Neste dia 21 de março, no mundo inteiro, é comemorado o dia da Síndrome de Down, a data faz alusão à triplicação do cromossomo 21 (trissonomia), que causa a ocorrência genética. Criada pela organização Down Syndrome International (Síndrome de Down Internacional), a data é comemorada mundialmente desde o ano de 2006.

Este é um dia para aumentar a conscientização global e para trazer para a sociedade a mensagem de que as pessoas com Síndrome de Down devem ter as mesmas liberdades e oportunidades que todas as pessoas. E é um dia para celebrar a vida das pessoas com esta alteração genética.

A Síndrome de Down é a síndrome genética cromossômica mais comum, estima-se que no mundo a alteração afete em média 1 bebê a cada mil nascidos vivos.

Ela ocorre quando, ao invés da pessoa nascer com duas cópias do cromossomo 21, ela nasce com três cópias, ou seja, um cromossomo número 21 a mais em todas as células. Isso é uma alteração ou ocorrência genética e não uma doença. Desta forma, não é correto dizer que a síndrome de Down é uma doença ou que uma pessoa que tem Síndrome de Down é doente.

Com o passar dos anos, houve uma melhora na compreensão da Síndrome e, consequentemente, surgiram instituições de apoio que ajudam a quebrar barreiras e demonstrar que as pessoas com Síndrome de Down são capazes de alcançar muito mais do que é esperado delas, desde que se ofereçam oportunidades.

Ter uma deficiência é viver com algumas limitações. E limitações estão presentes na vida de qualquer indivíduo, e isso nem sempre as impedem de alcançar seus objetivos.

Com estímulos adequados – tanto no meio educacional como também no âmbito familiar, as crianças e adultos com Síndrome de Down podem adquirir autonomia e independência. E mesmo com as limitações características de sua condição, podem se tornar adultos com relacionamento social e vida profissional adequada.

Pessoas com Síndrome de Down trabalham, namoram, tornam-se adultos e têm a capacidade de realizar seus sonhos como todo mundo. Crianças com síndrome de Down brincam, estudam, passeiam, se divertem e, na Igreja, são Coroinhas também.

Neste texto você vai conhecer a história inspiradora do Raphael Vargas Pocrifka, de 12 anos, que serve há três anos como Coroinha no Santuário da Divina Misericórdia, em Curitiba-PR.

O Raphael está no 6º ano do ensino fundamental, é um aluno de inclusão em rede regular de ensino, com necessidade educacional especial. Devido à pandemia, a sua rotina está mais tranquila. Além da escola e das atividades de Coroinha, o Raphael frequenta semanalmente: duas sessões com psicopedagoga, uma sessão com fonoaudióloga e no contra turno da escola duas sessões na sala de recursos multifuncional. Além disso, ele é faixa azul no Judô, que só foi interrompido por causa da pandemia, e participa também do projeto Faixa Preta da Misericórdia, que ensina arte marcial para as crianças da comunidade.

Alessandra Vargas, mãe do Raphael, é pedagoga e frequenta o Santuário há 23 anos. Atualmente ela faz parte da Pastoral da Comunicação, Pastoral da Catequese (para acompanhar um catequizando com autismo) e coordena a Pastoral da Liturgia.

Alessandra conta que já tinha observado que o Raphael imitava os gestos dos coroinhas, então, quando ele alcançou a idade necessária, ela perguntou se o filho gostaria de fazer parte da pastoral. Prontamente, o Raphael respondeu: sim!

A Pastoral dos Coroinhas existe no Santuário há 14 anos, Marlene Goetten – coordenadora desde 2011, explica que para se juntar aos 58 coroinhas que servem atualmente, é necessário participar de uma formação teórica e prática, que tem duração de oito meses.

Segundo a Alessandra, naquele momento o Raphael ainda não estava alfabetizado, então a solução encontrada foi ela participar dos encontros de formação também, para poder aprender junto e ajudar o Raphael no que fosse necessário. “Ninguém se opôs em momento algum. Eu aprendi muito nas formações e fui dando as dicas em relação à aprendizagem dele, sem interferir no conteúdo que a coordenação trazia. O Raphael aprendeu, vivenciou os momentos e teve direitos e deveres como todas as outras crianças”, conta sua mãe.

