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e fidelidade que conserva a Sua graça até mil gerações (Êx. 34, 6-7).

Você que está aqui neste Congresso, que não veio aqui por brincadeira, que sinceramente busca a Deus, que confessa frequentemente, que participa da santa Missa dominical – já se deu conta das graças que está dando para as gerações futuras? Conservará a Sua graça até 1.000 gerações…. E se no percurso alguém pecar? A graça se conserva! Se mantém! Em Deus não existe mágoa, ressentimento, Deus não fica olhando torto quando fazemos coisas erradas. Deus não é um Deus vingativo.

Viemos aqui neste Congresso como alunos, e o que aprendemos, levaremos para outros alunos. Aqui, somos convidados a aprender sobre quem é Deus. A plenitude da revelação de Deus chama-se Jesus de Nazaré, o filho da Virgem Maria. Ele é o Rosto da Misericórdia. Tudo o que Jesus realizou, o fez para revelar a misericórdia do Pai. Para isso Ele assumiu a nossa natureza humana. Veio ao nosso encontro de forma tal que pudéssemos conhecer Deus, sem morrer.

Quem contempla a Deus, morre. O nosso coração não consegue suportar a Luz divina. Não consegue suportar o quanto Deus nos ama. Santa Faustina, que contemplou a Trindade por um instante, conta no seu Diário que se continuasse essa visão mística, sua alma seria arrancada do corpo, isso quer dizer, ela teria um infarto fulminante.

Conhecer Deus em Seu Verdadeiro Rosto – Cristo –  é fonte de liberdade interior, de alegria, de paz. “Precisamos sempre contemplar o mistério da misericórdia”, escreve o Papa Francisco na bula, contemplar o Rosto da Misericórdia. Enquanto o meu coração não se voltar para a misericórdia, não vai encontrar a paz.

Misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro – quando vemos com olhos sinceros o irmão que encontramos no caminho da vida. Ontem, na homilia, o Padre Sandro fez-nos entender que o que vemos no outro é o que temos em nós mesmos. Se a nossa atitude para com o outro é uma atitude de misericórdia, é porque a Misericórdia habita no nosso interior, no nosso mundo interior.

E se não tratamos os outros com misericórdia, somos chamados a nos converter, a abrir as portas que temos fechadas. A pessoa má não é o estado de maldade em que ela está. Não foi para isso que ela foi criada. Por que invocamos Nossa Senhora sob o título Desatadora de nós? Aquele que vive no pecado é como se vivesse do nó em diante. Se conseguir de forma retroativa ultrapassar esse nó, ou seja, se com a contrição se apresentar a Deus na verdade de si mesmo – vai alcançar a misericórdia, vai encontrar dentro de si a Presença Divina.

A misericórdia nos abre o coração à esperança de sermos amados. Com a vivência da misericórdia nos tornarmos em verdade nós mesmos, de forma autêntica, e nos tornarmos sinais eficazes do agir do Pai. Durante o Ano Santo somos convidados a ser sinais convincentes lá onde estamos. Pergunte-se a si mesmo: vou regressar deste Congresso com essa atitude, com essa decisão? De ser sinal da ação de Deus na família, no ambiente de trabalho, na roda de amigos? Será que estamos dispostos a falar das coisas de Deus? Será que nós, sacerdotes, estamos dispostos a ser autênticos Padres? Autênticos sinais do agir de Deus?

Tem muita misericórdia para ser derramada ainda nesse mundo! Onde o pecado é grande, a graça é ainda maior. A misericórdia divina será sempre maior, porque em Deus não existe limite. Perante a gravidade do pecado, Deus responde com a plenitude do Seu perdão. João Paulo II dizia que a mensagem da misericórdia é a grande resposta de Deus e dos fiéis para os nossos tempos.

