Para as crianças muito se fala acerca do Papai Noel e dos presentes que lhe serão encomendados. O comércio multiplica suas ofertas e propostas de consumo. Quem precisa de um emprego tenta aproveitar as chances de um trabalho, ainda que sazonal. Outros se esforçam para se casarem no final ou início do ano, valendo-se do período de férias, acrescidas de alguma complementação da renda (férias, 13º salário).
Há também os mais abastados, que projetam suas viagens de turismo e descanso. Todos nós, os que cremos, mas também os indiferentes em matéria religiosa, vemo-nos absortos em nossos programas de final e início de ano. Mas… quem falará da presença do Senhor Jesus, o menino Deus que veio participar dos nossos dias, da nossa existência, da nossa vivência, das nossas agruras e ternuras? Que destaque terá Ele? É, pois, hora dos seus discípulos tomarem a palavra.
Os frenéticos ritmos da nossa época, que tiranizam as nossas ocupações e nosso tempo, que tornam quase entorpecidas as nossas mentes e anseios, parecem golpear até mesmo a nossa consciência e percepção de discípulos acerca das interpelações que as celebrações natalinas poderiam nos suscitar. E se não houver cuidado e atenta vigilância sobre a própria interioridade, até mesmo nós estaríamos sob o risco de nos deixar enredar pela sorvedura consumista que impregna a nossa cultura. Que pensamentos poderiam nos iluminar e/ou projetar sentido às nossas celebrações, uma vez que uma espécie de “saudade da verdade” parece inquietar nosso íntimo?
Para responder a tal indagação, para além do recurso a meios teóricos, parece que a experiência de fé se afigura portadora de respostas mais densas, que melhor saciam nossa interioridade. A fé, vivida com coerência e interpretada com cuidadosa razão, suplanta a pura intelecção. E quando se trata do sentido cristão do Natal, parece que a sociedade humana pede aos que creem que mostrem, com nossa alegria e paz de espírito, que Deus realmente se fez homem.
Que Ele quis ser homem não para buscar um trono para si, mas para participar afetuosamente dos limites humanos. Ele quis experimentar as nossas insuficiências, quis tomar parte nas nossas pequenezas, quis vivenciar os nossos sofrimentos, quis Ele derramar lágrimas conosco e partilhar de nossas expressões de paz e de reconciliação. Quis Ele deixar-se afagar pela ternura humana. Tornou-se tão humano que estes dias natalinos nos fazem recordar até mesmo que “Deus foi parturido” por uma mulher, foi amamentado, foi afagado; Ele aceitou ser ensinado a falar, a caminhar, a rezar… Estes dias natalinos inspiram-nos a pensar na “humildade e pequenez humana do Deus Onipotente”.
Ao tornar-se homem, Deus fez com que a existência humana, a existência de cada vida humana, fosse acolhida como uma verdade sagrada. A partir do Natal do Senhor Deus, tudo o que é profundamente humano concerne diretamente ao modo pessoal de Deus ser. Por isso mesmo o Natal de quem crê, se celebrado com a alegria de quem quer acolher o Deus humilde, inspirará os cristãos a decisões simples, mas corajosas, de grande força para evocar e testemunhar a justiça, a paz, e o sentido para a vida.
Aliás, ao referir o “sentido da vida”, tão ansiado por muitos, jovens especialmente, a serenidade dos discípulos que ouvem o seu Senhor e Mestre, pode suscitar muitas e sadias indagações a tantos filhos irrequietos desta nossa modernidade globalizada e consumidora. E o testemunho de quem crê e acolhe o Deus humilde se torna uma espécie de “bênção escondida”, que gradativamente se revela e se faz percebida nas expressões de fraternidade.
Um antigo escrito cristão chamado Carta a Diogneto, dos primeiros séculos do cristianismo, cujo autor não se conhece, interpreta de modo muito bonito qual é a missão histórica de quem crê. Vale reproduzir algumas daquelas linhas memoráveis: “Assim como a alma é no corpo, também no mundo sãos os cristãos… a alma está encerrada no corpo, mas sustém o corpo. Assim também os cristãos sustém o mundo. Deus pôs os cristãos em um lugar (o mundo) que não lhes é lícito abandonar”.
Para nós que cremos, opor-nos ao mundo e à história equivale a abandonarmos o lugar que Deus nos designou. Por outro lado, aderir acriticamente a tudo o que se realiza no mundo e na história equivale a tornarmo-nos “sal sem sabor”. Estes dias natalinos, já que cremos que Deus quis participar de nosso modo humano de ser e de viver, são ensejo e graça inspiradora para que no novo ano possamos interpretar a realidade com os olhos e sentimentos de Deus.
Dom José Antonio Peruzzo
Arquidiocese de Curitiba – PR.