Foi apresentado hoje (12/01) o livro “O nome de Deus é Misericórdia” (Piemme), onde Andrea Tornielli entrevista Papa Francisco sobre o tema que está no centro de seu pontificado, a misericórdia. O livro é um útil e comovente guia do Ano Santo da Misericórdia, e explica de modo claro que a misericórdia não tem nada a ver com o “bonismo” ou com a pretensa negação da realidade do pecado. Pelo contrário, o Papa explica que só quem se reconhece pecador é capaz de encontrar a misericórdia de Deus, e que o lugar privilegiado desse encontro é o confessionário. O livro compreende cinco unidades temáticas diferentes. O primeiro está relacionado com as fontes do Magistério de Francisco sobre a misericórdia.

Desde o início de seu pontificado, explica o Papa, quis propor uma Igreja que “não espera que os feridos batam à porta, vai encontrá-los na estrada, recolhê-los, abraça-los, curá-los, fazê-los sentirem-se amados” e a todos anuncia a misericórdia. Mas não se trata, afirma o Pontífice, de uma novidade. As fontes de inspiração dessa proposta são São João XXIII, o beato Paulo VI e sobretudo a encíclica de São João Paulo II – Dives in Misericordia (Rico em misericórdia), na qual o Papa polonês afirmou que “a Igreja vive uma vida autêntica quando professa e proclama a misericórdia, o mais admirável atributo do Criador e Redentor, e quando aproxima os homens da fonte da misericórdia”.

Francisco também insiste em Santa Faustina Kowalska, a Apóstolo da Divina Misericórdia, cuja devoção une São João Paulo II, Bento XVI e o atual Pontífice. Francisco também cita uma desafiadora afirmação teológica do Papa teólogo Bento XVI: “A misericórdia é, em realidade, o núcleo central da mensagem do Evangelho, é o próprio nome de Deus, o rosto com o qual ele se revelou no Antigo Testamento e plenamente em Jesus Cristo, a encarnação do amor criador e redentor”. Mas, ultimamente, insiste Francisco, as fontes do primado da misericórdia estão na Sagrada Escritura: “a misericórdia é o documento de identidade do nosso Deus”. O Papa cita São Paulo na Segunda Carta a Timóteo (2, 13): “Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode renegar a si mesmo”. “Você pode negar Deus, comenta Francisco, você pode pecar contra Ele, mas Deus não pode renegar a si mesmo, Ele permanece fiel”. Depois, há as fontes, por assim dizer, mais pessoais. O Papa cita o teólogo jesuíta Padre Gaston Fessard e o seu livro La Dialectique des “Exercises spirituels”  (A Dialética dos “Exercícios espirituais”)  de Santo Ignácio de Loyola.Gesù Misericordioso

Em particular, Francisco afirma que aprendeu com Fessard a importância da capacidade de sentir a vergonha na frente dos próprios pecados que “é uma das graças que Santo Inácio pede na confissão dos pecados a Cristo crucificado”. O Papa encontrou esses conceitos também “em homilias do monge Inglês Beda o Venerável”, e na experiência concreta dos grandes confessores. Ele menciona alguns que conheceu pessoalmente, e São Leopoldo Mandic, de quem leu particularmente nas homilias do Papa João Paulo I. Cita também o famoso teólogo dominicano Antonio Royo Marín. Em seu primeiro Angelus como Papa, Francisco tinha recordado uma velha penitente argentina, que na confissão lhe havia dito: ” Se o Senhor não perdoasse tudo, o mundo não existiria”. “Durante esse primeiro Angelus – revela agora o Papa – disse, para fazer-me entender, que a minha resposta foi: “mas ela estudou na Universidade Gregoriana!”. Na realidade, a verdadeira resposta foi: “Mas ela tem estudado com Royo Marín’.”

O segundo tema central do livro explica a escolha de colocar hoje a misericórdia no centro do Magistério. Esta escolha, diz Francisco, é necessária porque aquela de hoje “é uma humanidade ferida, uma humanidade que carrega feridas profundas. Não sabe como curar-se ou acredita que realmente não é possível ser curada. E não são somente as doenças sociais e pessoas feridas pela pobreza, pela exclusão social, por tantas escravidões do terceiro milênio. Também o relativismo fere tanto as pessoas: tudo parece igual, tudo parece o mesmo”. O relativismo leva a perder o sentido do pecado. O Venerável Pio XII, recorda Francisco, “mais de meio século atrás, havia dito que o drama da nossa época era ter perdido o sentido do pecado, a consciência do pecado. A isso se junta hoje também o drama de considerar o nosso mal, o nosso pecado, como incurável, como algo que não pode ser curado e perdoado. ” Já não se acredita no pecado, por isso não se os confessa, mas se procura as ajudas mais bizarras nas novas religiões e no ocultismo. Francisco recorda de haver aprendido do cardeal Giacomo Biffi esta citação do escritor Inglês GK Chesterton: “Aquele que não acredita em Deus, não é verdade que não acredita em nada, porque começa a acreditar em tudo”. E comenta: “Uma vez ouvi alguém dizer: no tempo da minha avó bastava o confessor, hoje tantas pessoas se voltam aos cartomantes… Hoje se busca a salvação em qualquer lugar”.