Para o Reitor do Santuário da Divina Misericórdia, Padre Francisco Anchieta, MIC, infelizmente há uma grande barreira a ser superada “quando se fala sobre inclusão, seja em qualquer sentido e onde for. A Igreja ainda tem muito a aprender, mas deve, no seu papel, se esforçar para dar bons exemplos e o exemplo é fazendo”. O Padre Anchieta entende a importância da inclusão e afirma que precisamos pensar num projeto para o Santuário, que oportunize a inclusão também na área de formação catequética e da espiritualidade.

De acordo com acoordenadora dos Coroinhas, Marlene, após participar de todo o processo formativo, sempre bastante interessado e participativo, o Raphael se tornou um “Coroinha extremamente zeloso, interessado e dedicado ao serviço do altar”.

Ao ver a autonomia e o crescimento do Raphael, Alessandra diz que sentiu insegurança: “eu sinto sempre (risos), e ele sempre me mostra que eu não preciso ficar aflita. É aquele misto de sentimentos: quero que ele cresça, mas não quero que se afaste”.

As crianças da Pastoral dos Coroinhas já conheciam o Raphael e, assim, estavam familiarizadas com ele. Sua mãe explica que alguns nem sabiam da síndrome que ele possui, só sabiam que tinha alguma coisa ‘diferente’ quando ele tentava falar algo e os outros não o compreendiam, mas, com a convivência as interpretações foram sendo aprendidas.

E sobre os Coroinhas mais experientes, Alessandra conta que se emocionava a cada servir, pelo carinho e paciência que tiveram durante a preparação do Raphael.

A coordenadora Marlene destaca que houve muita acolhida e ajuda mútua com a entrada do Raphael, e ele “deu um show de entrosamento”.

Para a equipe de redação o Raphael disse que ama ser Coroinha e ama cada atividade do serviço. E sua mãe completa: “se deixar, ele se escala todos os dias. Quando algo não dá certo, ele reclama. E quando conquista algo novo, ele vibra demais. O Raphael ficou muito feliz quando conseguiu tocar o xilofone sem supervisão. Amou quando viu que tinha altura para retirar o cálice do altar, e assim o fez. Gosta dos amigos. E sempre diz que está lindo quando paramentado”.

O Padre Anchieta explica que o Raphael tem sua maneira de ser e de fazer, “e faz muito bem feito. O Rapha é como os outros, todos são diferentes na sua individualidade. Ele participar conosco, não só é muito importante, como é muito especial. A presença dele tem servido para que outros pais que têm filhos com alguma necessidade percebam que eles devem fazer parte dessa vivência social”, afirma o Reitor.

Segundo a coordenadora Marlene, a participação social do Raphael proporciona que os outros integrantes também aprendam. “Nada é impossível para aquele que quer aprender e estar nos serviços da comunidade. É muito importante a Igreja praticar a inclusão nas pastorais. Assim, de fato, há uma ação concreta para ajudar a diminuir a desigualdade social, tanto na questão da deficiência como de qualquer outra desigualdade (cultural, econômica, etc)”.

Entre os diferenciais da Pastoral dos Coroinhas, está a formação pessoal de cada um, destaca Marlene. A Pastoral não só ensina a formação litúrgica e conhecimentos técnicos, como também “busca desenvolver cada um em suas deficiências para que possam melhorar o convívio com outros na vida social, escolar, familiar e profissional, no caso dos jovens que já trabalham. Através da pastoral desenvolvem aptidões para lidar com a timidez, desenvolvem a partilha, o bem estar no convívio, liderança e carismas”.

Conforme relata Alessandra, a condição da Síndrome de Down é a deficiência intelectual, e para as pessoas com síndrome de Down é muito difícil compreender algo não palpável. “Eles usam muito dos sentimentos para vivenciar, compreender e memorizar qualquer coisa. Tudo precisa ser lúdico e concreto para que a informação seja absorvida. As pessoas com Síndrome de Down não distinguem metáforas ou mensagem figurativa. Por exemplo: se eu disser que está chovendo canivete, é isso mesmo que o cérebro dele processa: canivetes caindo do céu. Portanto, tudo é muito representativo. Quando eu vi o meu filho adorando o Santíssimo Sacramento, que é o próprio Jesus, o mesmo que ele vê na Cruz e, ao mesmo tempo vê pintado num quadro, sem me questionar, eu entendi que ele estava apenas vivendo a fé. Ele acredita em Deus sem vê-Lo! E essa aceitação seria quase nula considerando sua condição genética”, explica Alessandra, que também enfatiza o seu encanto e admiração pelos mistérios da nossa fé.

Ao gerar a igualdade de oportunidades, Alessandra explica que as pessoas com Síndrome de Down se demonstram capazes de ultrapassar dificuldades e alcançar muito mais do se espera delas.

