É muito comum que, quando pensamos na maneira com que devemos agir com os nossos amigos, estejamos convictos de que a amizade só sobrevive com o desinteresse: não devemos ser amigos de alguém pelo dinheiro, poder ou prestígio que recebemos dessa pessoa, mas porque a amamos. Percebemos, ainda a partir da nossa experiência cotidiana, que não é possível ser amigo de alguém que não nos corresponde; a amizade exige reciprocidade. Em outras palavras, podemos dizer que “só sou amigo de quem é meu amigo”.
Esta concepção sobre a amizade, que é facilmente perceptível no pensamento de muitas pessoas, também é a base para as perguntas que o filósofo grego Aristóteles se faz sobre o tema. Em seu livro Ética a Nicômaco, Aristóteles diz: “… a próxima etapa será a discussão sobre a amizade, uma vez que ela é uma virtude ou envolve a virtude, e é uma necessidade absoluta na vida. Ninguém escolheria viver sem amigos, mesmo que tivesse todos os outros bens” (1155a). Ainda mais: um amigo é um “outro eu” (cf. 1170b, 6-7). Em resumo, toda a ética de Aristóteles se volta para a noção de uma vida feliz, de modo que o nosso agir fundamental seja voltado para o “ser feliz”. Para este filósofo, a amizade é, portanto, uma condição para a nossa felicidade.
No entanto, o cristianismo parece romper com essa noção. Jesus eleva a noção de “amor ao próximo”, dizendo que não devemos amar apenas os nossos amigos, mas também os nossos inimigos. O mandamento do amor, como todos os cristãos sabem, envolve amar justamente aquelas pessoas que não correspondem a nós, ao nosso projeto de vida, às nossas ideias. Se aproximarmos esse conceito de amor da definição de amizade que comentamos acima, veremos que uma é quase oposta à outra.
Como, então, é possível que tenhamos uma amizade desinteressada, se ela é fundamental para nos fazer feliz, e se de algum modo ela é uma completude de mim mesmo? Aristóteles parece estar errado. Será mesmo?
Alguns filósofos, ao tentarem entender melhor esta questão, conceberam a ideia de “Egoísmo Racional”, em que valorizavam muito a ideia do amigo como “outro eu” e afirmavam que, se o amigo é outro eu e o “eu” precisa ser feliz, então o amigo também precisa ser feliz. No entanto, Aristóteles ressalta muito a ideia de valorização do amigo pelo amigo, e não tendo em vista a felicidade própria.
Particularmente, creio que uma possível solução possa ser encontrada na compreensão do ser humano como animal social. Quando Aristóteles nos dá essa definição do ser humano, lembra que todos nós somos chamados à comunhão, ao diálogo, à vida política. Nós nos organizamos em cidades, clãs, famílias, justamente porque dependemos uns dos outros para existirmos. Ora, a amizade só faz esse laço social ainda mais visível.
Faz parte da nossa humanidade buscar os amigos, que são, como o filósofo diz, os maiores bens que podemos ter. A reciprocidade, por sua vez, não é algo que devemos buscar, mas algo com o qual nos deparamos: amamos alguém, somos amados, e então descobrimos que, nesta relação, há amizade.
Mais ainda: penso que a questão da reciprocidade na amizade não pode ser esquecida, nem por um segundo, no cristianismo, pois sem uma amizade verdadeira, não seríamos capazes de entender o que é um dom de Deus.
Ora, o dom não é algo que recebemos porque fizemos alguma coisa, uma espécie de pagamento. Ter um amigo não é, portanto, questão de “fazer determinadas coisas certas”, mas envolve muito sobre acolhida: receber no coração o amor que outra pessoa nos oferece. É evidente que a amizade terá também a nossa parte da doação, mas não basta compreender que eu devo me esforçar para levar minhas amizades a sério. É preciso descobrir a gratuidade do amor e da dedicação que o próximo tem conosco, que revela para nós o Amor de Deus.
Que tal ligar para o seu amigo agora mesmo e dizer para ele o quanto o ama?
João Pedro da Luz Neto, para a Revista Divina Misericórdia – Ed. 61