O terceiro tema central diz respeito à confissão. Não basta dizer, recorda o Papa que reconheço o meu pecado e me arrependo diante de Deus. “Mas é importante que eu vá ao confessionário, que me coloque na frente de um sacerdote que representa o próprio Jesus, que me ajoelhe em frente à Mãe Igreja chamada a dispensar a misericórdia de Deus. Há uma objetividade neste gesto, no meu ajoelhar-se na frente do padre, que naquele momento é o transmissor da graça que me alcança e me cura”. O Papa recorda e explica as suas imagens usadas nas homilias em Santa Marta segundo o qual o confessionário não é nem “uma lavanderia”, nem “uma câmara de tortura”. Esta da lavanderia, explica, era “uma imagem para entender a hipocrisia daqueles que acreditam que o pecado é uma mancha, apenas uma mancha, que basta ir na lavanderia para que a lavem, e tudo se torna como antes”. É a atitude de muitos que continuam a cometer o mesmo pecado, pensando que depois eles vão confessá-los.

Quanto à imagem da “câmara de tortura”, Francisco explica que era destinada aos confessores, por vezes, demasiado curiosos, sobretudo no campo sexual. O Papa os convida a olhar o diálogo de Jesus com a adúltera, um grande exemplo para os confessores. Jesus não pergunta à mulher quantas vezes ele fez isso, com quem e como. Isto é o essencial: “Vai e não peques mais”. Embora, por vezes, entre os confessores «pode haver um excesso de curiosidade, em matéria sexual, sobretudo. Ou seja, uma insistência em fazer explícitos detalhes que não são necessários”. O convite aos confessores à misericórdia, afirma o Papa, não significa que devem absorver sempre. Há casos em que não se pode dar a absolvição. Mas, nesses casos, “se o confessor não pode absolver, que explique as razões, mas dê também uma bênção, mesmo sem absolvição sacramental”, e não interrompa o diálogo com o penitente.

dkdjskdaksO quarto tema central diz respeito à atitude justa com a qual devemos nos colocar diante da Divina Misericórdia e, logo, da confissão. O essencial é que nós “sejamos conscientes do nosso pecado, do mal feito, da nossa miséria, da nossa necessidade de perdão, de misericórdia”. Se pensamos que não somos capazes, peçamos ao Senhor. “Deus nos atende, está esperando que Lhe concedamos apenas aquela mínima rachadura para poder agir em nós, com o seu perdão, com a sua graça”. Esperou também Simão Pedro, cuja traição – acrescenta Francisco – mostra que mesmo os Papas devem reconhecer-se pecadores. Devemos, antes de tudo aprender e reconhecer que “há o pecado original. Um dado do qual se pode fazer a experiência. A nossa humanidade está ferida, sabemos reconhecer o bem e o mal, sabemos que coisa é o mal, esforçamo-nos por seguir o caminho do bem, contudo muitas vezes caímos por causa da nossa fraqueza e escolhemos o mal. É a consequência do pecado original, do qual temos plena consciência graças à revelação”.

O pecado original não é uma lenda. A Sagrada Escritura “serve-se de uma linguagem figurativa para explicar algo que realmente aconteceu nas origens da humanidade”. Se o pecado original não fosse uma realidade, não se entenderia por que Jesus Cristo “concordou em ser torturado, crucificado e aniquilado para nos redimir do pecado”. Ao penitente, para fazer uma boa confissão, se pede que “saiba olhar com sinceridade para si mesmo e para o seu pecado. E que se sinta pecador, que se deixe surpreender por Deus. Para que Ele nos enche de forma transbordante com o dom da sua misericórdia infinita, devemos tomar consciência da nossa necessidade, do nosso vazio. “A verdade sobre o pecado e a misericórdia não são excluem, mas se evocam. “A Igreja condena o pecado, porque deve dizer a verdade: isto é um pecado. Mas ao mesmo tempo, abraça o pecador que se reconhece tal, o aproxima, fala-lhe da misericórdia infinita de Deus”. Sem reconhecer o próprio pecado, não se pode encontrar a misericórdia. “A misericórdia está aí, mas se você não quer recebê-la … Se você não se reconhece pecador significa que não deseja receber, significa que não sente a necessidade.”