Raphael com a sua irmã Manu e sua Mãe

“Antes da pandemia, quando as Celebrações aconteciam na Igreja e não no salão, tínhamos o hábito de fazer a oração do Terço da Misericórdia no final da Missa. Os Coroinhas se ajoelhavam ao lado do Padre, voltados para o Altar, e cada um recitava uma dezena do Terço. Para o Raphael, era muita informação: ficar de joelhos, usar ‘saias’, segurar o microfone, lidar com o som do microfone e manusear as ‘bolinhas’ do terço. Parecia impossível. O Padre sempre perguntava se ele queria recitar e a resposta sempre foi não. Num certo dia, ele se encorajou e foi! Aceitou! Mesmo sem ter a pronuncia correta, fez a dezena certinha e toda a Assembleia respondeu. Aqui, já havíamos mudado o terço para um que não é de bolinhas (pois estas escorregam) e sim de quadradinhos, que fixam melhor entre os dedos e não exigem tanta pressão, além de cada quadrado ser de uma cor diferente, para ele saber onde está e não se perder. Isso é inclusão! É adaptação! É permitir que ele faça como os demais, porém, respeitando seus limites e dando a ele as ferramentas necessárias para que isso aconteça”, incentiva.

Para os próximos anos, desde que haja oportunidade, Alessandra vê que o Raphael pode querer fazer parte da Liturgia, pois a tem como referência. “Mas, ao mesmo tempo, vejo-o partindo para algum ministério de música. Ele gosta muito de cantar e dançar. Ama tocar bateria. E, por vezes, ele me diz que quer ser igual ao Padre! (A mamãe aqui está orando muito para o discernimento vocacional dele)”. Quando questionado, Raphael afirma gostar muito de música e amar bateria, pois bateria o faz bem.

Quando se fala sobre inclusão social e igualdade de oportunidades, pensa-se que todos igualmente têm o mesmo direito de participar das mais diferentes atividades, ir aos mais diferentes lugares e desfrutar das diferentes experiências da vida.

Mas, Alessandra relata que no Brasil, hoje, infelizmente, a inclusão é ainda mais teoria do que prática. “A acessibilidade não acontece sem que tenha alguém brigado por ela. As leis são fracas e cheias de detalhes que não abrangem todas as pessoas com deficiência. Por exemplo, hoje, para ter alguns direitos, a criança com deficiência não pode ter autonomia”, o que não é o caso do Raphael, pois ele “tem autonomia para ir ao banheiro sozinho, comprar lanche, lanchar, brincar, porém, precisa do profissional em sala para ajudá-lo academicamente, mas a lei não abrange essa necessidade”. Além disso, na área da saúde, também existem obstáculos. “O sistema de saúde não oportuniza as terapias necessárias para o bom desenvolvimento e nem os exames periódicos necessários para a manutenção da saúde de uma pessoa com deficiência. Quem vê o Raphael desenvolvendo, não imagina as lutas que têm por trás”.

De acordo com Alessandra, para uma plena inclusão social e igualdade de oportunidades efetiva, é necessário, primeiro, que todos compreendam que somos todos diferentes. “Ninguém é igual a ninguém e todos nós temos nossas habilidades e limitações. O que nos iguala é justamente as nossas diferenças. A inclusão vai acontecer quando as famílias de crianças ditas típicas não deixarem de convidar para o aniversário o coleguinha do filho que tem deficiência. A inclusão vai acontecer, quando todos sentirem a empatia de estar realmente no lugar do outro e imaginar como ele se sente com a rejeição. No Brasil, a maioria das deficiências é adquirida e não genética. Isso significa que todos nós estamos predispostos a adquirir alguma deficiência, seja através de uma doença, um acidente… qualquer razão. O fato é que, assim como o Santuário fez, aceitou meu filho e o trouxe para a convivência com outras crianças da idade dele, permitindo-o mostrar suas competências e ser feliz, todos os lugares, lares e famílias deveriam se abrir. Crianças sem deficiência ganham muito em conviver com crianças com alguma deficiência”, finalizou.

E como uma meta para melhorarmos o nosso interior, não machucarmos o outro e ajudarmos a construir um futuro melhor, Padre Anchieta encerrou sugerindo que exercitemos “a capacidade de ao ver o outro, olharmos com os olhos de Jesus, essa é uma forma de quebrar qualquer tipo de discriminação ou preconceito”.

Referências: Down Syndrome International, Movimento Down, Associação Reviver Down