Deus, fiel a Si próprio, fiel ao seu amor para com o homem, para reconduzir os homens a si, fez coisas extraordinárias.

Prova máxima de sua infinita bondade é o que contemplamos no mistério da Encarnação.

Apesar da indignidade do homem e da sua incapacidade de considerar a bondade paternal de Deus ‒ o Pai, rico em misericórdia, envia a nós o Seu próprio Filho. “Pela Encarnação ‒ afirma o Bem-Aventurado Padre Miguel Sopoćko, diretor espiritual de Santa Faustina ‒ é que se manifesta melhor a misericórdia de Deus, porquanto nenhum outro dom poderia manifestar uma compaixão maior pela miséria humana do que a doação de Seu diletíssimo Filho. Nada de maior poderia ter sido feito por nós, nada de mais valioso e eficaz poderia ter sido oferecido pela nossa salvação. Talvez alguém pudesse imaginar que seria um ato de misericórdia maior perdoar as culpas gratuitamente e levar todos os homens ao céu, no entanto, na realidade existe mais compaixão na doação do Filho de Deus. É muito mais valiosa a salvação que se obtém como reparação que procede da justiça, do que a que resultaria de uma salvação sem reparação” (Sopoćko, M. A misericórdia de Deus em Suas obras. Curitiba: Ed. Apostolado da Divina Misericórdia, 2015).

 

E então eu disse: Eis que venho (Sl 39)

Quando na anunciação Maria pronunciou o seu Fiat, estava plenamente consciente da sua participação na obediência do seu Filho ao Pai. O Pai do Céu dava o Filho para a salvação dos pecadores; e o Filho não só livremente consentia, mas queria que também a Mãe consentisse nesse mistério dulcíssimo, e ao mesmo tempo terrível, da fidelidade absoluta de Deus ao próprio amor.

No instante em que Maria deu o Seu consentimento, cumpriu-se o mistério da Encarnação, ou seja, a união da natureza divina e da natureza humana de Cristo numa só Pessoa divina: o Verbo do Pai fez-se carne (Jo 1,14) e dignou-se habitar entre nós. Assumindo a natureza humana, tornou-se ao mesmo tempo nosso Deus e nosso próximo, unificando em Si mesmo – de uma vez por todas – os dois mandamentos.

No ícone natalício da mãe – que aperta em seus braços o Filho divino feito Filho do homem ‒ revelou-se o “mistério escondido nos séculos”. Foi precisamente este dom de poder abraçar Deus e o homem ao mesmo tempo, num gesto materno-mariano, que transferiu sobre a terra a Misericórdia Divina.

No Natal, Maria teve entre os braços toda a misericórdia de Deus, que se revelaria de modo pleno e definitivo no mistério pascal, mediante a Cruz. Mas isso não teria sido possível se Deus não fosse desde sempre, em Si mesmo, também “Filho”. Deus não poderia receber na Terra a misericórdia maternal da mãe ‒ se desde toda a eternidade não tivesse existido no Céu a Pessoa Divina do Filho.

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“Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte ‒ e morte de cruz!” (Flp 2,6-8). Com essas palavras, o Apóstolo salienta a grande humilhação do Filho de Deus na Encarnação, que destruiu a Sua Majestade infinita aceitando a natureza humana.

“Da mesma forma que um ser humano tem aversão a vestir a roupa suja alheia ‒ acrescenta o Bem-Aventurado Padre Sopoćko ‒ infinitamente maior aversão devia despertar no Filho de Deus a natureza humana, com a qual uniu a Sua Divindade numa só Pessoa divina, só e unicamente por Sua misericórdia”.

A humildade de Cristo é antes algo que Ele é do que algo que Ele faz. Ele é a Palavra Eterna. É relação pura, vínculo em ato. “Não tem nenhum espaço reservado onde ele realize o seu próprio” ‒ disse o Papa Bento XVI em Introdução ao Cristianismo. A Palavra não existe independentemente de quem a pronuncia; provém de alguém e é enviada a alguém. É pura abertura, nunca um eu encerrado que se constrói. Assim o Filho de Deus depende do Pai, procede do Pai, “não pode fazer nada por si mesmo” (Jo 15,5). Isto é o que Deus revela sobre Si no mistério da Encarnação: Sua profunda humildade, Seu total depender.