Respondendo a uma pergunta de Tornielli do famoso “Quem sou eu para julgar” referido às pessoas homossexuais, Francisco explica que “havia dito naquela ocasião: se uma pessoa é gay, busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar? Havia parafraseado de memória o Catecismo da Igreja Católica, que explica que essas pessoas devem ser tratadas com delicadeza e não devem ser marginalizadas. Primeiro de tudo gosto que se fale de “pessoas homossexuais”: primeiro está a pessoa, na sua totalidade e dignidade. E a pessoa não é definida apenas por sua orientação sexual: não nos esqueçamos de que somos todos criaturas amadas por Deus, destinatárias do Seu amor infinito. Eu prefiro que as pessoas homossexuais venham se confessar”. Erra quem opõe a misericórdia à verdade ou à doutrina, “a misericórdia é verdade, é o primeiro atributo de Deus. Depois, pode-se fazer reflexões teológicas sobre doutrina e misericórdia, mas sem esquecer que a misericórdia é doutrina.” Negaram isso as heresias “que emergem em outras formas: os cátaros, os pelagianos que justificam-se a si mesmos pelo seu trabalho e pelo seu esforço voluntário, atitude esta já refutada de maneira muito claro no texto da Carta de São Paulo aos Romanos. Pensamos no gnosticismo, que possui aquela espiritualidade soft, sem encarnação”.

É difícil para a Igreja manter unidas a verdade e a misericórdia, evitando mal-entendidos? É difícil, mas é obrigatório. “Temos de entrar na escuridão, na noite que atravessam tantos dos nossos irmãos. Ser capaz de entrar em contato com eles, de fazer sentir a nossa proximidade, sem se deixar envolver e condicionar por essa escuridão. Caminhar em direção aos marginalizados, aos pecadores, não significa permitir aos lobos de entrar no rebanho”. Mas enquanto vigia contra os lobos, a Igreja é atenta em encontrar a ovelha perdida que dá os primeiros passos no caminho de retorno ao redil. “Às vezes, há um risco de que os cristãos, com a sua psicologia de doutores da Lei, apaguem o que o Espírito Santo acende no coração de um pecador, de alguém que está à porta, alguém que começa a sentir a saudade de Deus”.

camminare-viaggi-a-piediO quinto tema central do livro é sobre a dimensão social e política de misericórdia. Esta dimensão, afirma o Papa que possui ancestrais piemonteses, não pode ser negada se “pensamos no Piemonte do final do século XIX, nas casas de misericórdia, nos santos da misericórdia, o Cottolengo, Dom Bosco…”. Santos que se foram também ocupados em tornar mais humana a condição de prisioneiros, uma causa que é muito querida por Francisco. “Com a misericórdia, a justiça é mais justa, realiza verdadeiramente a si mesma. Isto não significa agir com ‘mangas largas’, no sentido de escancarar as portas das prisões a quem é culpado de crimes graves. Significa que devemos ajudar a não ficar no chão aqueles que caíram”.

Francisco também explica por que é tão severo sobre a corrupção. Não se trata de um pecado específico – como se fosse corrupto só o político que rouba – mas de uma mentalidade, que como tal diz respeito a todos os pecados. “A corrupção é o pecado que em vez de ser reconhecido como tal e tornar-nos humildes, é elevado à sistema, torna-se um hábito mental, um modo de viver. Não sentimos mais a necessidade do perdão e da misericórdia, mas justificamos a nós mesmos e ao nosso comportamento. ” “O pecado, sobretudo se reiterado, pode levar à corrupção”, “o corrupto deixa de pedir perdão e termina por acreditar que não tem mais o dever de o pedir”. No fundo, a corrupção é a manifestação, que se torna social, da perda seja do sentido do pecado seja da vergonha diante dos pecados. Devemos todos “pedir a graça de nos reconhecer pecadores, responsáveis deste mal. Quanto mais nos reconhecermos necessitados, mais nos envergonhamos e nos humilhamos, e mais rápido somos inundados pelo Seu abraço da Graça”.

O lugar onde se aprende o sentido do pecado e da misericórdia é a família “é o hospital mais próximo. Quando alguém está doente, é curado ali, enquanto se pode. A família é a primeira escola das crianças, é o ponto de referência imprescindível para os jovens, é o melhor asilo para as pessoas idosas”. Ali se aprende também a compaixão, que é o nosso modo humano de corresponder à misericórdia divina. E se começa a praticar as obras de misericórdia, que o Papa repetidas vezes recomendou redescobrirmos no Jubileu. Não apenas as obras de misericórdia corporais, mas também aquelas de misericórdia espiritual, que não são menos importantes: “aproximar-se, saber ouvir, aconselhar, ensinar”. Este é o apostolado da misericórdia.

Massimo Introvigne

Fonte: La Nuova Bussola Quotidiana

Traduzido por Equipe de Redação do Apostolado da Misericórdia