“Não fomos chamados à indiferença ante os problemas que nos afligem, mas, sim, a ser sal da terra e luz do mundo, pois tudo o que, de algum modo, diz respeito ao homem de hoje, interessa à Igreja”
Prezados sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, fiéis cristãos leigos em geral e demais pessoas de boa vontade da nossa Diocese de Frederico Westphalen (RS), dirijo-lhes esta Nota Pastoral para expor um assunto da máxima importância nos nossos dias: a tentativa de implantação da perigosa, mas pouco conhecida, “ideologia de gênero” no Plano Municipal de Educação (PME) de nossos municípios.
Desejo, portanto, caríssimos irmãos, expor, em três pontos, uma breve orientação a fim de que cada um em seus meios lembre-se de que não fomos chamados à indiferença ante os problemas que nos afligem, mas, sim, a ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-14), pois tudo o que, de algum modo, diz respeito ao homem de hoje, interessa à Igreja (cf. Gaudium et Spes, n. 1).
1. Ideologia de gênero: em síntese, que é?
Para levar aos queridos diocesanos uma explanação segura sobre a ideologia de gênero, divido a exposição em dois breves tópicos, ou seja, o aspecto antropológico no qual se funda a doutrina do gender e o aspecto teológico, aquele que mostra o quanto essa ideologia é malévola e contrárias aos planos de Deus.
a) A face antropológica
O termo gênero (ou gender), que começou a ser difundido nas décadas de 1960 e 1970, visa revolucionar a antropologia apregoando que o sexo masculino ou feminino dado pela Biologia não tem valor, pois o que vale é a construção da identidade sexual psicológica dada pelas culturas nas diversas fases da história.
Assim, ser homem ou mulher não é característica inata, mas mero procedimento aprendido na família e na escola de cada nação, de modo que o homem poderia escolher ser mulher e vice-versa. Mais: decorre dessa ideologia tão denunciada por estudiosos de renome que “o mesmo indivíduo pode optar indiferentemente pelo heterossexualismo, pelo homossexualismo, pelo lesbianismo ou até pelo transexualismo. Não haveria, na origem de cada ser humano, um menino ou uma menina, mas um indivíduo” [1].
Esse indivíduo escolheria – contra a Biologia – aquilo que deseja ser. No entanto, se a natureza biológica conhece somente o homem e a mulher, a ideologia de gênero apregoa que alguém pode ser homem, mulher ou neutro (nem um nem outro). Afinal, seria a sociedade com seus estereótipos que atribuiria a cada indivíduo suas funções, passando por cima das características fisiológicas de cada um.
Em suma, ninguém nasceria masculino ou feminino, mas apenas indivíduos que podem tornar-se masculinos, femininos ou neutros de acordo com a cultura de seu tempo ou com a educação recebida na escola ou em casa.
Aqui se entende a razão pela qual os ideólogos de gênero se interessam por se imporem nos planos de ensino, seja em nível nacional, estadual ou municipal: como sabem que as famílias, via de regra, abominam espontaneamente uma doutrina tão contrária à natureza, partem para a instrução artificial das crianças a fim de que elas, depois de bem doutrinadas pela ideologia de gênero, instruam seus pais e amigos… Seria o fim da família e do próprio ser humano reduzido à condição de mero peão em um sórdido jogo de xadrez [2].
b) O aspecto teológico
No aspecto teológico, a ideologia de gênero é uma afronta ao projeto de Deus para a humanidade. É a criatura tentando tomar o lugar do Criador e recriar o ser humano com o sopro revolucionário mundano a fim de apagar nele, se possível fosse, o sopro divino insuflado na sua criação, conforme a linguagem bíblica de Gênesis 2,7.
Em seu discurso de 21 de dezembro de 2012 à Cúria Romana, o Papa Bento XVI já lançava, corroborando com o que dissemos acima, uma ampla advertência quanto ao uso do “termo ‘gênero’ como nova filosofia da sexualidade”. Dizia ele que “o homem contesta o fato de possuir uma natureza pré-constituída pela sua corporeidade, que caracteriza o ser humano. Nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe é dada como um fato pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria. De acordo com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana ter sido criada por Deus como homem ou como mulher. Esta dualidade é essencial para o ser humano, como Deus o fez. É precisamente esta dualidade como ponto de partida que é contestada. Deixou de ser válido aquilo que se lê na narração da criação: ‘Ele os criou homem e mulher’ (Gn 1, 27). Isto deixou de ser válido, para valer que não foi Ele que os criou homem e mulher; mas teria sido a sociedade a determiná-lo até agora, ao passo que agora somos nós mesmos a decidir sobre isto. Homem e mulher como realidade da criação, como natureza da pessoa humana, já não existem. O homem contesta a sua própria natureza”.