Cristo nos quer participantes desse Seu total depender ‒ porque é somente no reconhecimento e acolhimento dessa dependência que somos transformados em pessoas plenas: dignos filhos de Deus. Ele tornou isso possível porque a Palavra se fez carne, tomou a nossa autarquia sobre Si e a venceu com o Seu amor; alcançou-nos e nos comunica a Sua vida divina, vida de filhos de Deus.

 

Embora sejais tão pequeno, eu sei que sois Deus

“Por que assumis a figura de um menino para conviver comigo?” ‒ perguntou certa vez Santa Faustina a Jesus, que lhe respondeu: “Porque quero ensinar-te a infância espiritual. Quero que sejas muito pequena, porque, quando és pequena, Eu te carrego junto ao Meu Coração, da mesma maneira como tu neste momento Me seguras junto ao teu coração.” (Diário, 1481).

Nós tínhamos a necessidade de um modelo que fosse consolo e estímulo no estreito caminho para o Céu. Eis que Jesus, Deus feito Homem, no mistério da Encarnação, em Sua humildade e mansidão, em Sua submissão à vontade do Pai, se dá a nós como exemplo e amigo nos nossos embates contra o mal, nos nossos sofrimentos e humilhações.

Contudo, Cristo não só se dá a nós como modelo, como também, por meio do Batismo, nos insere no Seu Corpo Místico ‒ a Igreja. Ou seja, faz-nos participantes da Sua perfeita obediência ao Pai, que nos redime, santifica, diviniza. É na obediência de Cristo que o cristão aprende a ser filho, a acolher o amor misericordioso do Pai e, sustentado pelos sacramentos, corresponder a esse amor, cooperando com a graça superabundante que brota do lado aberto de Cristo e se derrama no amor aos irmãos.

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Para aquele que medita na realidade do mistério da Encarnação ‒ falar de misericórdia divina não significa falar de um atributo de Deus, e sim falar de Deus e de Seu modo de se colocar diante do ser humano, da sua maneira de ser Pai e do nosso modo de ser filhos para com Ele, como de uma característica constitutiva da natureza humana, uma vez que “Pai é o nome de Deus, e filho, sempre filho, é o nome do ser humano… A condição de filho não pertence a um momento da vida, mas à vida inteira. Permanecer filho é sempre a posição certa do ser humano diante de Deus” (Maggioni, B. Padre nostro. Milano, Vita e Pensiero, 1995. p. 3).

Olhando para Jesus, aprendemos que ser filho é um modo de estar no mundo, de colocar-se na realidade e de interpretá-la. Filho é aquele que recebe do pai a vida, o amor, o perdão. Filho é aquele que se deixa amar, perdoar, e que sabe que é objeto de um dom. Ser filho, é dom de Deus, mas também adesão do ser humano, o qual mesmo nesse nível, deve lutar contra as próprias tentações. Ser filho é viver indefesos, sabendo que a própria vida, com seus momentos de trevas e espaços de luz, repousa segura nas mãos do Pai. Então, o Reino de Deus que suplicamos na oração ao Pai Nosso, realiza-se no mundo, transfigurando cristologicamente “o homem” em “servo”, à imagem do Filho que foi obediente até a morte, e morte de cruz.

Mantendo os olhos fixos em Cristo, queiramos nos empenhar por viver o cristianismo como o que de fato ele é ‒ um vínculo: ‘Seja feita, ó Pai, a Vossa vontade’. O ‘Eis que venho, ó Pai, para fazer a Vossa vontade’ unido ao ‘Fiat’ da Mãe Santíssima é a resposta confiante dada ao Pai que anula todo não servirei’ ou ‘sereis como deuses’, toda soberba da vida, toda autossuficiência, toda miragem da onipotência humana que o progresso tecnológico parece inspirar. O amor misericordioso da Santíssima Trindade, revelado em sua plenitude por Cristo – Misericórdia Divina Encarnada ‒ é o limite imposto a toda visão alienada e alienante do homem e da vida gerados na desconfiança pelo ego desmedido e egoísta.

Junto da Cruz, através de Jesus, Maria se torna nossa Mãe em sentido sobrenatural, porquanto, da mesma forma que gerou a Jesus, gera também a nós – por Ele – para a vida sobrenatural. É a Ela, Mãe de Misericórdia, que devemos nos confiar, para que sejamos por Ela ajudados a trilhar o caminho da obediência apresentado a nós pela Misericórdia Divina.

Carina Novak, OCV