No início do seu Pontificado, assim ele escreveu: “em nenhum momento e em nenhum período da história, especialmente numa época tão crítica como a nossa, pode a Igreja esquecer a oração que é um grito de súplica à misericórdia de Deus, perante as múltiplas formas do mal que pesam sobre a humanidade e a ameaçam. Tal é o direito e o dever da Igreja, em Cristo Jesus: direito e dever para com Deus e para com os homens. Quanto mais a consciência humana, vítima da secularização, esquecer o próprio significado da palavra «misericórdia», e quanto mais, afastando-se de Deus, se afastar do mistério da misericórdia, tanto mais a Igreja tem o direito e o dever de apelar «com grande clamor» para o Deus da misericórdia. Este «grande clamor», elevado até Deus para implorar a sua misericórdia há de caracterizar a Igreja do nosso tempo (…). Se algumas vezes o homem não tem a coragem de pronunciar a palavra «misericórdia», ou não lhe encontra equivalente na sua consciência despojada de todo o sentido religioso, ainda se torna mais necessário que a Igreja pronuncie esta palavra, não só em nome próprio, mas também em nome de todos os homens contemporâneos” (Dives in Misericordia, 15).

Das profundezas eu clamo à Vós, Senhor!… (Sl 129). É nosso dever elevar esse grito a Deus no momento atual. “E nosso grito a Deus tem que ser ao mesmo tempo um grito que penetre em nosso próprio coração para que desperte em nós a presença escondida de Deus, para que o poder que Ele depositou em nossos corações não fique coberto ou sufocado em nós pela lama do egoísmo, pelo medo dos homens, pela indiferença e pelo oportunismo” (Papa Bento XVI, Auschwitz, 29 de maio de 2006).

Deus nos fez para o Céu e precisamos levar todos conosco! O Jubileu da misericórdia é a grande oportunidade que a Igreja nos dá para aprendermos a confiar na Misericórdia, e confiando Nela, exercitarmos o amor recíproco e a reconciliação, com sincero desejo de que todos os homens conheçam a Deus e cheguem, por fim, à Pátria bem-aventurada. Estando às portas do Ano da Misericórdia, somos todos convocados a rezar pela conversão dos pecadores, a começar por nós mesmos, que tantas vezes fomos ingratos a Deus. Somos todos convocados a enchermo-nos de zelo apostólico e pedir ao Senhor que traga de volta à Sua casa – que é a Igreja – os corações que dela se afastaram.

O Papa, que é o representante do próprio Jesus, apresenta-nos na Bula os elementos (são 25 pontos) que devem sinalizar, orientar, a nossa peregrinação durante o Ano Santo. No número 4, fala da Igreja – Verdadeira Casa da Misericórdia – que abre as suas portas e encoraja os seus filhos a atravessarem a Porta Santa – com plena confiança de serem acompanhados pela força do Ressuscitado – a força de Jesus. Passar pela Porta Santa com a força do Ressuscitado… A nossa fé tem que ser uma explosão de graça – tão forte quanto uma bomba atômica.

Quando, aos discípulos de Emaús, frustrados, Cristo Ressuscitado comunicou a Sua força, os discípulos O convidam para permanecer com eles –”Não ardia o nosso coração enquanto ele explicava as escrituras?”. Depois de contemplar o Rosto do Ressuscitado – o Rosto da Misericórdia: perdemos o medo. Escancaramos as janelas do coração, da própria alma, à Sua presença em nosso interior. Entendemos em definitivo que Cristo não tira nada: Ele nos dá tudo e quer em tudo participar da nossa vida, do nosso cotidiano.

Deus nos criou para uma vida imortal. A nossa vida não terá fim. Aqui na terra devemos vivê-la como uma peregrinação, conscientes de que Cristo Ressuscitado caminha conosco. Caro Congressista, sinta a alegria de estar onde Deus o colocou para nesse lugar ser cristão! Abra seu coração para a alegria de ser discípulo de Cristo: católico, apostólico, romano, feliz, realizado, confiante na misericórdia, com o passaporte para o Céu!

