O Cardeal Elio Sgreccia, Presidente Emérito da Pontifícia Academia para a Vida e especialista em bioética, publicou nesta segunda-feira um artigo com dez pontos que criticam a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que permite desligar os aparelhos que mantêm o bebê Charlie Gard vivo, apesar da oposição dos seus pais.
Em um artigo publicado no blog “Il dono della vita”, o Purpurado denunciou que, desde que o Tribunal Europeu emitiu a sua decisão, “assistimos, com sofrimento e impotência”, os últimos acontecimentos em relação à vida de Charlie, o bebê de dez meses que sofre de síndrome de esgotamento mitocondrial, uma doença genética rara que provoca fraqueza muscular progressiva e pode levar à morte no primeiro ano de vida.
“Parece que todo mundo tem contribuído, ao longo dos últimos seis meses, para criar uma espécie de ‘thanatological agressiva’ (…) uma corrida, por juízes e médicos, destinadas a assegurar a resolução mais rápida possível” para o caso de Charlie, “fazendo silenciando qualquer ressurgimento da esperança dos pais”, que tinham conseguido arrecadar mais de um milhão de dólares para levá-lo aos Estados Unidos a fim de começar um tratamento experimental.
Entretanto, o Cardeal Sgreccia advertiu que a discussão sobre o caso de Charlie também tem a ver com “a capacidade de decidir quando e como acabar com a vida de um ser humano indefeso”.
Diante disso, o Purpurado explicou dez “pontos críticos” que devem ser levados em consideração tanto para a defesa da vida do pequeno Charlie, como de qualquer outra pessoa que está enfrentando uma doença terminal:
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Quem sofre de uma doença incurável, tem o maior direito de ser atendido
Uma pessoa afetada por uma doença considerada incurável pela medicina “é, paradoxalmente, a pessoa que mais do que qualquer outro tem o direito de solicitar e obter assistência e cuidado”.
Trata-se de um alicerce fundamental da ética do cuidado que tem como principais destinatários as pessoas mais vulneráveis, como é o caso de Charlie. “A face humana da medicina se manifesta na prática clínica do ‘cuidar’ da vida do sofrimento e doentes”, afirmou o Cardeal.
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O paciente incurável nunca perde a sua dignidade humana
“O direito de ser continuamente objeto, ou melhor ainda, objeto de atenção e cuidado de familiares ou não, está na dignidade que uma pessoa humana, mesmo recém-nascidos, doentes e sofredores, nunca deixa de ser o titular”.
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A hidratação e a alimentação através de sondas não podem ser consideradas terapias
“Não é tal pela artificialidade do meio utilizado para administrá-la, uma vez que não se considera terapia dar leite ao recém-nascido usando uma mamadeira”, afirmou o Cardeal Sgreccia.
“Água e alimentos não se tornem dispositivos médicos no único fundamento de que são administrados artificialmente, portanto, interrompê-los não é como suspender a terapia, mas é deixar morrer de fome e sede a quem simplesmente não é capaz de alimentar-se automaticamente”, como é o caso de Charlie.
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O “consenso informado”
O Purpurado recordou que a ideia central do consenso informado é o princípio que assinala que o paciente nunca é um indivíduo anônimo, ao qual praticam certas medidas, mas um sujeito consciente que deve estar envolvido nas decisões que o comprometem, a fim de evitar que suporte passivamente as “decisões e escolhas dos outros”.
Nesse sentido, o caso do pequeno Charlie mostra uma “dinâmica de tempo de desconexão substancial entre as decisões médicas e a vontade de seus pais, como evidenciado emblematicamente pela última proibição imposta a eles, e que é poder levar, para vê-lo morrer em casa, o seu próprio filho”.
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A proibição de praticar em Charlie um tratamento experimental não tem justificação
O Cardeal Sgreccia advertiu que a proibição imposta aos pais “em nenhum caso pode ser justificada” apelando ao estado de sofrimento que vive atualmente. Indicou que, embora a terapia solicitada pelos pais possa não dar resultados, “o sofrimento de Charlie pedem uma abordagem paliativa integral e sistemática que hipoteticamente poderiam ter sido acompanhadas com a própria experimentação”.
Nesse sentido, basear-se em uma possível inutilidade da terapia e nos sofrimentos que poderiam ser causados a Charlie, mesmo conseguindo prolongar a sua vida, não são uma solução paliativa adequada, mas uma “morte induzida”.
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O melhor interesse da criança
O Cardeal assinalou que o princípio do melhor interesse do menor que as Cartas internacionais colocam no centro dos mecanismos de proteção destes e que os tribunais ingleses assumiram para justificar as suas decisões, dificilmente implicam ou legitimam “uma forma de eutanásia passiva como a que decidiram praticar no pequeno Charlie”.
Afirmou que o melhor interesse é garantir uma existência o mais digna possível, mediante uma estratégia que permita controlar a dor.
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A decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
O Cardeal criticou o tribunal europeu por ter assumido “uma postura puramente processual”, pois, se por um lado observou na sentença do dia 28 de junho que as decisões dos tribunais ingleses de modo algum violavam os artigos 2, 6 e 8 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, confirmando a correção formal da sua ação, por outro lado não entram no fato da suspensão de alimentação – hidratação artificial, em nome da autonomia dos Estados. Isto, “apesar do fato de que os artigos 2 e 8 da Convenção estabeleçam claramente a proibição de privar deliberadamente qualquer pessoa do bem fundamental da vida”.
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Promove-se uma cultura do descarte em benefício de uma cultura da eficiência econômica
O Cardeal advertiu que por trás dos aspectos do caso de Charlie se esconde, embora nunca tenha sido mencionado, “uma ideia de eficácia na gestão dos recursos de saúde que induz a dispor deles de um modo que não pode não gerar uma insidiosa cultura do descarte” contra os doentes e os idosos.
“Os recursos sempre mais escassos destinados ao sistema de saúde (…) alimentam uma cultura da gestão que faz da eficiência a todo custo o seu primeiro, vital e exclusivo objetivo”, afetando consequentemente “os que são identificados como descartados que devem ser eliminados”.
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A tendência de estabelecer pessoas de segunda classe
Nesse sentido, o Cardeal adverte que o mais preocupante é a “facilidade com a qual se aceita o paradigma da qualidade de vida” com um modelo cultural que não reconhece a dignidade de algumas pessoas.
“Nunca uma pessoa doente pode ser reduzida a sua doença”, nem a sua existência pode ser considerada como de segunda classe pelo simples fato de estar necessitada e sofrendo, advertiu o Purpurado, ao assinalar que “vale muito mais no caso dos que não podem, ou não podem mais, expressar o que são e sentem, como no caso do pequeno Charlie”.
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A dupla moral das pessoas que defendem a decisão
Finalmente, o especialista em bioética criticou a ambivalência daqueles que reivindicaram o acesso indiscriminado e total à eutanásia baseados na autonomia individual, mas ao mesmo tempo negam esta autonomia, como no caso dos pais de Charlie.
“A ambivalência dos que pensam proteger a dignidade da vida de um sujeito, negando a sua própria vida (…). A ambivalência de quem luta pela defesa jurídica, institucional, internacional dos direitos dos mais fracos, no contexto do sistema democrático, e, em seguida, aceita de bom grado ver a eutanásia legalizada, finalmente praticadas nos menores, nos mais fracos, nos necessitados”, denunciou.
Fonte: Acidigital