O Papa Bento abordou a ideologia de gênero outra vez, quase um mês mais tarde, em 19 de janeiro de 2013, dizendo que “os Pastores da Igreja – a qual é ‘coluna e sustentáculo da verdade’ (1 Tm 3, 15) – têm o dever de alertar contra estas derivas tanto os fiéis católicos como qualquer pessoa de boa vontade e de razão reta”. Isso é o que, na condição de Bispo desta Diocese de Frederico Westphalen, faço com esta Nota Pastoral no cumprimento de um grave dever de consciência, diante de Deus, da Igreja e da sociedade em geral.
Também o Papa Francisco, na Audiência Geral de 15 de abril último, disse algo muito importante e pontual sobre o tema que estamos tratando. Falava ele: “Pergunto-me, por exemplo, se a chamada teoria do gênero não é expressão de uma frustração e resignação, com a finalidade de cancelar a diferença sexual por não saber mais como lidar com ela. Neste caso, corremos o risco de retroceder”.
“A eliminação da diferença, com efeito, é um problema, não uma solução. Para resolver seus problemas de relação, o homem e a mulher devem dialogar mais, escutando-se, conhecendo-se e amando-se mais”.
Em suma, tentar distorcer os planos divinos nunca leva o ser humano à maior felicidade; ao contrário, o conduz a não poucos e nem pequenos desatinos, conforme os que vemos hoje em quaisquer noticiários, frutos amargos da rejeição de Deus em seus santos desígnios de amor para conosco.
2. O direito e o dever do católico se manifestar
É certo que ao tomarem conhecimento desta Nota Pastoral, alguns poderão repetir um velho chavão muito usado quando lhes convém. É o seguinte: no Estado laico não há lugar para a fala da Igreja ou dos fiéis católicos. Ora, a esse pensamento seletista e excludente – que não é laico, mas laicista ou perseguidor da religião – o Compêndio da Doutrina Social da Igreja responde, em seu n. 572:
“O princípio da laicidade comporta o respeito de toda confissão religiosa por parte do Estado, ‘que assegura o livre exercício das atividades cultuais, espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes. Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação’ [3]”.
“Infelizmente permanecem ainda, inclusive nas sociedades democráticas, expressões de laicismo intolerante, que hostilizam qualquer forma de relevância política e cultural da fé, procurando desqualificar o empenho social e político dos cristãos, porque se reconhecem nas verdades ensinadas pela Igreja e obedecem ao dever moral de ser coerentes com a própria consciência; chega-se também e mais radicalmente a negar a própria ética natural.”
“Esta negação, que prospecta uma condição de anarquia moral cuja consequência é a prepotência do mais forte sobre o mais fraco, não pode ser acolhida por nenhuma forma legítima de pluralismo, porque mina as próprias bases da convivência humana. À luz deste estado de coisas, ‘a marginalização do Cristianismo não poderia ajudar ao projeto de uma sociedade futura e à concórdia entre os povos; seria, pelo contrário, uma ameaça para os próprios fundamentos espirituais e culturais da civilização'” [4].
Portanto, argumentar que o Estado sendo laico não pode acolher a opinião das pessoas de fé e de boa vontade, é defender o laicismo mais agressivo e intolerante para com milhões de cidadãos consideradas por esses argumentadores como pessoas de segunda classe: serviriam para eleger seus representantes, mas não poderiam cobrar deles uma educação capaz de levar em conta a lei natural moral em um tempo no qual nossas crianças e adolescentes mais precisam de retas e sadias orientações.
3. Conclamação aos fiéis católicos e pessoas de boa vontade
Desejo, pois, com esta Nota Pastoral, conclamar a todos para, de modo respeitoso, mas firme, se oporem, à ideologia de gênero – tão contrária aos planos de Deus – a ameaçar as crianças e adolescentes de nossas escolas.
A Igreja não está e nem se posiciona contra as pessoas, mas tem o dever grave de orientar a todos sobre os riscos e perigos que afetam o ser humano, como filhos e filhas de Deus.
Cabe aos fiéis católicos, aos cristãos em geral e às pessoas de boa vontade alertar os parentes, amigos, vizinhos etc. a respeito dessa malévola doutrina exposta no item 1 desta Nota para que as muitas vozes contrárias à inserção da ideologia de gênero sejam ouvidas pelos ilustres representantes do povo e, consequentemente, excluída do PME (Plano Municipal de Educação) de nossos municípios.
Abençoo a todos com suas famílias desejando que São José, defensor da Sagrada Família de Nazaré, interceda por todos nós hoje e sempre.
Frederico Westphalen, 01 de junho de 2015.
Antônio Carlos Rossi Keller
Bispo de Frederico Westphalen
fonte: Site do Padre Paulo Ricardo