No número 6 da Bula, o Papa escreve que Deus caminha na história. Deus caminha na nossa história. “É ele quem perdoa as tuas culpas e cura todas as tuas enfermidades”. “Ele é quem resgata a tua vida do tumulo” (Sl 102). “O senhor liberta os prisioneiros. ampara o órfão e a viúva” (Sl 145). “Cura os de coração atribulado, ampara os humildes” (Sl 146). “Eterna é a Sua misericórdia” (Sl 117 e 1356). “Com o olhar fixo em Jesus e no Seu Rosto misericordioso – escreve o Papa – podemos entender o amor da Trindade”. Deus é amor. Deus ama. Deus só sabe amar. Deus ama-nos com um amor de pai que não se dá por vencido enquanto não dissolver o nosso pecado.

Enquanto estamos na terra podemos retribuir ao Seu Amor! O Papa nos convida no número 8 da Bula a manter os nossos olhos fixos em Jesus – para ser misericordiosos como o Pai. Devemos fazer disso o nosso programa de vida. E as etapas para esse programa de vida, disse o Papa, estão listadas no Evangelho de São Lucas (6, 37-38): Não julgueis e não sereis julgados; não levanteis falso testemunho.

No livro do Profeta Oséias (11, 8) Ele fala: “O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se as minhas entranhas. Não desafogarei o furor da minha cólera – porque sou Deus e não um homem”. É mais fácil que Deus contenha a ira do que a misericórdia. A misericórdia é o coração pulsante do Evangelho. Se não existisse a misericórdia, não existiria o Evangelho. Vendo a multidão de pessoas que o seguiam, Jesus sentia profunda e intensa compaixão por elas. Devemos querer fazer como Deus faz. É a misericórdia que dá vida à Igreja.

Neste Ano Santo somos convocados pelo Papa a colocar em prática as obras de misericórdia, a fazer da misericórdia uma regra de vida. Citando São Paulo – quem praticar a misericórdia, faça com alegria. O primado da tua vida deve ser a misericórdia feita com alegria: amar como Jesus amou. Abrir o coração àqueles que estão esquecidos, ou que nós esquecemos – criando um nó na nossa vida. Pegar esses pela mão e com eles ir para o Céu.

O Papa, no final da Bula, fala-nos da comunhão dos Santos. Na peregrinação deste Ano Santo nos acompanharão de modo particular os santos e beatos que fizeram da misericórdia a sua missão vital. Entre eles está Santa Faustina, a grande Apóstola da Misericórdia. Mas sobretudo nos acompanhará a Virgem Maria, a Arca da aliança, a Porta do Céu… Ela é a Mãe que escutou o Filho dizer: “Pai, perdoa, porque eles não sabem o que fazem. Se eles soubessem, eles não fariam”. Se alguém te maltratou na vida é porque ele não sabe ainda o que é o amor.

Como devemos participar do Ano Santo? Sendo peregrinos… A nossa vida é um constante peregrinar. A peregrinação exige busca. Nós somos peregrinos e sabemos qual é a Terra que nós desejamos. Queremos ir para o Céu! Nossa Pátria é o Céu! Quando Jesus, ao cumprir a Sua missão e subiu a Céu, deve ter dito ao Pai: “Pai salvei todo mundo, só não virão aqueles que realmente não quiserem”.

No caminho da nossa peregrinação. deixemo-nos surpreender por Deus! “Tudo é Dele, por Ele, e para Ele”(Rm 11, 36). Se tudo é de Deus, nós somos de Deus. Aquele que se dispõe a peregrinar precisa ter a atitude do peregrino. Jesus é o nosso Mestre. É com Ele que precisamos aprender! Caros Congressistas, deixa-se surpreender por Deus! Desejo que vocês possam chegar nas suas paróquias com o rosto transfigurado porque contemplaram o Rosto de Jesus de Nazaré.